A América do Sul se debate novamente em
protestos e conflitos, em clivagens entre direita e esquerda e, no
Brasil, em afrontas à democracia. Na economia da região, o dilema é
entre ajuste fiscal e investimentos para a redução da pobreza e da
desigualdade, mas o único caminho certo é o que concilia os dois
objetivos. Eles são complementares. No Brasil, nesses dias, visitou-se o
nosso pior pesadelo pela voz do filho do presidente. A reação das
instituições foi tão eloquente quando o silêncio dos militares.
Aqui temos dois problemas. O aperto fiscal erodindo políticas públicas e o pesadelo autoritário que o presidente Jair Bolsonaro e dois dos seus filhos gostam de trazer à tona. Eles não têm o poder de golpear as instituições, mas sim um insistente desejo já manifesto inúmeras vezes. É patológico. Os militares brasileiros fizeram um longo percurso de recuperação de imagem. Agora suas lideranças envolveram-se numa relação simbiótica com o governo Bolsonaro. É o maior risco reputacional que correm em três décadas. O papel diligente com que têm exercido inúmeras tarefas requeridas pelo poder civil, ao longo dos últimos 34 anos, trouxe-lhes boa imagem. Podem perdê-la nas confusões feitas pelo atual governo, que defende uma ideologia esclerosada e torpe, e entra em confronto com vários grupos sociais ao mesmo tempo.
Os militares da ativa não podem se manifestar politicamente, mas sempre fazem saber seu ponto de vista quando lhes convêm. Os que cercam o presidente Bolsonaro falam claramente, mandam recados ao Supremo e a quem eles pensam ser adversários do atual governo. O silêncio dos militares, da reserva ou da ativa, ficou bem alto nos últimos dias. Uma palavra bastaria para que se soubesse que as saudades da ditadura são sentimentos apenas da família presidencial. Sem essa palavra, fica no ar a ambiguidade. E ela beneficia quem tem tentado intimidar o país.
A questão real que permanece na América do Sul é combater sua enorme desigualdade social. Esquerda e direita democráticas têm reflexões a fazer e pontos a corrigir. A esquerda tende a ver como de direita todas as políticas para ajustar as contas públicas como se o equilíbrio fiscal fosse conservador e condenável.
A famosa frase da ex-presidente Dilma ilustra esse pensamento: “despesa é vida”. Por outro lado, a direita tende a não ter sensibilidade para as enormes distâncias sociais que sempre foram o foco da instabilidade política e econômica da região. Entre disciplina fiscal e gastos sociais com foco nos mais pobres, o melhor é escolher os dois porque só isso tornará o crescimento sustentado e a democracia sólida. Já sabemos, até de tempo recente, que o gasto sem controle produz inflação e crise, o que fere os mais pobres, anulando o efeito das políticas sociais. Também sabemos que sem uma política ativa voltada para os mais pobres a tendência natural é que as transferências públicas favoreçam os mais ricos.
A centro-esquerda governou o Chile muito tempo e, portanto, é parte da herança que explode em revolta contra o governo de Sebastian Piñera, que, por sua vez, usou contra seu povo uma violência desmedida. A Bolívia não pode ficar prisioneira do continuísmo de Evo Morales, nenhuma democracia sobrevive ao quarto mandato do mesmo presidente. Os peronistas cometeram, na última vez que administraram a Argentina, vários erros: gasto descontrolado, intervenção em órgãos que deveriam ter autonomia, populismo tarifário. Voltaram ao poder com as promessas de sempre, mas sem dizer como pretendem enfrentar a inflação alta e a crise cambial. A Venezuela há muito tempo perdeu-se no autoritarismo mais grotesco.
O Peru foi o mais impactado pela corrupção que o Brasil exportou. Aqui se sabe que a corrupção é duplamente perigosa: desorganiza o país e cria salvadores da pátria que proclamam valores morais que não praticam. Nos últimos dias, em alguns dos países da região, as ruas viveram cenas de revolta. Houve quem tentasse reavivar velhas assombrações. Falsos dilemas têm separado políticas públicas que, se conjugadas, poderiam reduzir o imenso fosso social que sempre mantiveram abertas as veias da América do Sul.
Blog da Míriam Leitão, jornalista - Com Alvaro Gribel - O Globo
Aqui temos dois problemas. O aperto fiscal erodindo políticas públicas e o pesadelo autoritário que o presidente Jair Bolsonaro e dois dos seus filhos gostam de trazer à tona. Eles não têm o poder de golpear as instituições, mas sim um insistente desejo já manifesto inúmeras vezes. É patológico. Os militares brasileiros fizeram um longo percurso de recuperação de imagem. Agora suas lideranças envolveram-se numa relação simbiótica com o governo Bolsonaro. É o maior risco reputacional que correm em três décadas. O papel diligente com que têm exercido inúmeras tarefas requeridas pelo poder civil, ao longo dos últimos 34 anos, trouxe-lhes boa imagem. Podem perdê-la nas confusões feitas pelo atual governo, que defende uma ideologia esclerosada e torpe, e entra em confronto com vários grupos sociais ao mesmo tempo.
Os militares da ativa não podem se manifestar politicamente, mas sempre fazem saber seu ponto de vista quando lhes convêm. Os que cercam o presidente Bolsonaro falam claramente, mandam recados ao Supremo e a quem eles pensam ser adversários do atual governo. O silêncio dos militares, da reserva ou da ativa, ficou bem alto nos últimos dias. Uma palavra bastaria para que se soubesse que as saudades da ditadura são sentimentos apenas da família presidencial. Sem essa palavra, fica no ar a ambiguidade. E ela beneficia quem tem tentado intimidar o país.
A questão real que permanece na América do Sul é combater sua enorme desigualdade social. Esquerda e direita democráticas têm reflexões a fazer e pontos a corrigir. A esquerda tende a ver como de direita todas as políticas para ajustar as contas públicas como se o equilíbrio fiscal fosse conservador e condenável.
A famosa frase da ex-presidente Dilma ilustra esse pensamento: “despesa é vida”. Por outro lado, a direita tende a não ter sensibilidade para as enormes distâncias sociais que sempre foram o foco da instabilidade política e econômica da região. Entre disciplina fiscal e gastos sociais com foco nos mais pobres, o melhor é escolher os dois porque só isso tornará o crescimento sustentado e a democracia sólida. Já sabemos, até de tempo recente, que o gasto sem controle produz inflação e crise, o que fere os mais pobres, anulando o efeito das políticas sociais. Também sabemos que sem uma política ativa voltada para os mais pobres a tendência natural é que as transferências públicas favoreçam os mais ricos.
A centro-esquerda governou o Chile muito tempo e, portanto, é parte da herança que explode em revolta contra o governo de Sebastian Piñera, que, por sua vez, usou contra seu povo uma violência desmedida. A Bolívia não pode ficar prisioneira do continuísmo de Evo Morales, nenhuma democracia sobrevive ao quarto mandato do mesmo presidente. Os peronistas cometeram, na última vez que administraram a Argentina, vários erros: gasto descontrolado, intervenção em órgãos que deveriam ter autonomia, populismo tarifário. Voltaram ao poder com as promessas de sempre, mas sem dizer como pretendem enfrentar a inflação alta e a crise cambial. A Venezuela há muito tempo perdeu-se no autoritarismo mais grotesco.
O Peru foi o mais impactado pela corrupção que o Brasil exportou. Aqui se sabe que a corrupção é duplamente perigosa: desorganiza o país e cria salvadores da pátria que proclamam valores morais que não praticam. Nos últimos dias, em alguns dos países da região, as ruas viveram cenas de revolta. Houve quem tentasse reavivar velhas assombrações. Falsos dilemas têm separado políticas públicas que, se conjugadas, poderiam reduzir o imenso fosso social que sempre mantiveram abertas as veias da América do Sul.
Blog da Míriam Leitão, jornalista - Com Alvaro Gribel - O Globo
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