Hélio Schwartsman
É preciso cautela para que o constituinte do passado não amarre demais a vontade dos cidadãos do futuro
[finalmente alguns articulistas, usando o indispensável bom senso, começam a aderir à tese de a vontade de 31 anos passados - o muro ainda existia - não pode prevalecer sobre os cidadãos de agora.
As cláusulas pétreas, a exemplo de outros pontos da CF 88, começam a mostrar que a Lei Maior vigente precisa ser modificada e que para a petricidade vale o que vale para o amor a conhecida máxima 'que o amor seja eterno, enquanto dure', já adaptada no título pelo autor.
Especialmente que o conceito de pétreo da Carta vigente parece valer mais para limitar o Poder Legislativo - cujos membros são eleitos pelo povo, que é por eles representado e a quem cabe legislar - do que para conter as intervenções 'legislativas' do Supremo.
Se eventual mudança optar por manter o conceito de petricidade, que seja incluído que as intervenções legislativas do Supremo quando tiverem como alvo cláusulas pétreas terão que ser tomadas pelo Plenário com maioria qualificada, presença dos onze ministros e com um tempo mínimo de validade (afinal, muitos argumentam que prender bandido antes do fim do processo - que pode ser 'eterno', a depender do poder econômico do condenado - fere direito individual = 'cláusula pétrea' = mas os ministros podem tornar 'movediça' a interpretação de tal cláusula, sempre que assim desejarem.)]
Uma tese popular em circulação é a de que, agora que o STF definiu que a
execução da pena só é possível após o trânsito em julgado, tal
entendimento não pode ser alterado pelo Congresso, já que a presunção de
inocência é uma cláusula pétrea da Carta que não pode ser modificada
nem por emenda constitucional.
A presunção de inocência é sem dúvida uma garantia individual, o que faz
dela cláusula pétrea, mas isso não significa que esteja totalmente
imune aos parlamentares. É fácil ver isso lendo o artigo 60 da Carta,
que regula as emendas constitucionais. Quem chegar até o § 4º do
dispositivo verá que a proteção às cláusulas pétreas não é contra
qualquer tipo de emenda, mas só contra as que tendam a aboli-las.
“Abolir” é um verbo forte, mas o termo “tendente” o relativiza, o que
significa que os ministros do STF poderão decidir da forma que
preferirem, como sempre. Mas, se quiserem se ater ao texto
constitucional, terão de discutir se a prisão após a segunda instância
“tende a abolir” a presunção de inocência ou só a coloca em outras
balizas.
Acho difícil sustentar a primeira opção. Um bom paralelo é com o mandato
de quatro anos. O voto direto, secreto, universal e periódico também é
apontado pelo artigo 60 como cláusula pétrea, mas não me parece que seja
impossível emendar a Carta para criar mandatos de, digamos, cinco anos.
A periodicidade do voto estaria preservada, ainda que com outra
extensão. [emenda para abolir o voto e sua periodicidade, sequer pode ser aceita;
mas, emenda para mudar a periodicidade tem livre tramitação.]
Cláusulas pétreas são um negócio complicado. Concordo que a Constituição
precisa proteger-se de maiorias de ocasião. A exigência de votações
qualificadas e o estabelecimento de cláusulas pétreas são um meio de
fazê-lo. Mas é preciso cautela para que o constituinte do passado não
amarre demais a vontade dos cidadãos do futuro. Se se exagera na dose,
constituições vão deixando de ser cartas políticas e assumindo cada vez
mais a feição de escritos religiosos.
[sugerimos ler em conjunto com: Alcolumbre é um "sem noção" do texto constitucional.]
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