Editada com o propósito de prejudicar os jornais – como disse o próprio
presidente Jair Bolsonaro –, a Medida Provisória (MP) 892/2019 caducou
nesta semana. Publicada no dia 5 de agosto, ela não foi aprovada pelo
Congresso e, tendo decorrido o prazo de 120 dias, perdeu sua validade.
Assim, retornam à vigência a redação original do art. 289 da Lei das
Sociedades Anônimas e a Lei 13.818/2019, que estabelecia uma atualização
das regras relativas à publicação de balanços empresariais, mas
prevendo um período de transição. Sendo uma declarada tentativa de
causar dano aos jornais por meio da constrição abrupta de suas receitas,
a MP 892/2019 foi uma irresponsável agressão à liberdade e à
independência da imprensa.
A MP 892/2019 alterou o art. 289 da Lei das Sociedades Anônimas, que
fixa a necessidade de publicação das demonstrações financeiras “no órgão
oficial da União ou do Estado, conforme o lugar em que esteja situada a
sede da companhia, e em outro jornal de grande circulação editado na
localidade em que está situado a sede da companhia”. Segundo a medida
presidencial, bastaria a publicação dessas demonstrações no site da
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) “e da entidade administradora do
mercado em que os valores mobiliários da companhia estiverem admitidas à
negociação”.
O plenário da Câmara não votou a MP 892/2019. Na Comissão Mista para
análise da medida, foi aprovado o parecer da senadora Rose de Freitas
(Podemos-ES) recomendando sua rejeição. “A MP 892/2019 abre espaço para
maior possibilidade de fraude de documentos eletrônicos, seja por falhas
técnicas nos sistemas de certificação digital, seja porque a MP
autoriza a CVM a dispensar a autorização da certificação digital por
meio de ato normativo da Comissão”, apontou o relatório.
A senadora Rose de Freitas lembrou que a medida não cumpriu os
requisitos constitucionais. “A MP 892/2019 (...) carece de importância e
de relevância, dado que o tema acabou de ser disciplinado em lei
recentíssima, qual seja, a Lei 13.818, de 2019”, disse. “Há argumentos tecnicamente sólidos para sustentar a
inconstitucionalidade da MP 892/2019, seja pela falta de relevância e
urgência, seja pela violação do art. 170 da Constituição”, afirmou o
relatório, fazendo referência ao texto constitucional sobre a ordem
econômica. A intervenção do governo na economia deve respeitar o
princípio da proporcionalidade econômica. No caso, a medida presidencial
procurava justamente produzir um abalo financeiro nos veículos de
comunicação que está sempre a hostilizar. Segundo Jair Bolsonaro disse
no dia seguinte à edição da MP 892/2019, “ontem, retribuí parte daquilo
(com) que grande parte da mídia me atacou”. No entanto, aquilo que
Bolsonaro considerava uma “retribuição à grande imprensa” afetaria
principalmente os jornais regionais, que têm na publicação dos balanços
empresariais uma de suas principais fontes de receita.
Um mês depois da edição da MP 892/2019, o presidente Jair Bolsonaro
voltou a editar nova medida para atacar financeiramente os jornais.
Alterando a Lei de Licitações, a Lei do Pregão, a Lei das Parcerias
Público-Privadas e a Lei do Regime Diferenciado de Contratação, a MP
896/2019 excluía a exigência de publicação em jornal de grande
circulação de atos licitatórios, substituindo-a pela publicação em site
de internet indicado pelo poder público respectivo. Foi uma manifestação
de descaso com a segurança jurídica e a transparência dos atos. Com
apenas sete artigos, a MP 896/2019 pretendia modificar inteiramente a
publicidade do sistema de contratação pública.
Em outubro, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF),
suspendeu a eficácia da MP 896/2019 até sua análise pelo Congresso
Nacional. Na decisão, mencionou os riscos da medida presidencial à
transparência e à segurança jurídica, bem como a falta de urgência e a
possibilidade de gerar danos irreparáveis.
Que o Congresso dê à MP 896/2016 o mesmo destino da outra medida – a
caducidade. Num Estado de Direito, não merece vigência nenhuma agressão à
liberdade de expressão e de imprensa.
Editorial - O Estado de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário