O Estado de S.Paulo
Por que Bolsonaro jogou a família inteira na política? A resposta pode estar no MP-RJ
O Ministério Público Federal do Rio de Janeiro pode estar dando agora, a
menos de 15 dias do fim do primeiro ano do mandato do presidente Jair
Bolsonaro, a resposta a uma pergunta que há anos não quer calar: por que
Bolsonaro se candidatou, passou 28 anos no Congresso, meteu os três
filhos mais velhos na política e já começa a entronizar também o menino
caçula, Jair Renan?
Após encerrar prematuramente a carreira militar, aliás com graves
motivos, Bolsonaro enveredou pela política mantendo sempre o discurso
antipolítica, antipolíticos, antissistema, antipartidos, anti-Congresso.
Se tinha essa ojeriza toda, por que entrou na roda e jogou para dentro
dela a própria família? As revelações do MP sobre o gabinete do
primogênito, Flávio Bolsonaro, na Alerj, autorizam uma conclusão, ou
suposição: porque era fácil todo mundo “se dar bem”. Com dinheiro
público, frise-se.
O MP não está necessariamente certo e as investigações ainda estão em
andamento, mas o que se tem publicamente até agora é chocante – e
preocupante. O gabinete do então deputado estadual Flávio, agora senador
da República, embolava o Queiroz, policiais aposentados, parentes de
líderes da milícia e a família inteira da segunda mulher do atual
presidente: pai, tios, tias, primos. Além da “rachadinha”, quando os funcionários repassam parte do salário
ao parlamentar que os emprega, há suspeita de lavagem de dinheiro do
próprio Flávio na compra de apartamentos e na sociedade de uma loja de
chocolates que sofreu busca e apreensão do MP, com autorização judicial.
O efeito político dessas investigações, relatórios e notícias é
devastador. Já seria complicado para qualquer um, mas é pior porque se
trata do filho do presidente da República e, pior ainda, de um
presidente que se elegeu como o salvador da Pátria contra a corrupção, o
sistema, a “velha política”. Tem algo mais velha política do que
rachadinha? E que tal rachadinha com miliciano no meio? [a primeira frase do parágrafo anterior já desqualifica qualquer comentário acusatório que a ilustre colunista possa expendir naquele, nos anteriores, neste e nos que seguem.]
Sem contar que havia um certo trânsito de funcionárias entre os
gabinetes do filho no Rio e do pai em Brasília. Algumas, aliás,
onipresentes: eram personal trainers ou vendiam guloseimas no Rio, mas
recebiam salário em Brasília. Tudo mal explicado.
O ano de 2019 termina e o ano de 2020 começa com os Bolsonaros às voltas
com essas histórias todas que tiram o presidente da costumeira posição
de ataque e o empurram para a desconfortável posição de defesa. “Não
tenho nada a ver com isso”, limitou-se a reagir Bolsonaro, que tem
fugido de repórteres na saída do Alvorada e nas solenidades do Planalto.
Será que não tem o que dizer? Há dúvidas, porém, sobre o uso que a oposição pode fazer disso tudo. O
ex-presidente Lula pode tripudiar, recém-saído da prisão? [e de malas prontas para voltar para cumprir nova pena, decorrente de nova condenação, por outro crime?]O PT pode
fazer fila no plenário da Câmara e do Senado para apontar o dedo contra o
presidente? Qual dos partidos grandes vai se declarar surpreso, chocado
e indignado com a “rachadinha”?
Aliás, esse será o ponto central da “defesa” que Bolsonaro está desde
quarta-feira acertando no Alvorada com os filhos, inclusive o próprio
Flávio: a surrada saída de que era “só rachadinha”, que “todo mundo
faz”, aliada à desqualificação de quem investiga e quem noticia, ou
seja, o MP e a imprensa. A estratégia não tem efeito jurídico, mas cola
onde mais interessa ao presidente: nos seus apoiadores incondicionais. [apoio incondicional é algo que não existe;
quanto mais fiel o apoio maiores são as cobranças por respeito às leis por parte do apoiado, o que inclui, sem limitar, a honestidade.
Só que se configura o desrespeito as leis após os atos causadores serem provados - o que não ocorreu até o presente momento - e os argumentos de defesa apresentados.
É sabido que casos da chamada 'rachadinha', são na verdade doações espontâneas dos funcionários aos políticos - seus empregadores - que, posteriormente, por razões diversas, deixam de ser 'doações' e passam a ser chamadas de frutos de extorsão - algo a ser provado.]
Assim como os trumpistas só ouvem e acreditam no que querem e no que
convém, os bolsonaristas também só consideram o que reforça suas crenças
e tapam os ouvidos (e a mente) para tudo e qualquer coisa que possam
arranhar a imagem que têm do “mito”. [Sobre as crítica à Trump e aos trumpistas: convenhamos ser conveniente, aos eleitores e ao país, acreditar, prestigiar um presidente que reduziu o desemprego em seu país a níveis mínimos, a economia está bombando.
Quanto ao nosso comportamento, BOLSONARISTAS, confiamos que o presidente Bolsonaro tem todos os requisitos - até no fato de ser acusado de quase tudo que não presta e por muitos - para ser o TRUMP do Brasil.] Afinal, mito é mito. Não tem
defeito, sempre está certo e pode tudo. Até quando?
Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo
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