Folha de S. Paulo
Indícios para uma investigação levada até o final são numerosas
Se as investigações irão até o fim, é a expectativa de sempre, mas com a
curiosidade diminuída no caso do Bolsa Família particular criado pelos
Bolsonaro. O endereço do fim não é obscuro, mais do que sugerido por
indícios acumulados desde os primeiros sinais do caso. Quase se diria
que as revelações começaram pelo que seria o seu final.
[uma sugestão de um simples escriba aos próceres da imprensa:
- antes de tudo, tenham em conta que a legislação penal brasileira - começando pelo artigo 5º da Lei Maior - estabelece o caráter individual da pena.
Assim, esqueçam a tentação de - resultante do desejo de se livrar do presidente Bolsonaro - envolver o presidente Bolsonaro em crimes 'cometidos' pelo senador Flávio Bolsonaro.
O passo inicial concreto é a polícia e o MP investigarem os indicios - que muitos querem tratar, desde sempre, como provas;
Se os mesmos se consolidarem, justificando uma denúncia, denunciem o senador, sendo aceita a denúncia que ele seja julgado, se condenado (uma condenação implica na existência de provas) que ele cumpra a pena.
MAS, NADA DE ENVOLVER, o pai do então condenado, o processo.
A PENA É INDIVIDUAL, o presidente tem um CPF e cada um dos seus parentes um outro.
Encerro lembrando aspectos dos indicios:
- movimentações atípicas não são necessariamente ilegais e caso provem que as do Queiroz são ilegais é necessário provas que o senador Flávio Bolsonaro teve participação nas ilegalidades;
- um cheque, a título de pagamento de um empréstimo, entre amigos ou parentes, nada prova - quem já não pediu e/ou emprestou dinheiro a parente, amigo ou conhecido?;
- as nomeações, se havidas, precisam ser investigadas e eventuais indícios de ilegalidade investigados, tudo na forma da lei.
- cada INDICIO pode ser refutado, não resistindo ao menor exame imparcial.
E caso algum passe a ser prova, alcança apenas o senador. Estender ao presidente não depende apenas da vontade dos contrários ao presidente - que são também contra o Brasil.]
Logo de saída, um cheque de R$ 24 mil, como restituição parcial de um
empréstimo a quem recebeu R$ 2 milhões na conta, não é explicação
convincente. Tanto mais se o cheque é de um sargento da Polícia Militar
para a mulher de um então deputado, estes já como presidente eleito e
futura primeira-dama. A própria origem do cheque pôs em dúvida a sua
lisura, dada a ligação do emitente com chefes milicianos.
Ao menos nove parentes da segunda mulher de Jair Bolsonaro, Ana Cristina
Siqueira Valle, foram funcionários nominais de Flávio Bolsonaro quando
deputado. Todos deixando parte do ganho com o sargento-coletor Fabrício
Queiroz. Alguns, nem moradores do Rio. O interessado nas nomeações desses “laranjas” nunca seria qualquer dos
filhos Bolsonaro, que não conviveram bem com a nova mulher do pai. Com
motivo para as nomeações era o Bolsonaro ligado a Ana Cristina Valle e
sua família. Usou o gabinete do filho. Integrante do esquema de desvios,
portanto, e com autoridade de chefe.
No estágio atual do caso, o escândalo só tem olhos para Flávio e suas
(ir)responsabilidades. A propósito: até agora, bom trabalho do
Ministério Público do Rio e do Judiciário estadual. Seu relatório é
minucioso, rico em fatos apurados, extenso a ponto de cansar. Por ora,
no entanto, contribui para o fabricado esquecimento de feitos alheios. É
o que se passa, por exemplo, com uma contratada do gabinete de Jair
Bolsonaro na Câmara, a senhora que não passou de vendedora de suco de
açaí, vizinha em Angra dos Reis do pescador, deputado e depois
presidente antiambientalista. Sem envolvimento dos filhos, era o chefe
operando em pessoa com recursos desviados, no mesmo esquema que
beneficiou seu velho amigo
Os indícios para uma investigação levada até o fim, no Bolsa Família
ativado pelos Bolsonaros, são numerosas. Mas nem assim levam a
esclarecimentos que não deveriam ser difíceis, mas parecem sê-lo. Ou,
pior, por serem dados como aceitáveis os fatos que fazem o escândalo. Sabe-se que o bolsonarismo militar, com predomínio do Exército, aprova a
exploração econômica da Amazônia, a reconsideração das reservas
indígenas — duas teses que integram as diretrizes do Exército há quase 50
anos—, apoiam a militarização das escolas, a mudança dos financiamentos
culturais, e por aí. [cada item aprovado pelo Exército é amplamente justificado; ficando apenas em um:
qual a razão, a motivação, para a imensidão das reservas concedidas aos indígenas ?
como 12 índios podem explorar 50.000 hectares?
A demarcação de imensas áreas como reservas indígenas tem um único objetivo: dificultar ao máximo que áreas cuja exploração é viável - tanto no aspecto ambiental quanto no econômico - sejam liberadas para exploração.
Devemos ser ambientalistas, mas, sem exageros, sem prejudicar o atendimento às necessidades economicas do Brasil e do povo brasileiro.] Além disso, a presença de duas centenas de
militares em cargos governamentais associa o governo e o Exército. A
associação não se dá com a ciência, a cultura, a redução da desigualdade
em que o Brasil foi declarado “caso mundial mais grave”, o
desenvolvimento industrial, alguma coisa grandiosa como país.
Reformados ou da ativa, os militares que integram esse governo fazem
parte de um esquema de poder. Não participam, aí, dos ramais acusados ou
suspeitos de ações, passadas ou não, como desvio de verbas públicas,
nomeação e exploração de funcionários fantasmas, conexão com segmentos
do crime, e outras.
Mas são parte do conjunto. Ainda que à margem dos fatos escandalosos,
integram sem ressalvas, e até com elogios, o mesmo esquema de poder sob
denúncias e suspeitas. O que lembra parte das palavras com que o general
Eduardo Villas Bôas, quando comandante do Exército, pressionou o
Supremo para bloquear a candidatura de Lula: “(...) resta perguntar às
instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das
gerações futuras (...)”.
Jânio de Freitas, jornalista - Folha de S. Paulo
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