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terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Conchavo descabido – Editorial - Folha de S. Paulo

Plano de reconduzir os atuais chefes da Câmara e do Senado deve ser abortado

Ao declarar que se encontra “à disposição” para assumir novo mandato de dois anos à frente do Senado, o presidente da Casa, David Alcolumbre (DEM-AP), deixou clara sua disposição de mudar as regras do jogo em benefício próprio. A Constituição veta a reeleição para tal posto numa mesma legislatura. O mesmo vale para a Câmara dos Deputados, cujo presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não se declara inclinado, publicamente ao menos, a apoiar emenda constitucional para alterar a norma.

Pode-se discutir, democraticamente, se o critério inscrito na Carta é o mais adequado ou se caberia modificá-lo. [o critério vigente na Constituição tem,enquanto vigente estiver, que ser observado, seguido, acatado e respeitado - ou certas coisas inscritas na Carta Magna só valem quando libertam criminosos condenados e multiprocessados?
Se querem mudar tais critérios, apresentem a PEC e seja seguido na íntegra todo o rito.
O mais é golpe. Ainda que para um cargo menor que o de presidente da República, mas, golpe. Aliás, golpes só são dados para cargos compatíveis com capacidade dos golpistas.] Não se ampara em bons argumentos, porém, a orquestração de movimento destinado a favorecer os atuais ocupantes dos cargos. Nessa hipótese, haverá não mais que um óbvio e casuístico conchavo de bastidores.

Ao que se observa, quem mais poderia se beneficiar de uma eventual reviravolta é Maia, que assumiu um mandato-tampão de seis meses, em 2017, após o afastamento do deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), e elegeu-se duas vezes para o cargo — a primeira na legislatura passada, a segunda, na atual. As circunstâncias políticas criadas pela vitória do presidente Jair Bolsonaro ofereceram ao presidente da Câmara condições inéditas para desempenhar papel mais relevante na cena política nacional. [o deputado que atualmente preside a Câmara seria o mais beneficiado pela mudança das regras no meio do jogo:
- porém, por ser o primeiro - não eleito para substituir o presidente da República -  na linha sucessória, seria conveniente que fosse alguém que se destacasse por ter sido bem votado na eleições 2018, para o cargo de deputado;
quanto ao presidente do Senado há dúvidas até se possui qualificações para exercer omandato de senador da República.]

Ao renunciar à costura de uma coalizão majoritária estável no Congresso, nos moldes —um tanto questionáveis, diga-se— de seus antecessores, Bolsonaro deixou aberto um espaço político que Maia diligentemente ocupou. Apelidado de primeiro-ministro informal, assumiu uma agenda de reformas que contempla tanto propostas do Executivo quanto outras que julga valiosas para o país e, decerto, para suas ambições. O ambiente polarizado da sociedade deu-lhe a chance de emergir como líder parlamentar equilibrado e referência das forças ao centro.

A estatura e o prestígio de Maia não se comparam com os de Alcolumbre, mas é inegável que o comandante do Senado se revelou mais efetivo no desempenho de suas funções do que se poderia, no primeiro momento, presumir. Cada um com características e objetivos próprios, ambos podem em tese se irmanar na tentadora conveniência de estender a permanência no cargo. Uma atuação coordenada nesse sentido, na Câmara e no Senado, vai se desenhando. Trata-se de movimentação que merece rejeição. Num momento em que se faz particularmente importante demonstrar o respeito às normas do jogo, uma investida para mudar a Constituição em proveito dos chefes do Legislativo só contribuiria para aumentar a sensação de insegurança institucional.
 Editorial -  Folha de S. Paulo 


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