Plano de reconduzir os atuais chefes da Câmara e do Senado deve ser abortado
Ao declarar que se encontra “à disposição” para assumir novo mandato de
dois anos à frente do Senado, o presidente da Casa, David Alcolumbre
(DEM-AP), deixou clara sua disposição de mudar as regras do jogo em
benefício próprio. A Constituição veta a reeleição para tal posto numa mesma legislatura. O
mesmo vale para a Câmara dos Deputados, cujo presidente, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), não se declara inclinado, publicamente ao menos, a apoiar
emenda constitucional para alterar a norma.
Pode-se discutir, democraticamente, se o critério inscrito na Carta é o
mais adequado ou se caberia modificá-lo. [o critério vigente na Constituição tem,enquanto vigente estiver, que ser observado, seguido, acatado e respeitado - ou certas coisas inscritas na Carta Magna só valem quando libertam criminosos condenados e multiprocessados?
Se querem mudar tais critérios, apresentem a PEC e seja seguido na íntegra todo o rito.
O mais é golpe. Ainda que para um cargo menor que o de presidente da República, mas, golpe. Aliás, golpes só são dados para cargos compatíveis com capacidade dos golpistas.] Não se ampara em bons
argumentos, porém, a orquestração de movimento destinado a favorecer os
atuais ocupantes dos cargos. Nessa hipótese, haverá não mais que um
óbvio e casuístico conchavo de bastidores.
Ao que se observa, quem mais poderia se beneficiar de uma eventual
reviravolta é Maia, que assumiu um mandato-tampão de seis meses, em
2017, após o afastamento do deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), e elegeu-se
duas vezes para o cargo — a primeira na legislatura passada, a segunda,
na atual. As circunstâncias políticas criadas pela vitória do presidente Jair
Bolsonaro ofereceram ao presidente da Câmara condições inéditas para
desempenhar papel mais relevante na cena política nacional. [o deputado que atualmente preside a Câmara seria o mais beneficiado pela mudança das regras no meio do jogo:
- porém, por ser o primeiro - não eleito para substituir o presidente da República - na linha sucessória, seria conveniente que fosse alguém que se destacasse por ter sido bem votado na eleições 2018, para o cargo de deputado;
quanto ao presidente do Senado há dúvidas até se possui qualificações para exercer omandato de senador da República.]
Ao renunciar à costura de uma coalizão majoritária estável no Congresso,
nos moldes —um tanto questionáveis, diga-se— de seus antecessores,
Bolsonaro deixou aberto um espaço político que Maia diligentemente
ocupou. Apelidado de primeiro-ministro informal, assumiu uma agenda de reformas
que contempla tanto propostas do Executivo quanto outras que julga
valiosas para o país e, decerto, para suas ambições. O ambiente
polarizado da sociedade deu-lhe a chance de emergir como líder
parlamentar equilibrado e referência das forças ao centro.
A estatura e o prestígio de Maia não se comparam com os de Alcolumbre,
mas é inegável que o comandante do Senado se revelou mais efetivo no
desempenho de suas funções do que se poderia, no primeiro momento,
presumir. Cada um com características e objetivos próprios, ambos podem em tese se
irmanar na tentadora conveniência de estender a permanência no cargo.
Uma atuação coordenada nesse sentido, na Câmara e no Senado, vai se
desenhando. Trata-se de movimentação que merece rejeição. Num momento em que se faz
particularmente importante demonstrar o respeito às normas do jogo, uma
investida para mudar a Constituição em proveito dos chefes do
Legislativo só contribuiria para aumentar a sensação de insegurança
institucional.
Editorial - Folha de S. Paulo
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