O Estado de S.Paulo
No cenário de hoje, Bolsonaro não é só favorito como o único candidato para 2022
Os que apoiam estão tripudiando, os que se opõem entram em pânico, mas o
fato é que, neste momento, o presidente Jair Bolsonaro não é apenas
fortíssimo para vencer a reeleição como o único candidato realmente à
vista para 2022. Três anos são uma eternidade na política, mas uma chapa
Bolsonaro-Sergio Moro soa como imbatível. Não custa lembrar que Moro é o
personagem mais popular do governo, mais até do que o presidente.
A esquerda continua imobilizada pela presença do ex-presidente Lula, que
está inelegível. O centro... bem, João Doria recua, Luciano Huck
avança, mas os dois nem chegam perto de ameaçar o franco favoritismo de
Bolsonaro, que ainda por cima tem o precedente histórico a seu favor:
nenhum presidente deixou de ser reeleito depois do instituto da
reeleição. Nem Dilma Rousseff, apesar de tudo. Bolsonaro aprofunda a estratégia da campanha de 2018, mantendo o foco no
combate à corrupção, recuperação da economia e dos empregos, defesa da
ordem, família e propriedade, ojeriza ao “politicamente correto” e o
medo - ou pretexto - da volta do PT e de Lula.
Provoque qualquer bolsonarista, seja ele "de raiz" ou de conveniência, e
a primeira resposta é: "O que você quer? A volta do PT?". A segunda: "o
governo já tem um ano, você ouviu uma única palavra sobre corrupção?". A
terceira: "A Dilma destruiu a economia, mas o Paulo Guedes está
recuperando, a economia vai bem". Pode-se perguntar sobre o aparelhamento indecente da Cultura, o desmonte
das políticas e da fiscalização do Meio Ambiente, a bagunça na
educação, a falta de notícias sobre a saúde, a esquizofrenia da política
externa, as ameaças de autoritarismo dos filhos do presidente. Pode-se
perguntar até do terraplanismo, de gurus, do AI-5, das amizades do
presidente. Sabem a resposta? Tudo é mimimi de intelectual, de
jornalista, ninguém está preocupado com isso.
Aqueles da direita moderna até torcem o nariz para os absurdos ditos e
feitos por Bolsonaro e cia, demarcando uma linha clara entre eles e ele,
mas não arredaram pé nem estão (até agora, ao menos) buscando
alternativas. Pensam assim: Bolsonaro pode não ser adequado, mas que
jeito? Ruim com ele, pior sem ele.
Do outro lado, a esquerda continua com o mesmo discurso atrasado, a
mesma obsessão em Lula, as mesmas divisões, sem energia para fazer uma
oposição consistente no Congresso nem para mobilizar a sociedade. E a
situação de Lula é incerta e não sabida. A prisão em segunda instância
vai voltar? Quando? Como será o julgamento da anulação do processo do
triplex no STF, que pode anular a inelegibilidade? Para onde vai a
condenação pelo sítio? E os demais processos?
Já o centro, que virou uma tábua de salvação, ainda é uma miragem.
Faltam líderes, convencimento, discurso objetivo, rumos, convicção,
reverberação no Congresso. E há dois pontos centrais: no Brasil, o
presidencialismo é fortíssimo e a política gira em torno de
personalidades. Bolsonaro encarnou o anti-Lula. Para enfrentá-lo, só uma
cara e uma voz tanto anti-Lula quanto anti-Bolsonaro. É cedo para certezas e mesmo previsões, mas no cenário de hoje Bolsonaro
corre sozinho, sem adversários, com boas perspectivas na economia e
dono único do discurso anti-corrupção. Seus principais inimigos são ele
próprio, seus filhos, ministros esquisitões e o danado do imponderável.
Este pode estar em cada esquina, em cada gabinete, em cada descuido. E
na CPI das fake news.
Enquanto isso, Bolsonaro fortalece sua base militar, evangélica,
ruralista e ultraconservadora, dá os cargos da Cultura de mão beijada
para Olavo de Carvalho, ajusta a política externa ao pragmatismo e deixa
o "gabinete do ódio" do Planalto trabalhar. Todo o pacote de 2018 está
ativo e muito eficiente.
Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo
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