O Centrão, justificadamente, tem péssima imagem no país. Salvo um ou outro episódio que custo a lembrar, sua principal utilidade ocorreu durante o processo constituinte. E mais especificamente, no ano de 1988, quando um grupo numeroso de parlamentares liderados pelo PMDB se uniu para tentar abrandar um pouco as insanidades que o bloco de esquerda pretendia ver constitucionalizadas. [apesar de alguma razão assistir ao ilustre articulista quanto a função de contenção aos malefícios que os insanos esquerdistas pretendiam constitucionalizar, o conjunto a obra - a cidadã - não recomenda a nenhum dos que a elaboraram.] Esse movimento deu causa ao racha do PMDB, que havia elegido mais da metade do plenário da Constituinte.
Como escrevi várias vezes referindo esse período, se fosse politicamente mais homogêneo, o partido de Ulysses Guimarães poderia ter redigido a Carta de 1988 numa sala de seu Diretório Nacional. Entre os senadores, apenas 14 não eram do PMDB. Na Câmara, 53% dos deputados eram a ele filiados. O partido, no entanto, rachou pelo lado esquerdo. Em fins de 1987, nove senadores e 39 deputados federais criaram o PSDB. Esse grupo já vinha trabalhando com o bloco de esquerda, sob liderança de Fernando Henrique e Lula.
E o Centrão? Mesmo na Constituinte, se de um lado diminuiu o estrago, como mencionei acima, de outro ajudou Sarney a derrubar o parlamentarismo que seria aprovado e o presenteou com um mandato especial de cinco anos, quando o previsto era quatro anos. Esse foi o tempo certo para o Centrão sentir o gosto do governo, dos cargos, dos bônus e nunca mais sair. Ficou com Sarney, seguiu duas vezes com Fernando Henrique, outras duas com Lula, outras duas com Dilma, depois com Temer e, agora, com Bolsonaro.
O mais curioso é que o Centrão, malgrado estar no poder há 32 anos, também sabe ser oposição. Mostrou isso nos primeiros 18 meses de Bolsonaro, paralisando, arquivando, derrubando, desfigurando todas as tentativas do presidente de dirigir o carro do Executivo com geometria e balanceamento adequados às expectativas vitoriosas na eleição de 2018. A gente viu no que deu.
O Centrão está ciente e a história faz prova: quem não tem maioria no Congresso ou não termina o governo (Getúlio, Jânio, Jango, Collor e Dilma) ou não consegue governar, caso de Temer, que ficou cumprindo o carnê. Na situação em que Bolsonaro estava em meados do ano passado, seu rumo estava ditado pela história. Ou o Centrão, ou mais quatro anos estéreis para o país, ou porta da rua serventia da casa, via Congresso ou TSE.
Agora, partidos que, governando com o Centrão promoveram toda a lambança possível, e órgãos de imprensa que faturavam bilhões com a publicidade oficial fingem prestar atenção para essa longa história. Agora lhes caem as escamas dos olhos para a vida que passou diante deles durante mais de três décadas – vistosa, ruidosa e dadivosa como uma escola de samba na avenida! Me poupem dessa hipocrisia.
Pode parecer estranho, mas será o modo como Bolsonaro vai operar a relação com o Centrão que vai influenciar mais diretamente o resultado eleitoral de 2022. Se ele não andar por onde outros atolaram e se extrair do Centrão aquilo que se espera de uma base do governo, terá prestado um bom serviço à nação.
Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de Puggina.org.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
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