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domingo, 14 de novembro de 2021

Refugiados - Lixo humano - O Globo

Alexander Lukashenko costuma ser astuto em sua desumanidade. Currículo para isso ele tem, como primeiro e único “presidente” da Bielorrússia desde que esse antigo Estado-satélite da União Soviética tornou-se república, em 1990. Na última das eleições fraudulentas realizadas no país — a de 2020, para um sexto mandato de Lukashenko —, ele proclamou ter obtido 80% dos votos. E foi logo avisando ao mundo democrático: “A menos que vocês me matem, não haverá mais eleições”. O cara vive às turras com a União Europeia (UE), que lhe aplica sanções múltiplas por seus modos ditatoriais, e alinha-se com fervor à Rússia de Vladimir Putin, o vizinho imperial da fronteira leste.

Em tempos recentes, Lukashenko encontrou a maneira mais infame de ostentar seu poder e azucrinar a Europa democrática. Passou a importar como gado humano milhares de errantes de nações desintegradas do Oriente Médio e da África do Norte, para socá-los na soleira da porta trancada da sonhada União Europeia — mais precisamente, nas fronteiras com a Polônia, a Lituânia e a Letônia, todos países-membros da UE.

Seu esquema é tão azeitado quanto vil. Primeiro, agentes de viagens bielorrussos instalados no Iraque, Turquia e outros países oferecem voos, vistos de entrada e um possível recomeço de vida no Ocidente. Ao custo de alguns milhares de dólares por cabeça, aviões de carga da estatal Belavia transportam a carga humana até Minsk, capital da Bielorrússia. Mas dali são transferidos para uma viagem terrestre sem volta. Quando descarregados, têm à frente uma intransponível muralha de arame farpado como fronteira e, às costas, a guarda armada da Bielorrússia a impedi-los de sair dali. Pelas contas da revista The Economist, perto de 2 mil migrantes já foram estocados nesse limbo em pleno início de inverno, e outros 20 mil estariam aguardando seu destino em outros cantos do país-cilada.

A lógica de Lukashenko consiste em gerar uma crise política europeia semelhante à de seis anos atrás, quando uma avalanche migratória de proporções bíblicas, vinda do mar, quase derrubou vários governantes. Na tentativa de forçar a UE a levantar as sanções impostas contra seu regime, o homem forte de Minsk também ameaça interromper o trânsito de gás natural russo que atravessa a Bielorrússia antes de aquecer e manter a Europa em funcionamento. 
Por ora, esse plano B de Lukashenko tem poucas chances de ser levado adiante, pois não atende aos interesses atuais de Putin. 
Essa é uma arma cujo direito a eventual uso somente o Kremlin quer ter. Mas resta a massa de manobra de quem hoje foge da miséria e da violência. Expulsos de suas raízes, arriscam-se por caminhos incertos, sem rumo claro, a esperança minguando.

Nem sempre foi assim. Basta ver o notável acervo de fotografias reunido pelo chefe do Departamento de Registros de Ellis Island, Augustus Frederick Sherman, entre 1905 e 1914, nos Estados Unidos. Por aquela ilha vizinha à Estátua da Liberdade, fincada na Baía de Nova York, passaram mais de 12 milhões de imigrantes entre sua inauguração como porta de entrada nos EUA e novembro de 1954, ano em que se tornou obsoleta. Mais especificamente, imigrantes de terceira classe, pois passageiros marítimos da primeira e segunda classes podiam desembarcar diretamente nos cais de Nova York e Nova Jersey.

É extraordinário o garbo com que esses desprovidos da terceira classe procuravam se apresentar no desembarque, para a inspeção médica contra doenças contagiosas e regulamentação de documentos
Fosse o recém-chegado ao Novo Mundo um pastor de ovelhas da Romênia ou um mineiro da Baviera, um padre ortodoxo da Grécia ou um soldado albanês, uma família de ciganos da Sérvia ou uma mãe com duas filhas vindas da Holanda, quanto zelo em se mostrar com a melhor roupagem! 
Graças ao interesse pessoal do funcionário Sherman por fotografia, existe um registro impactante e comovente dessa gente. Vale a pena consultar esses retratos de fácil acesso na internet para admirar o zelo orgulhoso de indivíduos e famílias ao pisar em Ellis Island. Portavam o que tinham de mais bonito, mostrando suas raízes. 
Tinham motivo para desembarcar esperançosos, pois, apesar das agruras e sacrifícios que só desterrados conhecem, haviam chegado ao destino escolhido.
 
O que dizer do amontoado de vidas na fronteira bielorrussa? Não há garbo possível nem orgulho identitário nos agasalhos de plástico, jeans e tênis surrados, nem em bonés, toucas de lã ou xales misturados. No fundo, seja em terras europeias ou rumo aos Estados Unidos via México, o desterrado de hoje veste uniforme globalizado: quase tudo made in China ou em Bangladesh. Das 60 toneladas de roupas descarregadas anualmente no porto chileno de Iquique, para revenda na América Latina, mais da metade encalha e forma pirâmides de lixo no Deserto de Atacama, como noticiado nesta semana. 
Esse lixo de roupas usadas e descartadas nos Estados Unidos, Europa e Ásia por consumidores globalizados forma um triste retrato do capitalismo perverso. Na outra ponta, temos os descartados de suas terras a perambular pelo mundo. É torcer para que não venham, também, a ser considerados lixo.
 
 Dorrit Harazim, colunista - O Globo

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Buscar entendimento? Sobre o quê? Com quem? - Percival Puggina

Em todos os pronunciamentos dos candidatos à presidência da Câmara dos Deputados, ouvi falar em “busca do entendimento”. Enquanto ouvia, lembrei-me de Churchill: “Quanto mais longe você conseguir olhar para trás, mais longe enxergará para frente”. E se o estudo da História para muito me tem servido, há bom lugar nesse conhecimento para a convicção de que com certos adversários não há conciliação possível. Novamente, nas palavras de Churchill: “Um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último dos devorados”. Foi ele, pessoalmente, liderando seu povo, que livrou a humanidade do nazifascismo.

O que estou afirmando não é grito de guerra, mas fé inexorável na democracia, na livre escolha dos povos, na autonomia das nações, na liberdade e nos princípios e valores que a vida me mostrou terem validade comprovada. Quero, portanto, que, no regime democrático, esses valores sejam prevalentes, não sejam derrotados por adversários que transitam pelas páginas da história como os cavalos de Átila.

O discurso do entendimento serve como luva às mãos dos derrotados de 2018. Entre nós, seria o retorno ao ambiente político que vigeu durante mais de duas décadas no Brasil sem encontrar resistência. É fazer de conta que nada aconteceu. Para usar a expressão hoje na moda, é “passar pano”, mas em lixo nuclear!  Qual a vantagem de fazê-lo para “conciliar” com quem, fora do poder, faz oposição contando caixinhas de chiclete e latinhas de leite condensado? Valha-me Deus!  
 
Não pode haver entendimento entre tão diferentes visões de mundo, de pessoa humana, de liberdade, de sociedade, de valores, de princípios, de Estado, de funções de poder. Pergunto: não passaram ao controle dos ministérios da verdade (profetizados por George Orwell) e criados pelas Big Techs, as redes sociais que democratizavam a comunicação? 
Não notamos qualquer semelhança entre as orientações da Netflix e da Globo?  
Estamos satisfeitos com o que está sendo produzido, aqui, pelo sistema de ensino em geral e pelas nossas universidades em particular? Mil vezes não.

Portanto, a disputa política é disputa necessária, indispensável. Não por acaso, ocorre em todas as democracias do Ocidente. Recentemente foi assim nos Estados Unidos. Com diferentes qualidades de conteúdo, vem sendo assim em países como Itália, Espanha, Áustria, Portugal, Polônia, Hungria, República Tcheca, Finlândia, Letônia, Eslováquia, Bulgária. E Suécia, e Alemanha, e Chile. É uma percepção das democracias ocidentais.

Quem vê suas liberdades ameaçadas, suas opiniões censuradas no que já foi um espaço de liberdade, sua cultura sendo deliberadamente destruída, não cede poder para um entendimento impossível. No Brasil, isso representa o retorno ao período anterior a 2014, quando perdíamos por W.O.. Sequer comparecíamos à disputa.

Por fim, veja o que está acontecendo com a evasão para novas redes sociais que se anunciam como espaços de liberdade. Também isso é sinal dessa divisão que tem longa data e validade, cujo reflexo, em regime democrático, conduz à vitória eleitoral de um ou de outro lado. Pode ser que um dia, olhando para trás, aprendendo com o passado, vendo o mal feito e o bem conquistado, possamos, como Churchill, enxergar para frente. E formarmos consensos razoáveis. Divisão, contudo, sobre algo, ou em relação a alguém, sempre haverá.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
 

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Caixa 2 de Pimentel - além dos outros crimes governador é agora acusado de lavagem de dinheiro e associação criminosa



Fernando Pimentel, o homem de R$ 100 milhões


Catorze delatores vinculam o governador petista Fernando Pimentel a dinheiro com origem em desvios, propinas e doações ilegais, em rede com 73 pessoas 

O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, de 67 anos, atravessou a passos lentos e com alguma pompa a porta ornamentada com cristais para chegar ao salão principal do Palácio da Liberdade, decorado com vasos da antiguidade chinesa e móveis da Letônia ao estilo Luís XV. O compromisso público daquela manhã de abril era a assinatura de um protocolo entre o governo de Minas Gerais e a Fundação Oswaldo Cruz. No palácio centenário, sede do Executivo mineiro, situado na região centro-sul de Belo Horizonte, o petista discursou para uma plateia de 19 pessoas, além de seis seguranças e 12 jornalistas. Se incluídas na conta as musas do painel alegórico no teto e as esculturas de anjos barrocos das quinas da sala, ao fim das contas, Pimentel estava sob não mais que uma centena de olhares.
A primeira-dama Carolina de Oliveira Pimentel também foi envolvida nas delações de supostas propinas (Foto: CARLOS ALBERTO/IMPRENSA MG)

Exposto em razão de menções diretas de 14 delatores que nos últimos anos o apontaram como beneficiário final de pagamentos ilegais, Pimentel, a maior liderança petista de Minas, vive encastelado. Os acusadores o relacionam a pagamentos de R$ 100 milhões, segundo levantamento feito por ÉPOCA. O mais delatado governador em exercício do país adota estratégia inusual para tentar a reeleição em outubro deste ano: não quer saber de holofotes. Tem agendas públicas restritas e frequência esparsa nas redes sociais. Concede raras entrevistas, o que o desobriga de comentar os 20 financiadores eleitorais investigados que o vinculam a milhões de reais em propinas, desvios e doações de campanha.


Nos três anos e meio de mandato percorridos até aqui, participou de pouco mais de 100 entrevistas, de acordo com a Superintendência de Imprensa do governo de Minas Gerais. É pouco, tratando-se do governante do estado com terceiro maior PIB do país. A título de comparação, no mesmo período, Geraldo Alckmin (PSDB), governador agora afastado de São Paulo, falou em 1.288 entrevistas coletivas e 228 exclusivas. Ivo Sartori (MDB), do Rio Grande do Sul, manifestou-se em conversas com a imprensa seis vezes mais que o colega mineiro, segundo o gabinete gaúcho. A ordem para a estratégia de “não existir” é oficial, segundo os próprios encarregados de cuidar da imagem do político.

No fim de 2014, em meio ao pleito eleitoral, a apreensão em flagrante de um avião particular, tripulado por apoiadores de Pimentel e carregando R$ 113 mil em dinheiro vivo, foi o primeiro ato de uma trama que desembocou em 11 fases da operação da Polícia Federal intitulada Acrônimo. O empresário Benedito Rodrigues de Oliveira, homem de confiança do governador petista e operador de recursos que financiaram parte de sua campanha, estava no avião apreendido. A Polícia Federal dedicou o ano e meio seguinte a operações de campo. O cumprimento de 202 mandados de busca e apreensão e 45 conduções coercitivas permitiram aos investigadores desenhar o que acreditavam ser os primeiros traços da rede de influência, dinheiro e poder montada pelo governador mineiro para viabilizar seu projeto político.

A apreensão de jatinho de empresário amigo de Pimentel, com milhares de reais, levou a uma série de investigações da Polícia Federal sobre as ações de aliados do petista
Essa trama ganhou novos nomes e contornos com o avanço de outras investigações, que pareciam estar distantes das montanhas de Minas, mas que rapidamente alcançaram Pimentel. É o caso da Lava Jato que desnudou a promíscua relação entre fornecedores do setor de infraestrutura e o Estado brasileiroe da Patmos, que trouxe luz a capítulos pouco conhecidos da construção do império do grupo J&F, dono da JBS. Novos nomes, novos empresários e muito mais dinheiro foram vinculados ao governador mineiro. Hoje denunciado em quatro ações penais e três inquéritos em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), Pimentel é também alvo de sindicâncias sigilosas, cujos números e detalhes ainda não vieram a público. [Pimentel também está sendo investigado por lavagem de dinheiro associação criminosa - detalhes aqui.] 

Nos últimos 30 dias, ÉPOCA revisitou detalhes das investigações que foram turbinadas pelo relato de 14 delatores — nove deles ex-executivos das maiores empresas brasileiras. Identificou 73 nomes na órbita de uma rede que permitiu a Pimentel levantar recursos e garantir a viabilidade financeira das atividades políticas de seu grupo, mas também o custeio de gastos e luxos pessoais. O que se conclui é a existência de um enredo articulado e impune. [Pimentel sempre foi destrambelhado, desorientado, sem noção, tanto que nos tempos de guerrilheiro tentou realizar o sequestro do cônsul americano acompanhado da Dilma Rousseff, também terrorista (dois estrupícios juntos tinha tudo para dar errado) e conseguiram a proeza do Pimentel ser atropelado pelo veículo do quase sequestrado, sofrendo lesão no tornozelo.
óbvio que desistiram da operação.]

MATÉRIA COMPLETA em Época
 



sexta-feira, 20 de novembro de 2015

A barbárie, o medo e a comoção em um mundo mais perigoso

Massacre em Paris expõe o fracasso das superpotências no combate ao terror, obriga França e seus aliados a suprimir liberdades individuais e mostra que esta será uma guerra difícil de ser vencida

Poucas horas depois dos atentados que mataram 129 pessoas em Paris, uma mulher parou diante da boate Bataclan, um dos palcos das atrocidades, retirou um bloco de anotações da bolsa e leu em voz alta um poema do inglês John Donne: “Quando um homem morre eu sou atingido, porque pertenço à humanidade. Jamais me pergunte por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti”. Seria difícil encontrar versos mais apropriados. O massacre perpetrado por terroristas do Estado Islâmico não atingiu apenas o coração da França. Ele lacerou toda a civilização. Por mais que a capital francesa tenha se tornado o alvo preferencial de um crescente número de extremistas, é a humanidade que se quer atingir. 


CAÇADA
Atirador se posiciona atrás de igreja na busca por terroristas
 
Os terroristas alvejaram quem não está em combate, aniquilaram os que não se envolveram com guerra alguma. Ao atirar a esmo, abatendo qualquer um, o EI acabou ferindo o mundo inteiro. A França não é uma escolha aleatória. Apesar de todas as suas imperfeições, ela encarna, em diversos aspectos, o que há de melhor nas sociedades desenvolvidas. Os franceses valorizam as liberdades civis, prezam a diversidade de religiões, respeitam o confronto de ideias. Com sua cólera sanguinária, o Estado Islâmico pretende destruir os preceitos que, desde o Iluminismo, subjugaram as trevas da era medieval. São essas trevas que os terroristas pretendem agora reavivar.

A sociedade livre enfrentará, daqui por diante, uma longa, difícil e perigosa jornada. Na quinta-feira 19, os deputados franceses aprovaram, a pedido do presidente François Hollande, a ampliação do estado de emergência no país pelo prazo de três meses. A medida ainda precisa passar pelo Senado. Na prática, isso pode implicar em uma série de reduções de liberdades individuais, com o fechamento de pontos turísticos, a imposição de toques de recolher e a restrição à circulação de veículos por determinadas áreas. O estado de emergência não é previsto na Constituição francesa, mas foi criado por uma lei aprovada em 1955, durante a luta dos argelinos pela independência. O ponto mais polêmico é que ela permite a realização de prisões administrativas e buscas sem mandado judicial. Até a quarta-feira, ao menos 130 operações desse tipo haviam sido feitas.  

Ao mesmo tempo, Hollande propõe mudanças na Constituição para “combater melhor o terrorismo”, incluindo medidas como o banimento de cidadãos franceses que retornam ao país, caso representem algum tipo de risco, e a inclusão do estado de emergência no texto. A imprensa francesa também especula que Hollande poderia alterar os artigos que tratam da cessão de “poderes excepcionais” ao presidente e do “estado de sítio”, em que parte das atribuições da polícia é transferida aos militares. O cenário lembra muito os eventos que se seguiram aos atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, quando o Congresso americano aprovou, a pedido do ex-presidente George W. Bush, leis que permitiram a espionagem de cidadãos a fim de combater potenciais ameaças terroristas. Essas medidas culminariam, mais de uma década depois, no escândalo de grampos da Agência Nacional de Segurança (NSA), denunciados pelo analista Edward Snowden, hoje asilado na Rússia. 

Enquanto as consequências políticas e sociais do terror ainda eram avaliadas, as polícias e as Forças Armadas europeias realizavam operações para tentar capturar suspeitos de ligações com os atentados de Paris. Na terça-feira 17, na Alemanha, a polícia chegou a prender sete pessoas. Os detidos, seis homens e uma mulher, estavam em Alsdorf, uma pequena localidade perto da cidade de Aachen, próxima às fronteiras com a Holanda e a Bélgica. Todos acabaram liberados horas depois. Na quarta-feira, uma operação da polícia francesa com mais de 100 agentes atravessou a madrugada em Seine-Saint-Denis, subúrbio de Paris. Ao invadirem o prédio onde se escondia o belga Abdelhamid Abaaoud, de 28 anos, apontado como mentor dos ataques, os policiais foram surpreendidos por uma mulher-bomba que detonou os explosivos amarrados ao corpo. No tiroteio que se seguiu, Abaaoud foi morto. A identificação ocorreu apenas no dia seguinte, após análises de impressões digitais. Outras sete pessoas, acabaram detidas.

Ao mesmo tempo, a França intensificou suas ações contra bases do Estado Islâmico na Síria, bombardeando, com ajuda dos caças Rafale, mais de 30 alvos apenas na noite de terça-feira. No dia seguinte, o porta-aviões nuclear Charles de Gaulle partiu em direção ao Mediterrâneo Oriental para dar apoio às operações na Síria. Com outros 20 caças Rafale a bordo, ele triplicará a capacidade de ação francesa na região. 

PÓS BIN LADEN
Para entender o real significado do desafio que se coloca diante do mundo civilizado é preciso conhecer o inimigo que se quer derrotar. O Estado Islâmico é o oponente mais temerário que França, Estados Unidos e outras potências ocidentais jamais enfrentaram. O Isis nasceu em 1999 e, desde então, nutriu-se das guerras no Iraque e na Síria. A instabilidade política nesses dois países, estimulada pelas investidas dos Estados Unidos, serviu de combustível para o avanço dos novos terroristas. “A invasão americana do Iraque desorganizou toda a região e permitiu a ascensão do Estado Islâmico”, afirmou na semana passada o senador democrata Bernie Sanders, pré-candidato à presidência dos Estados Unidos. “O Isis se beneficiou da fadiga da guerra na Síria, do desespero dos combatentes e dos vácuos de poder especialmente no norte do país”, disse à ISTOÉ Christa Salamanda, especialista em assuntos da Síria da Universidade de Nova York.

Quando os Estados Unidos mataram Osama Bin Laden, em 2011, o presidente americano promoveu um espetáculo midiático. Ele foi a público anunciar o fim da caçada ao líder da Al-Qaeda. “Daqui por diante, o mundo será um lugar mais seguro”, disse um jubiloso Obama. A declaração revelou-se uma farsa. “Em termos práticos, a morte de Bin Laden teve pequeno impacto sobre os grupos jihadistas do tipo Al-Qaeda, cuja maior expansão ocorreu depois”, escreveu o correspondente de guerra Patrick Cockburn, no livro “A Origem do Estado Islâmico”. O fim do terrorista que orquestrou os atentados de 11 de setembro de 2001 não só não teve qualquer efeito no combate ao terror como abriu espaço para a ascensão do Isis. Após a morte de Bin Laden, o presidente cometeria outro erro estratégico, ao afrouxar o cerco aos extremistas e demonstrar certo desinteresse pela facção que ganhava corpo. “Os Estados Unidos baixaram as armas e, desde então, não demonstraram qualquer esforço para destruir o Estado Islâmico”, afirma William Harris, professor de política na Universidade de Princeton e da Universidade do Oriente Médio, em Ankara, na Turquia.

CONEXÃO DIGITAL
O Estado Islâmico expandiu-se também porque é filho da era digital. Os terroristas se apoiaram nas redes sociais para divulgar crueldades como decapitações e afogamentos e passaram a recrutar fanáticos por meio de páginas como o Facebook. Daí surge a dificuldade em combater um inimigo que pode estar hoje em qualquer lugar – na periferia de Paris, num café em Nova York, num trem em Madri. “O Estado Islâmico representa um novo paradigma do terrorismo internacional, principalmente pelo uso sistemático e estratégico do cyberpower”, diz Sidney Leite, especialista em terrorismo da Universidade de Leiden, na Alemanha. “Basta uma pessoa e um smartphone carregado para fazer a guerra”, diz José Luiz Niemeyer, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec-RJ. “ Um terrorista pode organizar um atentado sem sair de um quarto de hotel.”

Para formar seu batalhão, os membros do Isis adotam estratégias eficazes de sedução. No primeiro estágio são localizados os alvos, jovens que demonstrem publicamente descrença na democracia ou que adotem um discurso de que a sociedade caminha para a perda dos valores. Na segunda etapa, em páginas e sites populares, os membros iniciam conversas de forma aberta com esses alvos, sem revelar a verdadeira intenção ou sequer que pertencem ao Estado Islâmico. A abordagem se dá em questões voltadas para os conceitos de liberdade, democracia e justiça. Aos poucos, o contato migra para áreas mais particulares do mundo virtual: uma conversa restrita via Facebook ou mensagens diretas no twitter. Quando se estabelece uma relação de confiança, a comunicação se dá via whatsapp ou snapchat, aplicativos preferidos pelos adolescentes. A partir daí começa o trabalho de doutrinamento. O Estado Islâmico se apresenta como o caminho para reencontrar a identidade perdida e descobrir os verdadeiros valores espirituais. Como combater um inimigo tão atento à angústia dos jovens?

Como nenhum outro grupo terrorista e como a Al Qaeda jamais sonhou realizar o Estado Islâmico levou a espetacularização de suas ações ao grau máximo de eficiência. A produção de vídeos macabros envolve aparelhos modernos, inúmeras câmeras, edição e qualidade de imagem que se assemelham à estrutura de trabalho das grandes empresas televisivas.  Enquanto os pronunciamentos do saudita Bin Laden eram feitos via webcam e transmitidos de uma caverna por um surrado laptop, os membros do Isis usam os mais avançados aplicativos de divulgação. “Os vídeos do Estado Islâmico se tornaram poderosas armas de publicidade”, diz o professor Niemeyer, que aponta outra referência histórica para efeitos de comparação. “As estratégias narrativas de vídeo remontam aos anos 30 do século passado, em especial à famosa cineasta nazista Leni Riefenstahl e ao próprio Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler.”

XENOFOBIA
Os atentados em Paris mostraram que o mundo poderá mergulhar em um período de sombras. A intolerância é o mal que ameaça as conquistas que surgiram principalmente depois da integração europeia. Todos os oito terroristas identificados eram cidadãos europeus. Sabe-se que o passaporte sírio achado junto ao cadáver de um nono extremista chegou a Paris traçando a rota dos refugiados, mas autoridades suspeitam que o documento seja falso. Mesmo assim, Polônia e Letônia começaram a impor barreiras para refugiados, enquanto o primeiro-ministro eslovaco declarou que a imigração traz enormes riscos à segurança. Mesmo Bélgica, França e Itália estão limitando o acesso de estrangeiros, e no Reino Unido mais de 400 mil pessoas assinaram uma petição pedindo o fechamento de fronteiras. “Provavelmente não será permitido que imigrantes entrem na União Europeia da forma caótica como vem ocorrendo”, afirma Demetrios Papademetriou, presidente do Instituto de Políticas de Imigração no continente. “As conversas agora são todas sobre o endurecimento dos controles de entradas.”

Se a crise dos refugiados está no foco das atenções, os ataques podem ter consequências maiores para a comunidade árabe que vive na Europa. Ela está mais exposta à falta crônica de trabalho, à criminalidade e à radicalização religiosa. “O maior desafio é que as agências de segurança consigam atuar de uma forma seletiva e regrada, em vez de arbitrária”, diz o cientista político Stathis Kalyvas, professor da Universidade de Yale. “Caso contrário, o problema poderá ser multiplicado pela violência e discriminação.” O Estado Islâmico não vai destruir a Europa, como anseiam os fanáticos, mas a França e seus aliados precisam ser firmes no combate ao mais perverso inimigo que o Ocidente jamais enfrentou.

Fonte:  Com reportagem de Camila Brandalise, Ludmilla Amaral, Raul Montenegro
Fotos: Iian Langsdon/EFE/EPA, Peter Dejong/AP Photo, Laurent Cipriani/AP Photo, Peter Dejong/AP Photo; Michel Spingler/AP Photo, DANIEL PSENNY/LE MONDE/AFP PHOTO; Thibault Camus/AP Photo; Christophe Ena/AP Photo; Thibault Camus/AP Photo, David Ramos/Getty Images; Pool/Reuters; KENZO TRIBOUILLARD/AFP PHOTO