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terça-feira, 2 de agosto de 2022

PGR defende arquivamento de inquérito contra Bolsonaro e critica Moraes

Lindôra Araújo reiterou posição de arquivamento de investigação sobre vazamento de dados sigilosos 

A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Maria Araújo, defendeu, novamente, o arquivamento do inquérito que apura se o presidente Jair Bolsonaro (PL) vazou dados sigilosos de uma investigação da Polícia Federal a respeito das urnas eletrônicas. A vice-PGR ainda criticou a atuação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmando que ele violou o sistema acusatório ao determinar novas medidas na investigação.

No dia 4 de agosto, ao lado do deputado Filipe Barros (PL), Bolsonaro vazou na internet um inquérito sigiloso [SIC] que apurava uma suposta invasão de um dos softwares do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O presidente fazia campanha contra as urnas eletrônicas e dizia que elas não eram seguras. [COMENTÁRIO: ao que se sabe o sigilo do inquérito foi declarado no dia seguinte  ao da comunicação do presidente Bolsonaro na internet.]

O caso ganhou proporção porque a investigação da PF era mantida em sigilo por ainda estar em andamento e os dados divulgados pelo presidente, portanto, não poderiam ser tornados públicos. A PGR pediu arquivamento do caso – contrariando o relatório da Polícia Federal. [comentando: é competência da PGR pedir arquivamento de um inquérito ou apresentar denúncia - cabendo recurso ao Poder Judiciário da decisão da PGR. 
 A autoridade policial pode até afirmar que o investigado cometeu determinado crime, mas a PGR tem a competência para decidir se apresenta denúncia ou pede arquivamento.] O documento, assinado pela delegada federal Denisse Ribeiro, afirmou que o presidente cometeu crime, sim, ao vazar os dados. No entanto, no primeiro parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), Augusto Aras disse que, mesmo que as informações tenham sido divulgadas de forma "distorcida", não existe crime a ser apurado.

No novo posicionamento, Lindôra Araújo afirmou que o posicionamento da PGR de arquivar o caso tem fundamentação jurídica. “No caso concreto, a atuação do Procurador-Geral da República pautou-se estritamente por uma análise jurídica e isenta sobre os fatos, sem qualquer desiderato de prejudicar ou beneficiar determinadas pessoas. A conduta adotada de promover o arquivamento fundamentado da investigação encontra respaldo no texto constitucional, no Código de Processo Penal e no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal”, escreveu.

“Portanto, não há quaisquer indicativos de prática delitiva por parte do PGR, já que o seu ato funcional não foi materializado para satisfazer interesse pessoal, mas dentro dos limites normativos e no pleno e escorreito exercício da função ministerial”, destacou Araújo.

Segundo a vice-PGR, o ministro Alexandre de Moraes violou o sistema acusatório ao determinar novas medidas de apuração do caso. “No caso concreto, o eminente Ministro Relator, data venia, acabou por violar o sistema processual acusatório, na medida que decretou diligências investigativas e compartilhou provas de ofício, sem prévio requerimento do titular da ação penal pública e até mesmo da autoridade policial que reputou concluída a investigação, além de não apreciar a promoção de arquivamento do Procurador-Geral da República”, disse.

Política - Correio Braziliense 

 

segunda-feira, 29 de março de 2021

Gilmar não enganaria Tom Jobim - Revista Oeste

Augusto Nunes 

O especialista em olhares não compraria um carro usado do Juiz dos Juízes

Paulo Francis dizia que o grande ator não é gente. “É outra coisa, muito acima de gente comum”, garantia. E apresentava a prova definitiva. “Por exemplo: nem o mais infeliz viúvo do mundo vai chorar como Marlon Brando no túmulo da mulher, na cena de O Último Tango em Paris. E ele só foi viúvo no cinema”. Se ainda estivesse por aqui, creio que encamparia a complementação da tese que esbocei faz tempo: o grande canastrão também não é gente. É outra coisa, muito abaixo de gente comum. 

Interpretando o papel do Juiz dos Juízes na versão data venia da Ópera dos Malandros, encenada na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes provou que nem o mais desqualificado juiz de futebol conseguiria superar em canastrice vigarista o ministro que faz o que pode — e, com frequência crescente, o que não deve — para elevar o cinismo a uma forma de arte.

O Maritaca de Diamantino festejou nesta semana o parto de outro Dia da Infâmia, em gestação desde que o ministro Edson Fachin resolveu anular as condenações impostas a Lula nos processos que nasceram e cresceram em Curitiba. O lugar certo era Brasília, mudou de ideia o relator dos casos da Lava Jato, depois de cinco anos afirmando o contrário. Fachin ressalvou que a decisão não transforma Lula em inocente. Continua culpado, mas nada deve à Justiça e os processos terão de recomeçar do zero. A ficha não está limpa, mas o dono do gordo prontuário está liberado para disputar até a Presidência da República. 

Animadíssimo com a absolvição do bandido, Gilmar tentou já no dia seguinte punir o mocinho. 
Era só fazer de conta que Sergio Moro ainda usava fraldas quando descobriu que viraria ministro de Estado se prendesse um ex-presidente da República. 
Por isso, o juiz não foi imparcial ao julgar o mundaréu de bandalheiras envolvendo um tríplex no Guarujá. Por isso, bastava oficializar a suspeição de Moro, sepultar a maracutaia e apressar o velório da Lava Jato.
A cada cinco anos, Gilmar esquece o que disse nos cinco anteriores. Em 19 de agosto de 2015, por exemplo, parecia enxergar as coisas como as coisas eram. “O que se instalou no país nos últimos anos e está sendo revelado na Lava Jato é um modelo de governança corrupta, algo que merece um nome claro: cleptocracia”, constatou. (Cleptocracia, aliás, não é um nome claro para muitos brasileiros. Sua Excelência poderia ter substituído o palavrão pelo seu significado: um lugar governado por ladrões.) “A Lava Jato estragou tudo”, prosseguiu. “O plano era perfeito, mas esqueceram de combinar com os russos.” Agora, “a operação que salvou a Petrobras” tornou-se “o maior escândalo judicial da nossa história”
E Gilmar age como inimigo juramentado do juiz que liderou a mais destemida e produtiva operação anticorrupção da História. 
(Tente entender: Gilmar, desafeto de Moro, considerou-se insuspeito para participar do julgamento do juiz da Lava Jato. 
E Moro foi colocado sob suspeição porque seria inimigo de Lula e, portanto, incapaz de portar-se imparcialmente. Difícil entender? 
Não se incomode. Se alguém entendeu, não contou a mais ninguém — talvez para não receber à meia-noite um mandado de prisão em flagrante assinado com um X por Alexandre de Moraes.)
Um pedido de vista do ministro Nunes Marques adiou por uma semana o final infeliz do faroeste à brasileira que teve Gilmar como produtor, diretor, roteirista e astro do elenco de canastrões. 
Irritado com o voto favorável a Moro, assustou Nunes Marques sublinhando com um medonho sobe e desce do beiço o palavrório amalucado: o bom ladrão se salvou, mas não há salvação para um juiz covarde. (O Brasil que presta acha que o ladrão é Lula, e nada tem de bom. Acha também que covardes são juízes que agem como padroeiros de bandidos.) 
Como sempre acontece com atores de picadeiro, as lágrimas continuaram longe dos olhos quando o orador tentou chorar em homenagem ao advogado Cristiano Zanin, pelo esforço que fez para resgatar da cadeia um corrupto duas vezes condenado em segunda instância. Não é pouca coisa. Mas não é tudo. Gilmar também fingiu ignorar que a vitória da obscenidade estava assegurada. Faz muito tempo que convenceu Carmen Lúcia a piorar a biografia para reduzir-se a Carmendes. Haja cinismo.
Comecei com Paulo Francis, termino com Tom Jobim. Numa noite no Rio, minutos antes do início da entrevista para um programa de TV, ouvi a pergunta inesperada. “Você sabia que sou especialista em olhares?”. Não, não sabia. Tom foi em frente: “É muito útil. Os olhos escancaram a alma e o caráter, descubro como a pessoa é em um segundo. Tem o olhar honesto, o esquivo, o sincero, o dissimulado, o arrogante, o confiante, o medroso, o perverso, e por aí vai. Um grande ator consegue mudar o modo de andar, o penteado, o figurino. Pode engordar ou emagrecer, pode usar maquiagem para ficar mais jovem ou mais velho, pode mudar quase tudo. Menos o olhar. Ninguém me engana. Nem o Marlon Brando”. Marlon Brando, de novo. Nesta semana, lembrei-me dessas conversas e lamentei de novo a partida da grande dupla. 
O que Francis estaria escrevendo sobre Gilmar Mendes? 
E como Tom Jobim definiria o olhar do gerentão do Supremo?
Eis aí uma mirada que conheço bem. Já vi esse olhar inconfundível nas brigas no portão do grupo escolar e do colégio, nos tensos barulhos de 1968, nos tumultos que encerraram antes da hora o jogo de futebol na várzea, a bordo do avião forçado ao pouso de emergência, num país assombrado pelo fantasma da guerra civil, em dois arranha-céus lambidos pelo fogo — enfim, já vi esse olhar em rostos alheios confrontados com perigos reais e imediatos. 
É o mesmo exibido por Gilmar Mendes nos vídeos que o mostram em alguma rua de Portugal, tentando afastar-se de dois ou três brasileiros indignados com o que fez, faz e pretende fazer depois de cobrir-se com a toga negra, fantasia que o transforma em Gilmar, o Supremo. 
É o olhar de quem esbanja valentia em duelos retóricos e bate-bocas em sessões do tribunal, mas sabe desde a infância que será sitiado pelo pânico quando a situação exigir a coragem física que sempre lhe faltou. Sublinhado pela palidez e pelo sorriso bestificado do pugilista no momento do nocaute, o olhar do ministro é o desenhado pelo medo.

Leia também “Gilmar Mendes e os 40 bandidos soltos”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste 


quarta-feira, 25 de novembro de 2020

STF quer plano para vacinação - Pressão pela vacina - Merval Pereira

 O Globo

O governo, que pensava ter escapado de apresentar um plano de vacinação contra a COVID-19 exigido pelo Tribunal de Contas da União (TCU), alegando questões burocráticas, agora não tem mais desculpas. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski deu um mês, a partir da decisão final do plenário virtual, para que apresente um plano de vacinação que “deve seguir critérios técnicos e científicos pertinentes, assegurada a maior cobertura vacinal possível, no limite de suas capacidades operacionais e orçamentárias".

[perguntas do piso - o povo - ao supremo ministro Lewandowski:  atendendo mais uma vez petições de partidecos sem votos, sem programa, sem noção e sem futuro - o ministro Lewandowski que não precisou de votos para se tornar ministro do STF -  determinou que em um mês o governo federal apresente um plano de vacinação contra a covid-19.

Qualquer plano, ainda que meia boca, precisa no mínimo das seguintes informações:

- qual vacina será usada? - a marca é essencial, já que ela permite conhecer preços, prazos de entrega, condições de armazenamento, etc;

- quando a vacina estará disponível e a quantidade mínima inicial que poderá ser adquirida? elaborar um plano de vacinação exige que se saiba prazos e quantidades;

- Quais serão as condições referentes a transporte, armazenagem?  a vacina genérica chinesa - que produziu a segunda batalha de Itararé - pode ser armazenada até em geladeiras domésticas e a da Pfizer exige em torno de 70º negativos.

As questões acima não encerram a necessidade, e pertinência, de respostas para outras que surgirão - de igual ou maior importância durante a elaboração do plano.

Ministro Lewandowski: elaborar um plano sobre o que não existe é tarefa impossível, ainda que haja o máximo empenho na tentativa de sua execução. Esses partidecos é que precisam ser punidos com o rigor máximo para encerrarem as tentativas de sobrecarregar o Poder Judiciários com questões bobas, inúteis, que chegam a ser cômicas e com um único objetivo: atrapalhar o Poder Executivo.] 

Ao que tudo indica, o governo não tem nem mesmo um projeto de plano, pois, ao ser exigido pelo TCU, a Advocacia-Geral da União (AGU) valeu-se de uma alegação tecnocrática para se esquivar de apresentá-lo. Alegou que a decisão do TCU está equivocada, pois o tribunal não deveria ter listado a Casa Civil ao lado do Ministério da Saúde como um dos órgãos responsáveis pelo planejamento da vacinação.

Essa atribuição, de acordo com a AGU, é exclusiva do ministério, e por isso o governo pediu que o Tribunal alterasse a decisão. A AGU alega que seria “uma ingerência da Casa Civil nas competências institucionais próprias do ministério da Saúde”. Essa alegação esdrúxula não foi levada em conta pelo TCU, que deverá se reunir brevemente para rejeitá-la. [até o TCU busca protagonismo e aproveitamos tal busca para lembrar uma forma eficiente para atrair holofotes: - investigar  as contas de todos os órgãos dos 3 Poderes da República, para identificar e punir  mau uso do dinheiro público, mordomias e corrupção = identificar e expor os responsáveis pelos desmandos nos gastos públicos é a forma mais eficiente de atrair holofotes sobre qualquer instituição da República.]

Mesmo com o uso do “data venia”, não é aceitável que o governo se escude em uma suposta falha burocrática para deixar de cumprir seu dever, que era o de apresentar um plano detalhado do planejamento para compra, produção e distribuição das doses da vacina. O TCU pedia também informações sobre a logística da vacinação, supostamente uma especialidade do ministro Eduardo Pazzuelo. [sendo recorrente: a logística está atrelada as características da vacina adquirida = a marca.]

As mesmas exigências foram feitas ontem pelo ministro Ricardo Lewandowski, analisando ações de partidos políticos sobre a atuação do governo em relação à vacina Coronavac, do laboratório chinês Sinovac que estará sendo produzida no Brasil pelo Instituto Butantã em São Paulo. [sendo óbvio: estará = futuro que se vincula a existência da vacina, cuja produção depende da aprovação da Anvisa, que depende da conclusão da fase 3 de testes.] Os partidos pedem ainda que o governo seja obrigado a anunciar o plano de vacinação nacional, para obrigá-lo a não vetar a vacina chinesa, que está sendo testada também no Brasil.

Lewandowski deu 30 dias, a partir da decisão do plenário virtual que julgará o caso entre 4 a 11 de dezembro. Se o voto do relator for aprovado pelo plenário, o governo terá, a partir daí, o prazo fixado ontem para apresentar ao STF "um plano compreensivo e detalhado acerca das estratégias que está colocando em prática ou que pretende desenvolver para o enfrentamento da pandemia, discriminando ações, programas, projetos e parcerias".

O ministro do STF Ricardo Lewandowski ponderou que, diante da possibilidade concreta de que as diversas vacinas, em breve, completarão com sucesso os respectivos ciclos de testes, mostrando-se eficientes e seguras (...) “constitui dever incontornável da União considerar o emprego de todas elas no enfrentamento do surto da Covid-19, não podendo ela descartá-las, no todo ou em parte, salvo se o fizer - e sempre de forma motivada - com base em evidências científicas sobre a sua eficácia, acurácia, efetividade e segurança, bem assim com fundamento em avaliação econômica comparativa dos custos e benefícios".

Os dois movimentos, do TCU e do STF, destinam-se a obrigar o governo a não se submeter à vontade pessoal do presidente Bolsonaro, que se declarou contrário à compra da vacina desenvolvida na China, mesmo que ela fosse aprovada pela Anvisa, a agência brasileira que controla os medicamentos. As reações foram tão contundentes que Bolsonaro deixou de insistir no assunto, mas a Anvisa teve uma atuação discutível na suspensão dos testes da vacina devido à morte de um dos vários voluntários brasileiros. O caso, porém, foi de suicídio, e nada tinha a ver com a eficiência da vacina, tanto que em 24 horas os testes foram retomados. [foi cumprido um protocolo válido em todos os testes de vacinas realizados no planeta Terra]. Mesmo assim, Bolsonaro chegou a insinuar que a vacina poderia ter produzido efeitos colaterais que levara o voluntario à morte. Diante de um ministério da Saúde e de uma Anvisa totalmente dominados pelo presidente, os órgãos de controle, como TCU e Supremo, estão exigindo o planejamento para a vacinação em massa, sempre o apoio científico para as decisões. 

Merval Pereira, jornalista - O Globo

 

quarta-feira, 29 de julho de 2020

A verdade sobre o STF - J.R.Guzzo

Toffoli e seus colegas reduziram a si próprios à condição de uma empresa de segurança cuja principal ocupação é fornecer proteção para si mesmos e para políticos enrolados com o Código Penal

Nunca houve nos 129 anos de história do Supremo Tribunal Federal, mesmo nos seus momentos mais constrangedores, um ministro tão incompreensível quanto Antonio Dias Toffoli. Desde 2009, quando ganhou do ex-presidente Lula a indicação para o cargo, e até hoje, ninguém conseguiu entender a seguinte charada: 
como um cidadão que foi reprovado duas vezes seguidas no concurso público para juiz de Direito pode ser ministro do tribunal mais importante da Justiça brasileira?
Toffoli foi declarado incapaz, por decisão oficial de duas diferentes bancas examinadoras que tiveram a oportunidade de apreciar os seus méritos, de exercer o cargo de juiz em qualquer comarca do Brasil. Mas pode ser ministro do Supremo — até o próximo dia 10 de setembro, aliás, é ninguém menos que o seu presidente. Não existe nada de parecido na Justiça de qualquer outro país.

Toffoli, até ser nomeado para o STF, foi advogado de um partido político, o PT, e das campanhas eleitorais de um ex-presidente que cumpriu pena de prisão fechada pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Sua mulher é advogada de um escritório de Brasília, que tem causas no tribunal em que o marido é ministro; até algum tempo atrás, por sinal, dava a ele uma mesada de R$ 100 mil. Em fevereiro do ano passado foi incluída pela Receita Federal, junto com o ministro Gilmar Mendes, numa investigação sobre irregularidades no pagamento do Imposto de Renda. Sabe-se o que aconteceu na ocasião. Os auditores que participavam da investigação foram suspensos de suas funções, o STF proibiu que o processo fosse adiante e a revista Crusoé, que noticiou o fato, foi censurada pelo ministro Alexandre de Moraes — o real motivo para o infame “inquérito das fake news, ilegal e secreto, que está aí até hoje.

Dias atrás, o desfile de Toffoli chegou à Praça da Apoteose: revelou-se que ele foi acusado de receber propinas da empreiteira de obras Odebrecht entre 2007 e 2009, quando era advogado-geral da União. A denúncia vem do próprio Marcelo Odebrecht, condenado pela Justiça Federal como o maior corruptor da história do Brasil, na delação premiada que lhe permite cumprir a sua pena de prisão em casa, com tornozeleira eletrônica — desde que não minta em nada do que diz em suas acusações. O público foi informado, ao mesmo tempo, que o departamento de propinas da empreiteira OAS registra em seus arquivos a seguinte menção: “15 mil — reforma casa Dias Toffoli em 2013”. A imprensa, alguns anos atrás, tratou do assuntono tempo em que ainda publicava notícias de corrupção. A história andava sumida, mas a Lava Jato, que parece morta na mídia, continua viva nos autos — e produzindo informações como essas, apesar de todos os esforços do ministro Moraes e de seus colegas no STF para censurar a realidade. Eles podem se manter a salvo do Código Penal e fora da prisão, pois resolveram, eles mesmos, que é proibido julgar os seus atos — mas é tudo o que conseguem. Podem preservar o próprio couro, mas não o bom nome. Acham-se sofisticados e não sabem quanto acabam parecidos com lordes de republiqueta bananeira.

É uma coisa penosa. Os magistrados do Supremo perderam a capacidade de funcionar como uma corte de Justiça; reduziram a si próprios à condição de uma empresa privada de segurança cuja principal ocupação, hoje em dia, é fornecer proteção para si mesmos e para políticos enrolados com o Código Penal. Toffoli não é a única anomalia do STF — na verdade, é uma espécie de “ministro-padrão”, cujo comportamento parece servir de modelo e inspiração para os colegas. O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, seria o quê?
Sua mulher também trabalha num escritório de advocacia que tem causas perante o STF — embora, no seu caso, não haja notícias de mesada. É sócio de uma faculdade privada de direito em Brasília, que, além de sua atividade comercial, recebe dinheiro público em embalagens variadas — um fenômeno que igualmente não tem similar no mundo, a exemplo da dupla repetência de Toffoli. Foi, como mencionado acima, envolvido na investigação da Receita Federal que deixou tão assustados os colegas de STF. Sua última realização foi acusar o Exército Brasileiro de ser cúmplice do “genocídio” que, em seu entender, a covid-19 está causando no Brasil.

Depois de falar, o ministro não teve peito para sustentar o que falou — veio com a história de que não quis ofender os militares etc. etc. etc. Se não quis, então por que chamou o Exército de “cúmplicede um crime contra a humanidade, como o genocídio é definido pela ONU? Enfim: esse é Gilmar Mendes, que já acusou o então juiz Sergio Moro, em seus tempos de Operação Lava Jato, de comandar uma “organização criminosa”, e que já foi avaliado pelo colega Luís Roberto Barroso como “uma mistura do mal com o atraso, com pitadas de psicopatia”. Hoje é um dos heróis dos “advogados do campo progressista”, ou do PT. De que maneira seria humanamente possível levar a sério o STF, diante de Toffoli, Gilmar e os colegas que os apoiam? O conjunto dos seus atos, na verdade, é uma humilhação. Não para eles, imunizados há anos por uma bateria de anticorpos que não lhes deixa sentir vergonha com a opinião alheia — mas para os 18.000 juízes, 14.000 procuradores e 1 milhão de advogados deste país e, sobretudo, para os brasileiros que os sustentam na condição de contribuintes.

Os ministros fizeram de si próprios, já há muito tempo, um objeto de piada com seu deslumbramento diante do desfrute gratuito das coisas caras da vida — gratuito para eles, claro, pois é você quem paga tudo com os seus impostos. Acham-se sofisticados por imitarem a vida de gente rica; não sabem quanto acabam parecidos com lordes de republiqueta bananeira, na sua ânsia de utilizar o cargo para tratar bem de si próprios. É o eterno vício do serviço público de país subdesenvolvido: “Vamos aproveitar, porque é o governo que está pagando tudo”. Nada foi tão típico dessa conduta quanto a cômica licitação feita em abril, com a covid-19 já roncando, para a compra de vinhos de safras com pelo menos quatro “premiações internacionais”, entre outras bugigangas de bufê metido a chique. O que pode ser mais atrasado do que isso?

O Supremo Tribunal Federal é hoje o ente público mais odiado do Brasil
A conta vai para o seu bolso. Numa reportagem recente da Revista Oeste, os jornalistas Branca Nunes, Cristyan Costa e Artur Piva demonstraram que o STF gastou em 2019 perto de R$ 700 milhões para oferecer ao público pagante esse serviço que está aí. Tem 2.000 funcionários, nos quais se incluem, acredite se quiser, jornalistas (são dezoito, ganhando até R$ 10 mil por mês), encadernadores, cerimonialistas, “auxiliares em reparação bucal” e por aí afora. Os ministros, além dos R$ 40 mil mensais de salário oficialacrescidos de R$ 6,5 mil descritos como “abono de permanência”, licença-prêmio, dois meses de “férias coletivas” e outros “penduricalhos”, como dizem —, têm carro com motorista, plano médico cinco-estrelas, dentista, passagens de avião (com área exclusiva para embarque), diárias de hotel, reembolso de contas de restaurante. Cada um conta com 25 assessores pessoais — incluindo-se aí o cidadão vestido de capa preta que lhes puxa a cadeira na hora em que se sentam à mesa nas sessões plenárias. Têm segurança pessoal privada, que só neste ano já custou cerca de R$ 4,5 milhões. Entre março e maio deste ano, no auge do “distanciamento social” que exigem de todo mundo, conseguiram gastar R$ 800 mil com a sua frota de automóveis.

O resultado disso tudo é que o Supremo Tribunal Federal é hoje o ente público mais odiado do Brasil — uma situação que não tem precedentes na história de um país acostumado, bem ou mal, a achar que a Justiça era uma espécie de ilha no meio do oceano de safadeza dos políticos, governantes e malfeitores bilionários que fazem parte da paisagem. Os ministros dizem que são malquistos porque a “opinião pública”, que nada entende da ciência do Direito, não concorda com as suas decisões. Conversa. O problema não está em como decidem, e sim no que fazem. Sua reputação vem do seu comportamento como pessoas; eles não são respeitados, muito simplesmente, porque agem de maneira a não merecer respeito. É verdade que o brasileiro, cada vez mais, vê o STF dar sentenças tão parecidas com absurdos, mas tão parecidas, que fica impossível achar que são outra coisa. Mas o centro do problema está na conduta dos onze ministros que formam o atual plenário.

Há ministros que não praticam, ao que se saiba, as mesmas ações praticadas pelos Toffolis, Gilmares, Moraes e outros. Mas quando aprovam os colegas, ativamente ou pelo silêncio, não se comportam apenas como cúmplices; tornam-se iguais a eles. É isso, e só isso. Não há saída, por mais que venham com latinório, data venia e hermenêuticas para explicar o que estão fazendo. Têm de se conformar, em suma, em ser respeitados apenas entre os seus semelhantes, ou o seu  “público”: senadores, deputados, advogados de corruptos capazes de pagar honorários que começam em R$ 1 milhão, lobistas, colossos da finança, “campeões nacionais” e por aí vamos. Além disso não é possível.

A Corte criou dois tipos de cidadãos: os que fazem sacrifícios e aqueles cujo bem-estar tem de ser assegurado
Os ministros do STF, como se sabe, não podem botar o pé na rua, fazer uma fila ou entrar numa loja — o risco de vaias, ofensas e agressões, hoje, tornou-se quase uma certeza. Não é normal.
Como é possível que os membros da mais alta corte de Justiça do Brasil sejam tão detestados que não podem circular livremente em seu próprio país?
Os ministros se tornaram invisíveis fisicamente, mas não conseguem escapar do julgamento que a população faz deles e que está presente a cada minuto nas redes sociais. O ministro Toffoli tem sido um clássico. No dia em que mandou as forças-tarefas da Lava Jato em Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro “compartilhar” com a Procuradoria-Geral da República a base de dados de suas investigações — tida como a mais rica mina de ouro que o país já conheceu em matéria de informação sobre ladroagem —, Toffoli “bombou”. Na escala de 0 a 100 usada para medir menções feitas na internet, pulou de 5 para 31 pontos. Logo depois, quando vieram as denúncias de propina da OAS e da Odebrecht, as “buscas” pelo nome do ministro subiram 1.800%.

Dá para entender por aí, é claro, o que na verdade já está entendido há muito tempo: a ofensiva ilegal do ministro Alexandre de Moraes, com o apoio de nove entre seus dez colegas, para investigar fake news e “atos antidemocráticos” não tem nada a ver com qualquer intenção de preservar a verdade ou defender a democracia — é repressão direta contra quem usa as redes sociais para se manifestar sobre o STF. Faz parte do modo de operação preferido dos ministros que estão aí. De um lado, declaram inconstitucional tudo o que possa prejudicar os seus interesses, como fizeram ao proibir o Congresso de aprovar qualquer projeto de lei para diminuir os salários do funcionalismo público em momentos de emergência. Pouco se importam, aí, com a aberração de estarem criando no Brasil, oficialmente, dois tipos de cidadãos desiguais perante a lei — os do setor privado, a quem cabe fazer os sacrifícios materiais, e os do setor público, cujo bem-estar não pode ser tocado por ninguém. De outro, criminalizam as redes sociais para intimidar quem está revoltado com os seus atos.
Os ministros do STF, pelo conjunto da obra, são hoje a principal ameaça à democracia no Brasil.

J.R. Guzzo, jornalista - Coluna Revista Oeste

Leia também a reportagem “O dossiê completo dos gastos do STF” e  “Gilmar e os Valentes da Live” o artigo de Guilherme Fiuza desta Edição 17



segunda-feira, 4 de maio de 2020

Eu sou realmente a Constituição’ - O Globo


 Joaquim Falcão

Quando Bolsonaro interfere através da PF, está, em cascata, interferindo no próprio Supremo
No dia seguinte ao seu discurso em frente ao Quartel do Exército, para um grupo, o presidente Bolsonaro justificou-se: “Eu sou, realmente, a Constituição.”

Não é, evidentemente. Nem precisa explicar. O importante é ter revelado um drama psíquico-político. Quase shakespeariano. Como me manter constitucionalmente no cargo, não sendo eu a Constituição? Com constituição alheia? A Constituição são os outros. Já foi dito. Não basta ser eleito constitucionalmente. É preciso se manter constitucionalmente.

Cerca de 30% da opinião pública parecem preferir Bolsonaro como Constituição. Mas o Supremo discorda. Alexandre de Moraes e Celso de Mello lideram a defesa da Constituição em vigor. Moraes proibiu que a Polícia Federal lhe retirasse os delegados que trabalham diretamente com ele em inquéritos. Limitou. Proibiu a posse do delegado Ramagem como chefe da Polícia Federal. Limitou. Celso de Mello aceitou a denúncia contra Jair Bolsonaro. Limitou. E mais. Para que não houvesse demora nas investigações e coleta de provas, determinou a ouvida de Sergio Moro em apenas cinco dias. Limitou outra vez.

No direito processual, o prazo pode ser o senhor da Justiça. Não há que se correr riscos. A Constituição de Bolsonaro reage. Permite-lhe atacar o Supremo e a democracia com ameaças de crise constitucional. Acusa de interferência política a proibição de Moraes da posse de RamagemAlguns juristas, mais radicalmente formalistas, acusam a Moraes de ativismo judicial. Assim o Supremo estaria mesmo interferindo no Executivo.

Confundem-se e enganam-se, data venia.
Uma sentença, acórdão, qualquer decisão judicial não cai do ar sozinha. Não se julga com os pés na Lua, diria Sepúlveda Pertence. Resulta de uma concatenada linha de produção. Que inclui petições, denúncias, despachos, inquéritos etc. Se uma das etapas desta linha de produção se contamina com vírus da interferência política, nos inquéritos, por exemplo, contamina todas as etapas. Até o final: a decisão do ministro do Supremo.

Quando Bolsonaro interfere através da Polícia Federal, está, em cascata, interferindo no próprio Supremo. Isto sim é ativismo político judicializado. O Supremo está se defendendo, sim, do ativismo bolsonarista. É autodefesa. A defesa de seu livre convencimento. 
A base de apoio do “Eu sou, realmente, a Constituição” está em momento delicado. O presidente tem mandado mensagens que podem atingi-los emocionalmente. Mudar percepções. Não é mais vida contra emprego. Governador contra presidente. Ou isolacionismo social contra abertura de shopping. A nova pauta não é mais sobre divergência de políticas públicas. A nova pauta é sobre comportamentos. Toca a alma da opinião pública.

Pessoas estão morrendo. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”. A mensagem foi: o desprezo pelos mortos. “Mais um motivo para a troca” (sobre o chefe da Polícia Federal). A mensagem foi: a corrupção pode estar chegando no governo.  “Eu talvez já tenha pegado esse vírus no passado, talvez, talvez, e nem senti”. A mensagem foi: pode ter mentira no ar. “Em relação a um possível número de mortes, e hoje estamos em 435, o número de 1.000, se tivermos um crescimento significativo na pandemia, é possível acontecer.” A mensagem do ministro da Saúde foi: somos ineficientes.

Nenhuma Constituição pode se basear no desprezo pela vida, na potencial corrupção, na mentira sobre a saúde do presidente, nem na ineficiência governamental.  Nada mais contra o estado democrático de direito do que afirmar: “Eu sou, realmente, a Constituição.

*Joaquim Falcão é professor de Direito Constitucional


sábado, 26 de setembro de 2015

Data venia para discordar

O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, fala em “derrota do Ministério Público”

Em meio a tanta coisa errada, se há uma iniciativa que está dando certo no país é a Operação Lava-Jato. A não ser os acusados e os advogados deles, não conheço quem coloque em suspeição a independência e a correção do juiz Sérgio Moro, responsável pelas investigações que nos têm propiciado cenas até então inéditas de poderosos executivos e empresários sendo presos por envolvimento em redes de corrupção — sendo presos e tendo que devolver o fruto do roubo.

Quando foram vistas antes novidades como esta: “MP suíço informa que bloqueou R$ 1,3 bi em investigações sobre Petrobras”? Ou esta, entre outras: “Ex-gerente Fernando Barusco devolveu 97 milhões de dólares de propina”. Que outro homem público brasileiro, além desse juiz de 43 anos, consegue hoje ser aplaudido por onde passa?

Daí, a surpresa diante da decisão do Supremo Tribunal Federal que, na prática, promoveu o chamado “fatiamento” da Lava-Jato, retirando de Moro o poder de apuração sobre os casos que não envolvam diretamente a Petrobras. Advogados de defesa festejaram o precedente e vários já estão preparando recursos para levar inquéritos para longe da 13ª Vara de Justiça Federal de Curitiba, a de Moro, o que é muito significativo.

Mas quem sou eu, um leigo ignorante das filigranas do Judiciário, para questionar uma decisão da mais alta corte do país? O problema é que nesse coro dos descontentes estão importantes personagens do cenário jurídico, como o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para quem se trata de investigar uma mesma “organização criminosa que se espraiou em diversos órgãos públicos e que opera de maneira uniforme, com modus operandi idêntico, quase com os mesmos atores".

Em outras palavras, há muitos corruptos que não são exclusivos do petrolão. O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, fala em “derrota do Ministério Público” ao admitir que os trabalhos desenvolvidos por eles até agora vão “sofrer” com a divisão. Seria o começo do fim da Lava-Jato? Será que o país é mesmo masoquista, só gosta das más notícias? Parece que não.

Um criminalista levantou para Merval até a hipótese do surgimento de um movimento de solidariedade de juízes tipo “somos todos Moro”, mas que o colunista acha improvável. Possível é que os procuradores da operação forneçam know-how e apoio a seus colegas de outros estados que tiverem de cumprir a nova tarefa. O próprio Dallagnol promete: “Vamos lutar e trabalhar arduamente para que não haja grandes perdas”. O ideal é que não haja perda nenhuma.

Fonte: Zuenir Ventura - O Globo