O que
aconteceu ontem a Eduardo Cunha no Conselho de Ética da Câmara é exemplar de como
funcionam as pressões da sociedade numa democracia representativa que, por mais
precária que seja, por mais desmoralizada que se encontre, terá sempre a
possibilidade de se recuperar, seguindo o sentimento prevalecente no conjunto
dos cidadãos.
Ficou famosa a frase do então presidente
da Câmara Ibsen Pinheiro, ao receber o pedido de impeachment contra o
presidente Collor: “O que o povo quer, essa casa acaba
fazendo”. Tem sido sempre assim, e até mesmo no episódio das Diretas Já,
quando o Congresso deixou de atender ao apelo das ruas por poucos votos, acabou
encontrando um caminho alternativo para por fim à ditadura, elegendo Tancredo
Neves em eleição indireta.
O reinado de Cunha na Câmara está nos
finalmente, e só restará a ele agora a ameaça
de denunciar companheiros de falcatruas, mas nem isso lhe salvará a pele. Diversas ações contra ele estão abertas ao mesmo tempo pelos
Procuradores em Curitiba, e ele já é réu no
Supremo Tribunal Federal, sendo que corre o risco de se
tornar réu pela segunda vez na próxima semana, quando o STF analisar a
acusação da PGR de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas devido a
contas bancárias na Suíça com dinheiro desviado da Petrobras.
Afastado da presidência da Câmara e
suspenso do mandato por decisão do ministro Teori Zavascki que teve o apoio
unânime do plenário do Supremo, Cunha tem ainda um pedido de prisão contra ele
feito por Janot. [seja o
Cunha culpado, seja condenado e executado – pelo andar da carruagem se um
SUPREMO MINISTRO decidir condenar alguém à morte a sentença será válida e
executada, mesmo inexistindo na legislação brasileira e sendo expressamente
proibida, em tempo de paz, pelo texto constitucional em vigor – não podemos
deixar de registrar que a pena aplicada ao deputado Eduardo Cunha pelo ministro
Zavascki, SUSPENSÃO DO MANDATO PARLAMENTAR, inexiste no acabou legal
brasileiro.
Foi
criada pelo Ministro Teori e convalidada pelo STF – que se revestiu do poder de
legislar, que pela Constituição vigente é privativo do Poder Legislativo.]
O ministro Teori
Zavascki negou ontem o pedido de prisão feito contra o presidente do Senado Renan Calheiros, o ex-presidente José
Sarney e o senador Romero Jucá, mas
pediu explicações a Cunha. [qualquer
coisa que possa ferrar Cunha recebe tratamento
diferenciado; vai que nas explicações surge algo que justifique sua prisão!]
A
esta altura, com a decisão da Comissão
de Ética, o pedido, que visava puni-lo por
continuar tentando influir nos trabalhos da Câmara, usando sua influência para
garantir a impunidade, pode ter perdido o sentido.
Mas também pode ser utilizado se ele insistir em tentar manipular os votos no
plenário da Câmara, ou se postergar ilegalmente a tramitação do processo.
Toda a pressão de Cunha nos últimos dias era para ganhar na Comissão de Ética
da Câmara, pois ele já dava como certo que perderia se o caso fosse ao
plenário. Desde que a votação sobre
cassação de mandatos passou a ser aberta, nenhum deputado safou-se no plenário,
pois a opinião pública fica de olho na atuação de cada um dos deputados.
Não foi à toa que a Tia Eron, depois de esconder-se no primeiro momento, ontem
se apresentou com um discurso muito bem articulado para votar contra Eduardo
Cunha, que a considerava voto de cabresto. A
atuação conjunta da Justiça, do Ministério Público
e de órgãos federais como a Receita e a Polícia não deixou margem a mais
protelações por parte de Cunha, que acabará processado e provavelmente
condenado.
A saída mais provável para ele será a
delação premiada, que pode ser decisiva para
confirmar a verdadeira revolução de costumes a que o mundo político está sendo
obrigado a se curvar nos últimos tempos. Por isso mesmo, é pouco
provável que o Supremo Tribunal Federal reformule a decisão tomada no início
deste ano de permitir a prisão de um réu condenado na segunda instância.
Ainda mais agora que os processos do
ex-presidente Lula estão novamente na primeira instância de Curitiba. Não será possível convencer a opinião pública de que tal
mudança, se ocorrer, nada tenha a ver com
uma proteção ao ex-presidente. Lula deve
ser acusado pelos Procuradores de Curitiba por ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro nos processos sobre o
apartamento triplex do Guarujá e o sítio de Atibaia,
além de favores recebidos da empreiteira Odebrecht pelo
armazenamento, durante todo o período desde o fim de seu mandato, de
suas coisas pessoais trazidas de Brasília.
Caso seja condenado pelo juiz Sérgio Moro, poderá
perder a condição de ficha limpa, se a condenação for confirmada em segunda
instância. Por esses crimes,
dificilmente Lula irá para a cadeia, pois as penas são pequenas e devem ser
transformadas em serviços comunitários.
[no conjunto das denúncias a soma das penas do Lula poderá alcançar 15 anos o
que impede a transformação em serviços comunitários – é chave mesmo.]
Mas há outros processos, especialmente o principal deles, que trata do esquema do petrolão. Ontem foi revelado
pelo site Congresso em Foco um pedido de inquérito do
Procurador-Geral da República Rodrigo Janot ao STF em que ele afirma que Lula “é investigado inter alia [entre outras coisas]
pela suspeita de que, no exercício do mandato
presidencial, tenha atuado em posição dominante na organização criminosa que se
estruturou para obter, mediante nomeações de dirigentes de estatais do setor
energético, em especial a Petrobras S/A, a BR Distribuidora S/A e a Transpetro
S/A, vantagens indevidas de empresas prestadoras de serviços, em especial de
construção civil”.
Fonte: Merval Pereira – O Globo