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terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Ecos do AI-5 - O fantasma

Gazeta do Povo

Quando faltava um mês para o aniversário do execrável AI-5, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes proibiu um deputado, Daniel Silveira, de dar entrevistas. O ministro já havia proibido o deputado de frequentar as redes sociais e de fazer contato com “outros investigados”. No último dia 13, fez 53 anos que, por causa de um deputado, Márcio Moreira Alves, que, na tribuna, recomendou às mocinhas que não dançassem com cadetes, o general Costa e Silva assinou o AI-5, que cassava o mandato do parlamentar e de muitos outros, fechava o Congresso, cancelava o habeas corpus e censurava. 
Motivo imediato: o ministro da Guerra, Lyra Tavares, queria processar o deputado, mas a Câmara não deixou, com base no art. 32 da Constituição de 1967: “Os deputados e senadores são invioláveis, no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos, salvo nos casos de injúria, difamação e calúnia, ou nos previstos na Lei de Segurança Nacional”.


Ministro Alexandre de Moraes determinou a prisão do deputado Daniel Silveira por declarações nas redes sociais. -  Foto: Nelson Jr./STF

Os constituintes de 1988 aperfeiçoaram o artigo, que se tornou inflexivelmente garantidor do mandato, e virou 53: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Esse quaisquer não deixa espaço para condicionantes. Só que não. Como constituintes não-eleitos, no Supremo passaram por cima disso. O ministro Moraes mandou prender o deputado que - ironia! - disse ter saudades do AI-5.  
Em 2021 imperou um AI-5 de facto, com a anuência da Câmara dos Deputados, menos defensora de suas prerrogativas que aquela de 1968. No dia seguinte ao 13 de dezembro de 1968, Juscelino fora preso preventivamente, para não incomodar, tal como Zé Trovão agora está preso assim como o presidente do PTB, Roberto Jefferson.  
Muito semelhante com aqueles anos de chumbo - agora com um AI-5 fantasma.
 
Em 1968 como hoje, pessoas eram presas sem condenação, por crime de opinião. Hoje com uma diferença para pior: naquele tempo havia, embora espúrias, regras escritas. 
Hoje a regra é o que brota de um reescrevedor da Constituição, reeditando versões ad hoc até mesmo do pétreo artigo quinto.  
 
A moda se espalha para a Justiça Eleitoral.  
A resolução com regras para a eleição do ano que vem mais parece um código penal que revoga a liberdade de expressão que os constituintes consagraram no artigo 220. 
As bocas e cérebros brasileiros ficaram sob tutores que definem a verdade e a mentira, estabelecendo a versão oficial.
Numa democracia é normal que haja interpretações diferentes de liberdade, autoridade, verdade. Faz parte dos entrechoques ideológicos e doutrinários. 
O que não é normal é que haja silêncio em relação a agressões sofridas pela lei das leis. Quem cala, consente. O AI-5 de 1968 perdurou até 1979. Os que hoje calam e consentem já pensaram o quanto estão sendo cúmplices na supressão da dissonante mas criativa voz da democracia?

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Como o governo tem contribuído para a matança do Covid-19 - Ricardo Noblat

Parceiros na tragédia 

O mundo quase desabou sobre a cabeça do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, quando ele alertou o Exército para o risco de tornar-se sócio do governo do presidente O governo fingiu que não fora ele o alvo da crítica, mas as Forças Armadas. O ministro da Defesa e os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica vestiram a carapuça e pediram para que o ministro  fosse processado com base na Lei de Segurança Nacional. [a reação do ministro da Defesa e dos comandantes militares foi rigorosamente adequada à ofensa efetuada pelo ministro do STF - genocídio é um crime grave, hediondo, covarde seu cometimento ou cumplicidade não pode ser imputado de forma leviana.
Falando em cumplicidade e considerando que não houve o crime - a tipificação daquele delito é complexa, mas não o suficiente para ser desconhecida (ou incompreendida) por um ministro do STF - estamos diante do caso em que só os cúmplices, de um crime que não houve, foram denunciados, ficando os autores, do crime que não houve,  fora do processo, cf. J.R.Guzzo " ...uma inovação que o STF oferece ao direito penal brasileiro – o delito que só tem cúmplices"]

Virou moda invocar a Lei de Segurança Nacional, uma herança da ditadura militar de 64, [em plena vigência e recepcionada pela CF 88.] para calar ou intimidar os que criticam atos do governo. Tenta-se limitar o direito à expressão de pensamento, a não ser em casos de notícias falsas distribuídas por bolsonaristas. Saúde é médico – os dois ministros anteriores eram médicos. Quem entende de guerra é militar. Daí, o alerta feito por Gilmar. 

Como reagiria o Exército se, de repente, digamos que para atrair o apoio do Centrão no Congresso, Bolsonaro começasse a nomear civis para o comando de tropas ou para outros cargos reservados a militares? [Bolsonaro não fez e provavelmente não fará - até mesmo por não ser necessário. Mas, Epitácio Pessoa nomeou um engenheiro civil, Pandiá Calógeras,  ministro da Guerra - desempenho excelente;
José Serra economista, foi um dos melhores ministros da Saúde - até hoje permanecem dois dos seus feitos: os genéricos e a retirada dos termômetros clínicos de mercúrio.] Ele não faria isso, é claro, mas o contrário faz.  Nas últimas 72 horas, uma sucessão de fatos, e sua conexão com outros já conhecidos, reforçou a suspeita de que o governo está pouco ligando se  se seu comportamento em relação ao vírus poderá ou não resultar numa espécie de genocídio. 

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VEJA - Blog do Noblat - Ricardo Noblat, jornalista - MATÉRIA COMPLETA 




Leia mais em: https://veja.abril.com.br/blog/noblat/como-o-governo-tem-contribuido-para-a-matanca-do-covid-19/... 

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O Ministério da Saúde está há mais de dois meses sob o comando de um general e de duas dezenas de militares. Quem entende de S... 

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quinta-feira, 30 de abril de 2020

Dos meios e dos fins - Nas entrelinhas


“No Estado de direito democrático, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) não se discute, cumpre-se. Quando isso não acontece, é um mau agouro


O presidente Jair Bolsonaro vive num mundo só dele, que não é bem o país que governa. É difícil fechar um diagnóstico sobre as razões, mas é possível identificar os sintomas de que idealizou uma agenda, um governo e um Estado centralizador e agora se vê diante de uma realidade muito diferente daquela que imaginava. Primeiro, a agenda do país não é a sua, focada nos costumes e nos interesses imediatos de sua base eleitoral. [a agenda que o presidente Bolsonaro tentou seguir e não permitiram, é compatível com o desejo de quase 60.000.000 de eleitores.] Já lidava com dificuldades na economia quando a pandemia de coronavírus virou tudo de pernas para o ar.

Todas as suas prioridades foram alteradas. Ninguém sabe exatamente quando e como voltaremos à normalidade, mas sua insistência em antecipar esse processo de retomada da economia, num momento de aceleração da epidemia, vem se revelando um desastre do ponto de vista da saúde pública. É como aquele sujeito que erra de conceito: seus bons atributos, como iniciativa, coragem, combatividade, criatividade, força etc. só servem para aumentar o tamanho do desastre. A agenda do país é epidemia, epidemia e epidemia, pelo menos nas próximas duas semanas.

Também idealizou um governo no qual seu poder seria absoluto, como vértice do sistema. Está descobrindo que não é assim que funciona. Na democracia, há uma tensão permanente entre os que governam e a burocracia de carreira, responsável pela legitimidade dos meios empregados na ação político-administrativa. A ética das convicções, que motiva os políticos, não basta; ela é limitada pela máquina do governo, que foi organizada, treinada e instrumentalizada para observar as leis antes de agir, ou seja, zelar pela ética da responsabilidade. Bolsonaro não consegue lidar com isso. Em todas as frentes, tenta atropelar, substituir ou desmoralizar os que não aceitam decisões que são equivocadas tecnicamente e/ou contrariam a boa política e o interesse público.

Bolsonaro também tem dificuldade de lidar com os mecanismos de freios e contrapesos do Estado democrático de direito. Ontem, levou uma invertida do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que sustou a nomeação do novo-diretor da Polícia Federal, Alexandre Ramagem, por desvio de finalidade. Diante da decisão, revogou a nomeação para mantê-lo à frente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o que gerou uma situação de perda de objeto da ação do mandado de segurança acolhido por Moraes. Foi por essa razão que a Advocacia-geral da União desistiu de recorrer ao plenário do Supremo.
[O ato que nomeava André Mendonça e Alexandre Ramagem, foi suspenso na parte que cuidava da nomeação do Ramagem por ato do ministro do STF, Alexandre de Moraes.
Na sequência, o presidente Bolsonaro torna sem efeito, via decreto, a nomeação de Ramagem e com isso a ação no STF perde o objeto.
Pergunta que não quer calar: o que impede agora que Alexandre Ramagem seja nomeado, via Decreto, para o cargo de Diretor-Geral da PF?]

Mesmo assim, Bolsonaro não caiu na real de que a Polícia Federal (PF) é técnica e judiciária, em cujas investigações não pode interferir. Ontem, após a decisão do ministro do STF, mesmo assim, Bolsonaro disse que pretende recorrer da decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e voltar a nomear Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal. “Eu quero o Ramagem lá. É uma ingerência, né? Vamos fazer tudo para o Ramagem. Se não for, vai chegar a hora dele, e vamos colocar outra pessoa”, declarou. Questionado sobre o posicionamento da AGU, disse que recorrer é um “dever do órgão”. E disparou: “Quem manda sou eu”. Se isso ocorrer, é muito provável que haja uma decisão unânime do STF contra a nomeação.

Recado claro
O que houve, ontem, foi um recado do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o sistema de freios e contrapesos da Constituição de 1988 está funcionando e que o Supremo ainda exerce o papel de Poder Moderador, em decorrência do fato de que cabe àquela Corte dar a palavra final em matéria constitucional. Como o STF é um poder desarmado, Bolsonaro provavelmente não se conforma muito com isso. Afinal, historicamente, esse papel foi exercido pelos militares, tanto na República Velha quanto na Segunda República. E seu governo tem mais generais do que qualquer outro no primeiro e no segundo escalões, mesmo comparado aos do regime militar. Quando diz que ainda vai nomear o Ramagem para o cargo de diretor-geral, Bolsonaro desnuda sua inconformidade, nos dois sentidos.


No Estado de direito democrático, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) não se discute, cumpre-se. Quando isso não acontece, é um mau agouro. No governo Castello Branco, ou seja, após o golpe militar de 1964, o primeiro conflito sério com o Supremo ocorreu em 19 de abril de 1965. A Corte concedeu um pedido de habeas corpus impetrado pelo famoso jurista Sobral Pinto, católico e liberal, em favor do ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, que estava preso na ilha de Fernando de Noronha, na costa daquele estado, desde a deposição do presidente João Goulart. Dias antes, o coronel Ferdinando de Carvalho, já prevendo a decisão, havia transferido o político pernambucano para a Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói (RJ).

O chefe do estado-maior do Exército, general Édson de Figueiredo, recusou-se a cumprir a decisão. O presidente do STF não teve outra alternativa a não ser mandar prendê-lo, o que provocou uma crise, somente debelada devido à intervenção pessoal de Castello, que chamou o magistrado e o general para uma conversa a três. Nesse meio tempo, um grupo de militares da chamada “linha-dura”, liderado pelo coronel Osneli Martinelli, sequestrou Arraes e levou-o para um quartel da Polícia do Exército. Foi preciso que Castello interviesse novamente, mandando soltá-lo. Arraes, que não era bobo, vendo que havia em marcha um golpe dentro do golpe, liderado pelo ministro da Guerra, o general Costa e Silva, tratou de pedir asilo na embaixada da Argélia. Era o começo de um processo que desaguou no Ato Institucional No. 5, em 13 de dezembro de 1968, mas isso isso já é outra história.


Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Atos institucionais - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S.Paulo

Questões centrais são trazidas à discussão, sem medo das patrulhas ideológicas da esquerda

A polêmica suscitada pelo deputado Eduardo Bolsonaro a propósito do Ato Institucional n.º 5 (AI-5), respaldada depois pelo próprio ministro da Fazenda, é da maior gravidade por expor um pendor autoritário. Atos institucionais, como os que caracterizaram a ditadura militar de 1964, são derivados de uma ruptura institucional, a partir da qual um novo regime é estabelecido. Não são atos constitucionais, mas resultam da violência instaurada por um “golpe”, por uma “revolução”, ou qualquer outro nome que se queira dar. A questão reside em que são instrumentos jurídicos provenientes do uso da força, que rompe a ordem constitucional vigente. Dá para brincar com declarações desse tipo?
[Com a devida vênia ao ilustre Articulista, merecedor de todo o apreço deste escriba, peço permissão para esclarecer, através deste comentário - um modesto complemento ao exposto na continuidade da matéria aqui transcrita, - que o Movimento Revolucionário de 31 de março, foi, em linguagem mais sucinta, uma REVOLUÇÃO.

O  Movimento Revolucionário de 31 de março de 1964, chamado por alguns de golpe, por outros de contragolpe, outros chamam de ditadura, tem a denominação oficial de REVOLUÇÃO, o que realmente foi, resultando do MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO DE 31 DE MARÇO DE 1964, conforme de conclui, de forma indubitável, da leitura do Ato Institucional n° 1, de 9 de abril de 1964, especialmente o seu Preâmbulo,  editado pelo COMANDO SUPREMO DA REVOLUÇÃO, representado pela Junta Militar, composta pelos  Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, como segue:

Gen. Ex. ARTHUR DA COSTA E SILVA 
Tem. Brig. FRANCISCO DE ASSIS CORREIA DE MELLO 
Vice-Alm. AUGUSTO HAMANN RADEMAKER GRUNEWALD 

Além de explicitar toda a fundamentação das decisões tomadas por aquela Junta, deixa claro em um dos seus parágrafos,quem legitima quem, quando estabelece:
"...   Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação. ..."

Hoje tais documentos estão revogados, podem ser execrados, desautorizados, mas existiram e constam como documentos oficiais de livre acesso do público.]

Não dá para compreender o AI-5 sem remontarmos aos atos anteriores, em particular o AI-1. A perspectiva histórica é importante. O primeiro ato do regime militar foi resultado de uma tomada de poder por via da ruptura institucional e constitucional. A quebra da ordem jurídica situa-se fora da Constituição, que se torna subordinada ao ato de força e à sua nova legalidade, que passa então a vigorar.

Em 1964, primeiro foi produzida a ruptura, depois a nova legalidade, sob a forma do AI-1. Consumada a tomada do poder, o jurista Francisco Campos, homem culto e competente, com longa ficha de serviços prestados ao presidente Getúlio Vargas, tendo redigido a Constituição de 1937, foi chamado pelo ministro da Guerra, Costa e Silva, para dar forma jurídica ao novo regime. Após uma conversa entre ambos, Francisco Campos sugeriu que não era necessário seguir a Constituição de então, pela singela razão de que ela não estava mais sendo cumprida, de qualquer maneira; uma alternativa legal seria mais condizente com a conquista do poder.

Segundo ele, o Brasil estava sendo conduzido por um novo governo de tipo revolucionário, que, como tal, seria fonte originária de uma nova legalidade. O novo poder era a origem mesma de uma nova legislação, não se subordinando a qualquer outra força ou posição constitucional. Ele se justificaria por si mesmo, bastando tão somente conferir-lhe um novo ordenamento jurídico. O jurista tirou seu paletó, ocupa uma escrivaninha e ao amanhecer do outro dia o Ato Institucional n.º 1 estava redigido, com a colaboração de outro jurista, Carlos Medeiros Silva. O governo revolucionário passou a guiar-se por esse ato institucional e pelos outros atos que se seguiram.

O AI-5 foi ordenado e promulgado pelo mesmo general Costa e Silva, que nesse meio tempo se havia tornado presidente. O seu caráter “revolucionário”, de fonte geradora de uma nova legalidade, foi marcante. O habeas corpus foi suspenso para crimes considerados políticos, o presidente podia suspender o Congresso, o que logo foi feito, passando a legislar ele mesmo por decretos-leis, a censura prévia foi instaurada em jornais, revistas e outros meios de comunicação, o presidente podia intervir em Estados e municípios, entre outras medidas.

Logo, quando autoridades propõem um ato institucional para conter uma eventual – e imaginária sublevação popular à maneira das manifestações de rua no Chile, eles estão “brincando” com uma ruptura institucional. Note-se que eles não defendem a manutenção da ordem por via constitucional, dado que nossa Carta Magna contempla instrumentos desse tipo, como a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), o estado de sítio e o estado de defesa nacional. O primeiro, aliás, amplamente utilizado pelos governos anteriores na manutenção da ordem pública para combater a criminalidade, sendo o exemplo do Estado do Rio de Janeiro o mais conhecido. Observe-se ainda que todos eles, sobretudo os dois últimos, exigem trâmites constitucionais que pressupõem sua aprovação pelo Legislativo.

Consequentemente, a pergunta que se coloca é quem assumiria o poder gerador de novas leis, o da nova legalidade. As Forças Armadas têm mantido rigorosa postura constitucional, defendendo a democracia em nosso país. Não há nenhuma sinalização anunciando uma nova atitude.  O seu desempenho é estritamente profissional, elas têm sido exemplares na defesa das instituições republicanas. Se não são elas candidatas a artífices da nova “revolução”, só sobrariam os que defendem a tal de “revolução cultural”, o círculo mais próximo do presidente. Isto é, o País passaria a ser governado pela ala ideológica do governo, fazendo tábula rasa do Congresso, das oposições, da liberdade de imprensa, concentrando todo o poder no Executivo e em seu grupo dominante.

A reação a tais declarações foi de tal monta que um recuo imediatamente se fez necessário. Não por virtude, mas pela pequena adesão suscitada, confinada aos núcleos digitais do bolsonarismo. Sem apoio, evidentemente, nenhum “ato institucional” seria possível, nem na opinião pública, nem na ação dos militares. Na verdade, foi um tiro no pé, expondo o vigor das instituições democráticas em nosso país.  O problema, porém, persiste. O mesmo governo que alberga posições radicais e antidemocráticas desse tipo é o que apresenta um arrojado programa de reforma do Estado mediante várias propostas de emenda constitucional e projetos de lei, trazendo à tona uma agenda liberal. Questões centrais são trazidas à discussão, sem medo das patrulhas ideológicas da esquerda. Se tudo o que está sendo proposto for aprovado pelo Congresso, estaríamos diante de uma verdadeira “revolução”, ao reconfigurar as relações entre a intervenção estatal e a economia baseada em relações concorrenciais, e não de “compadrio”.

O risco, porém, consiste em que a “revolução cultural” pode terminar por contaminar as transformações liberais. Em muito ajudaria o País o presidente Bolsonaro tomar uma decisão, posicionando-se firmemente pelas transformações econômicas e pelo redesenho do Estado, imprescindíveis para todos os cidadãos. A permanência da tensão entre ambas só ajuda os que pretendem manter o status quo.

Denis Lerrer RosenfieldProfessor de filosofia - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

A República de Curitiba

“Com o ex-juiz Sérgio Moro no Ministério da Justiça, a força-tarefa da Lava-Jato terá muito mais apoio financeiro, operacional e político para prosseguir suas investigações”


A expressão República de Curitiba é uma alusão de advogados e políticos à atuação de militares na crise política que levou ao suicídio o presidente Getúlio Vargas. Gregório Fortunato, chefe de sua segurança pessoal, foi o pivô da crise, por ter sido o principal envolvido no atentado ao jornalista Carlos Lacerda, que fazia ferrenha oposição ao presidente da República, após o qual a oficialidade da Força Aérea Brasileira (FAB), reunida no Clube da Aeronáutica, decidiu que o brigadeiro Eduardo Gomes procurasse seus amigos de alta patente da Marinha e do Exército para pedir que o ministro da Guerra, Zenóbio da Costa, exigisse a renúncia de Getúlio. Carlos Lacerda também procurou Zenóbio, mas o ministro rechaçou a proposta.

Coube ao próprio ministro da Aeronáutica, Nero Moura, porém, levar a Getúlio a exigência de Eduardo Gomes de que as apurações fossem conduzidas por um Inquérito Policial Militar (IPM). O IPM foi a instauração da chamada “República do Galeão”, uma referência à base aérea que serviria como sede da investigação do assassinato do major Rubens Florentino Vaz, no atentado contra Lacerda. O major era um dos oficiais da Aeronáutica que se encarregou da segurança de Lacerda, após o líder idealista ter sido ameaçado de morte e agredido por Euclides Aranha, filho do ministro da Fazenda Osvaldo Aranha, no Hotel Copacabana Palace.

A morte de Rubens Vaz colocou os militares no centro da crise política. Após as investigações, que incriminaram Fortunato, os brigadeiros assinariam um manifesto exigindo a renúncia imediata de Getúlio. Marinha e Exército acompanhariam a posição da Aeronáutica. “Não renuncio; daqui só sairei morto, e o meu cadáver servirá de protesto contra essa injustiça!”, respondeu Getúlio, que consumou o ato, um trauma na política brasileira até hoje, em razão da carta-testamento que deixou para a História.

Strike
Nos bastidores do Supremo Tribunal Federal (STF) está instalada uma crise envolvendo os principais protagonistas da Operação Lava-Jato, entre os quais, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, relator do escândalo da Petrobras, e o presidente da Corte, Dias Toffoli. Moro deixou a 13ª Vara Federal da Curitiba, mas legou aos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba uma montanha de provas e pistas para investigações dos principais envolvidos no escândalo da Petrobras e suas 60 ramificações até agora. A força-tarefa havia sido contida pelo desmembramento das investigações, que foram redistribuídas aos juízes federais de diferentes estados. Mas a prisão do ex-diretor Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, suspeito de ser operador financeiro do PSDB, colocou em xeque a permanência de Gilmar Mendes como juiz natural do caso. Quem responde pelas decisões do Paraná é o ministro relator Edson Fachin.

Ontem, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou contra uma reclamação apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF) por Paulo Preto, antes mesmo que o ministro Gilmar Mendes intimasse a PGR sobre o pedido. O engenheiro argumenta que ele não poderia ser investigado pela Lava-Jato no Paraná, uma vez que os fatos a seu respeito já estão sob análise da força-tarefa paulista da operação. O impasse pode ser um novo divisor de águas para a Operação Lava-Jato, que tem uma lista de políticos na fila para serem presos, principalmente os que perderam as eleições e a imunidade parlamentar, ou seja, o direito de serem julgados pelo STF.

Com Sérgio Moro no Ministério da Justiça, a força-tarefa da Lava-Jato terá muito mais apoio financeiro, operacional e político para prosseguir suas investigações. A lista de políticos que estão sob investigações é graúda e pode pôr de joelho o Congresso, inclusive na discussão da reforma da Previdência, que fere interesses das principais corporações envolvidas nas investigações.

Estão citados: Aécio Neves (PSDB-MG), deputado e ex-senador; Edison Lobão (MDB-MA), ex-senador; Eduardo Cunha (MDB-RJ), ex-deputado, preso na Lava-Jato; Eduardo Paes (DEM-RJ), ex-prefeito do Rio de Janeiro; Eunício Oliveira (MDB-CE), ex-senador; Fernando Pimentel (PT-MG), ex-governador de Minas Gerais; Flexa Ribeiro (PSDB-PA), ex-senador: Geddel Vieira Lima, ex-ministro, atualmente preso; Índio da Costa (PSD-RJ), deputado; Jacques Wagner (PT-BA), senador e ex-governador; Sérgio Gabrielli, o ex-presidente da Petrobras; José Serra (PSDB-SP), senador e ex-governador; Lindbergh Farias (PT-RJ), ex-senador; Marco Maia (PT-RS), ex-presidente da Câmara; Marcelo Nilo (PSB-BA), deputado; Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara; Rosalba Ciarlini (PP-RN), ex-governadora do RN; Sérgio Cabral (MDB-RJ), ex-governador do Rio de Janeiro; Valdemar Costa Neto (PR-SP), ex-deputado; e Vital do Rêgo, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Rebelião em Brasília - sublevação de sargentos

Recordar é preciso. Só recordando evitamos os erros do passado e evitaremos muitas surpresas, já que a história muitas vezes se repete

REBELIÃO EM BRASILIA - Folha de S.P. 12/09/1963

Sublevação de sargentos dominada pelo exercito - Reunida a Camara - Prontidão nos quatro Exercitos

O general Jair Dantas Ribeiro, ministro da Guerra, determinou esta manhã aos comandos dos quatro Exercitos que mantenham rigorosa prontidão em toda as unidades.
Às 10 h 35 a Camara iniciou uma sessão plenaria. Imediatamente subiu à tribuna o lider do governo, sr. Tancredo Neves, que leu o texto da nota oficial do Ministerio da Guerra sobre o levante. Aduziu o parlamento que, segundo informações oficiais, "reina calma em todo o país, com as populações voltadas para suas atividades cotidianas".
Acrescentou, ainda, que o presidente João Goulart, que se encontrava no interior do Rio Grande do Sul, tão logo teve conhecimento dos fatos, dirigiu-se para Porto Alegre, onde se encontra no momento, "tomando as providencias indispensaveis à manutenção da ordem". Ao concluir a leitura da nota do Ministerio da Guerra, o sr. Tancredo Neves leu a data de 12 de agosto de 1963, ao invés de 12 de setembro. Despertado pelos risos do plenario, pediu desculpas, retificou e concluiu seu discurso, bastante vermelho.

1 morto e 2 feridos no primeiro choque com os amotinados

Às 9 horas de hoje, os sargentos dominavam ainda os pontos estrategicos da cidade e controlavam a situação.
Carros de combate ocuparam a Esplanada dos Ministerios e o transito civil foi interrompido. Nesse local, ocorreu o primeiro choque entre as forças lideradas pelos sargentos e a oficialidade, morrendo o soldado Divino Alves dos Anjos e ficando feridos José Boldão Lessa e Marcelo Martins Morais, todos do Corpo de Fuzileiros Navais. Todos os vôos foram suspensos e os telefones cortados pela Infantaria da Aeronautica, que tomou a unica central telefonica da cidade. A maior parte da oficialidade estaria presa nas guarnições, mas a informação não pôde ser confirmada porque o ingresso nas bases militares é impossivel.

A Radio Nacional foi ocupada às 9h 05, e, nesse exato momento, o capitão Paulo Isaías de Macedo Filho, do gabinete do ministro da Guerra, divulgava uma nota oficial dizendo que ocorrera "um pequeno levante de militares graduados" mas que a situação já estava sob controle e tendia a normalizar-se.
Os meios parlamentares foram colhidos de surpresa pelo movimento: os primeiros deputados a tomar conhecimento dele foram os que deviam embarcar no avião que deixaria Brasilia às 6 horas da manhã, rumo a Uberlandia e São Paulo. Dada a ausencia de informes sobre a situação no restante do país, a unica repercussão que se observa ainda nos circulos politicos é a de incerteza quanto aos proximos acontecimentos.
Rebelando-se contra a decisão do Supremo Tribunal Federal, que confirmou a inelegibilidade dos sargentos, os graduados aquartelados em Brasilia, principalmente da Marinha e da Aeronautica, começaram na madrugada de hoje a atacar e ocupar pontos importantes da cidade, tais como os Ministerios da Marinha, da Guerra, da Justiça e outros locais. Pouco a pouco, entretanto, tropas do Exercito, utilizando tanques pesados e em meio a intensa fuzilaria, foram retomando os pontos ocupados pelos rebeldes, os quais, às 11 horas, dominavam apenas a Area Alfa da Marinha, onde, entretanto, estão localizados seus maiores efetivos. Até agora, houve pelo menos um morto e dois feridos.
Em todo o resto do país, a situação é da mais completa normalidade, tendo o ministro da Guerra ordenado a todos os Exercitos que se mantenham de prontidão.

Descoberto o cabeça do movimento
Fontes do Ministerio da Guerra revelaram que o cabeça do movimento é o primeiro sargento Antonio Prestes de Paula, da Aeronautica. Aduziram que foi apreendida uma pasta de sua propriedade, com farta documentação sobre os prepatativos do movimento. Não foi informado, até o momento, se o chefe dos rebeldes já foi detido ou não.

O Exército já domina a situação em Brasília
Um morto e dois feridos, até agora, é o balanço do movimento dos sargentos da Marinha e da Aeronautica, que, rebelados contra a decisão do Supremo Tribunal Federal, - o qual ontem à noite confirmou a inegabilidade dos graduados - passaram desde a madrugada a ocupar pontos vitais da cidade, impedindo, inclusive, o acesso dos deputados a Camara Federal. Os rebeldes conseguiram deter grande numero de oficiais e até mesmo o cel. Carlos Cairoli, comandante do Departamento Federal de Segurança Publica.

Entretanto, já de manhã, oficiais das três armas e tropas do Exercito iam aos poucos retomando o comando dos acontecimentos. Sucessivamente, os rebeldes iam sendo desalojados do Ministerio da Marinha e outros que haviam ocupado. Às 11 horas, os revoltosos mantinham ainda sob sua direção apenas a Area Alfa da Marinha, onde estão cercados por tropas do Exercito. Entretanto, é ali que estão concentrados os maiores efetivos dos rebelados.

Varios choques ocorreram entre as forças comandadas pelos oficiais e os sargentos. As fuzilarias e as manobras de carros de combate e tanques pesados marcaram a vida da cidade na manhã de hoje. As comunicações por telefone e telex estiveram varias horas interrompidas. Os vôos continuam suspensos.
Fonte: Folha de São Paulo
Arquivo do site A Verdade Sufocada