As primeiras trombadas
Primeiros dias do segundo governo de Dilma Rousseff são marcados pela falta de sintonia entre integrantes do primeiro escalão
Os sorrisos e as gentilezas entre a equipe
ministerial do segundo mandato de Dilma Rousseff só duraram o tempo da
foto oficial do dia 1º de janeiro. Na primeira semana de trabalho, os
ministros chamaram mais a atenção por brigas e divergências internas do
que pela pauta de ações do novo governo. A falta de sintonia expôs o
novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, a um episódio
constrangedor. No dia seguinte à posse, Barbosa havia convocado uma
coletiva de imprensa para relatar temas próprios de sua área, entre
eles, a definição da regra de correção do salário mínimo. É o
Planejamento que elabora o Orçamento da União e o envia ao Congresso.
Portanto, qualquer nova norma de reajuste do mínimo, em tese, deveria
ser definida pelo ministro. Respondendo a um questionamento sobre a
possibilidade de o governo alterar, em 2016, a lei que rege a
atualização do salário, o ministro adiantou: “Nós vamos propor uma nova
regra para 2016 a 2019 ao Congresso Nacional nos próximos meses.”
DISSONÂNCIA - O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, foi desmentido
por Dilma depois de antecipar a nova regra para correção do salário mínimo
por Dilma depois de antecipar a nova regra para correção do salário mínimo
Barbosa, é sabido que a presidente prefere usar o dedo médio
A resposta foi interpretada como uma ameaça
à conjuntura política. O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante,
interrompeu as férias da presidente na Base Naval de Aratu, na Bahia, e a
alertou do incidente. Interpelado pela presidente, Barbosa teve que se
desmentir. “A regra atual ainda vale para 2015, acabou de ser editado
decreto com base na regra atual.” A desautorização obedeceu a uma
leitura política. Dilma e Mercadante entendem que Nelson Barbosa
antecipou um debate polêmico de maneira desnecessária. O tema espinhoso,
no entanto, não poderá ser ignorado em 2015. A lei do reajuste do
salário mínimo só vale até dezembro e o governo terá que enviar, até
agosto, um projeto para o Congresso propondo a nova regra que valerá em
janeiro de 2016. A intervenção de Dilma aliviou possível mobilização das
centrais sindicais contra o governo logo no início do ano, mas a imagem
de Barbosa junto às entidades ficou enfraquecida. “Ele é gestor de
política pública, quem manda é a presidente”, afirmou Canindé Pegado,
secretário da União Geral dos Trabalhadores (UGT).
O episódio parece ter insuflado o resto da
equipe. Os novos ministros da Agricultura, Kátia Abreu, e do
Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, resolveram imprimir um tom
ideológico ao discorrerem sobre as políticas e os objetivos de suas
áreas e acabaram invadindo as atribuições da pasta coirmã.
Estabeleceu-se a confusão. Os ministérios da Agricultura e do
Desenvolvimento Agrário são órgãos com objetivos distintos. Um
representa o setor produtivo. O outro trata da função social da terra.
Em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, Kátia afirmou que o País
não precisaria aprimorar políticas de distribuição de terras, ação que
caberia ao Desenvolvimento Agrário de Patrus. “A reforma agrária tem de
ser pontual, para os vocacionados. Latifúndio não existe mais.” A
declaração despertou a fúria de representantes dos movimentos dos
trabalhadores sem terra e, claro, de Patrus. O ministro não se esquivou
do embate. Retrucou que o País usa os módulos rurais como unidade de
medida para verificar o tamanho das propriedades. Em seguida, apoiou-se
no conceito de função social da terra para defender a importância da
reforma agrária. “Não basta derrubar a cerca do latifúndio, é preciso
derrubar as cercas que nos limitam a uma visão individualista e
excludente do processo social.”
A colisão frontal entre Kátia e Patrus se
assemelha aos entrechoques verificados entre a Frente Parlamentar da
Agricultura e os defensores da reforma agrária no Congresso. Mas os
ministros, em tese, deveriam fazer parte de um mesmo projeto. Afinal,
integram o mesmo governo. A reação desafinada indica que os próximos
quatro anos de administração terão que passar pelo divã antes de os
administradores construírem, juntos ou não, soluções para avançar na
resolução dos problemas.
O loteamento de cargos entre partidos
muitas vezes dotados de ideais distintos é uma das explicações para a
composição de uma equipe de governo em permanente dissonância. Mas não é
a única. Logo ao assumir o Turismo, Juca Ferreira, do PT, teve de
justificar a aliados o motivo de sua antecessora, a senadora Marta
Suplicy, do mesmo partido que o seu, ter feito críticas tão agressivas à
sua indicação. Marta havia usado as redes sociais para censurar a
escolha de Juca para o ministério que comandou de setembro de 2012 a
novembro de 2014. A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Ideli
Salvatti, também foi alvo de fogo amigo. A setorial de Direitos Humanos
do PT rejeitou a recondução de Ideli ao cargo. As críticas foram feitas
em carta aberta. “O governo Dilma está sendo atacado por colocar
ministros completamente estranhos às suas pastas. Manter a atual
ministra na pasta de Direitos Humanos é corroborar com isso. Colocar
alguém não caracterizado com a militância em Direitos Humanos fez com
que nenhuma política específica da pasta avançasse”, criticou a nota.
Após tirar cinco dias de descanso na Base Naval de Aratu (BA), a
presidente Dilma Rousseff retornou na terça-feira 6 irritada com os
desencontros dos primeiros dias de governo. Aos ministros, transmitiu a
ordem: as discussões entre integrantes do primeiro escalão devem ser
travadas no âmbito do governo, de forma alguma publicamente. Tem razão, a
presidente. Só que o exemplo precisa vir de cima.
Montagem
sobre fotos de: Adriano Machado/Ag.Istoé; Sergio Lima/folhapress Fotos:
Adrano Kakazu/Ag.Senado; Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Fonte: Revista IstoÉ
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