Política do BNDES de concentração de poder de mercado em poucos grupos não deve ser avaliada apenas pelo aspecto da rentabilidade financeira
O grupo JBS chegou a ser o maior produtor de proteína animal do planeta, orgulho da política desenhada em pranchetas lulopetistas para converter empresários brasileiros em “campeões”, vitaminados por dinheiro público. O grupo, de origem numa família dona de açougue em Anápolis, Goiás, não é o primeiro a ter ascensão rápida e queda equivalente.
Na década de 70, na ditadura militar, havia fixação no modelos dos “chaebols”, da Coreia do Sul, gigantes edificados em torno de famílias, bancos e governo. Na “crise asiática”, na década de 90, alguns se liquefizeram, com o desmonte de esquemas de dívida externa assentados na garantia de um câmbio fixo ou quase. O câmbio teve de flutuar e muita coisa veio a baixo. Mas a estrutura coreana, já colhendo os frutos dos investimentos em educação e tecnologia, aguentou o tranco.
No Brasil, o sonho de fortes empresas nacionais turbinadas pelo Estado também virou pesadelo em vários casos. Kalium, Decred, Coroa-Bastel são grupos que viriam a renascer bem mais à frente com outros nomes. O JBS é o exemplo mais recente e, como no passado, foi incentivado a partir de uma plataforma ideológica — existente à direita e à esquerda — que preza empresas com músculos anabolizados por bilhões manejados pelo inquilino de turno no Planalto.
JBS é típico. Com dinheiro do BNDES, no lulopetismo, se capitalizou com a venda de debêntures para o banco e obteve empréstimos subsidiados, sob a prestimosa vigilância do então ministro da Fazenda Guido Mantega, também zeloso na cobrança de contribuições do grupo a campanhas eleitorais petistas. Toma lá dá cá. A implosão do JBS no vácuo da delação premiada de Joesley Batista deflagrou efeito sísmico no Brasil decorrente da política de concentração intencional de poder na mão de poucos empresários amigos: um choque no mercado interno de carne, porque os frigoríficos aglutinados no grupo, sob as bênçãos financeiras do Planalto, se transformaram em importantes compradores de rebanhos no interior do país, quase que única opção dos pecuaristas em regiões-chave, como no Centro-Oeste.
As ondas de choque sobre o grupo deflagradas pela repercussão da delação de Joesley Batista sobre o presidente Temer retraíram o crédito ao JBS — houve até suspeita de retaliação por bancos públicos —, este parou de pagar à vista pelos rebanhos, o que levou à retração de pecuaristas. Preços desabaram. Pois o JBS, é claro, concentrava a sua maior capacidade de abate nos estados em que se encontra a maior parte do rebanho: Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. No primeiro, 50% do total de seus abates; no segundo, 40%.
Este é outro alerta sobre políticas governamentais que promovem concentração em mercados, a partir de conceitos derivados de concepções contrárias à livre concorrência. Em algum momento a casa pode cair. Como costuma acontecer nessas situações, paga o preço a dupla contribuinte-consumidor.
Por isso, é equivocado fazer o balanço da política de “campeões nacionais” do BNDES lulopetista apenas pelo ângulo estreito dos lucros e perdas do banco no programa. Mesmo que o banco obtivesse boa rentabilidade com o JBS, ele teria colocado em risco parte ponderável da pecuária nacional, ao criar um único e forte comprador de carne. E também grande financiador de campanhas políticas, não por acaso.
Fonte: Editorial - O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário