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quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Negócios com a China - Nas entrelinhas

“Frente à concorrência chinesa, os avanços do Brasil permanecem limitados. Precisamos aumentar as exportações de manufaturados de maior complexidade”


O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou ontem que o governo brasileiro tem intenção de formar uma área de livre-comércio também com a China. A notícia arrepiou os cabelos dos setores industriais brasileiros, que sofrem com as consequências da falta de competitividade de nossos produtos e a concorrência dos importados made in China. A ideia, segundo o ministro, é criar uma “free trade area” (área de livre-comércio), com alto nível de integração. “Queremos nos integrar às cadeias globais. Perdemos tempo demais, temos pressa”, disse Guedes, em Brasília.

Há 20 anos, o Brasil negociava com a China um volume de comércio de cerca de US$ 2 bilhões ao ano; agora, saltou para mais de US$ 100 bilhões nos dias atuais. Para efeito de comparação, com a Índia, outro parceiro do Brics, o comércio ainda está ao redor de US$ 4 bilhões por ano.  As declarações ocorrem num momento de muita confusão na América do Sul, onde a China desbancou os Estados Unidos como parceiro comercial da maioria dos países. Ao mesmo tempo, sinalizam um deriva do alinhamento automático com o presidente Donald Trump, que está em guerra comercial com a China. O Brasil aposta na relação com os chineses por razões que não necessariamente coincidem com aspectos políticos e ideológicos que levaram à formação do Brics. Não chega a ser uma esquizofrenia, é um dado da realidade objetiva, determinado pela mudança de eixo do comércio mundial do Atlântico para o Pacífico e pela emergência da China, a segunda potência econômica mundial, como principal comprador de nossas commodities de minério e agropecuárias.

Guedes sente as consequências da guerra comercial entre Estados Unidos e China na economia mundial, assim como sabe que as tensões na América Latina estão afugentando investidores em toda a região, inclusive do Brasil. Entretanto, tem uma visão ultraliberal que assusta principalmente os setores industriais brasileiros, tradicionalmente protecionistas: “Os chineses, indianos, malaios, filipinos, está todo mundo subindo o padrão de vida. A metade de lá. Enquanto isso, do lado de cá, particularmente a América Latina, o Mercosul, fez o contrário: cabeça de avestruz, enfiamos a cabeça no chão. Ficamos fechados. Nosso padrão de vida está piorando.”

O problema é que o Brasil está se desindustrializando. Não tem uma política industrial. Economistas liberais são contra isso por princípio, mas governos não podem ser indiferentes à realidade do setor produtivo. No caso brasileiro, a situação é mais grave, porque não existe capital acumulado para a criação de uma nova indústria, mais competitiva, na velocidade em que as mudanças ocorrem no mundo. A tentativa de criar empresas globalmente competitivas dos governos Lula e Dilma, a política dos “campeões nacionais”, resultou em escândalos de corrupção e colapso da “nova matriz econômica”, que lançou o Brasil na recessão.

Complexidade
De acordo com o Atlas da Complexidade Econômica, dos economistas Ricardo Hausmman e César Hidalgo (respectivamente da Universidade de Harvard e do Instituto Tecnológico de Massachusetts — MIT), a complexidade das exportações é determinante para o crescimento econômico de longo prazo dos países. Isso porque, alguns conjuntos de produtos no núcleo do tecido produtivo são mais essenciais para dinamizar outras atividades produtivas, “por conta de seus efeitos de encadeamento e transbordamento, ou seja, por estabelecerem mais conexões com o restante das atividades econômicas”. É o caso dos produtos eletrônicos, máquinas, materiais para construção, químicos e produtos relacionados à saúde.

O Brasil havia melhorado sua posição no ranking de complexidade econômica entre 2012 e 2016, passando do 50º para o 42º lugar, mas a recessão pôs tudo a perder. A análise das exportações brasileiras e chinesas para os países do Mercosul, Aladi e Nafta, qualificando o tipo de produto exportado a partir do Índice de Complexidade do Produto (ICP), contribui para a compreensão das causas da interrupção da tendência de aumento da especialização das exportações brasileiras em produtos pouco dinâmicos, ou seja, commodities.

O Brasil até procurou se adaptar ao avanço da concorrência chinesa em seus principais mercados externos, não apenas por meio da exportação de produtos de baixa complexidade, mas também exportando produtos de maior complexidade, como os da indústria de máquinas, em especial a automotiva, beneficiados pelos acordos comerciais com alguns países dessas regiões. Entretanto, a China destacou-se em produtos ainda mais sofisticados (sobretudo eletrônicos), resultado também associado a acordos comerciais entre países latino-americanos e países externos à região.

Frente à concorrência chinesa, os avanços do Brasil permanecem limitados. Precisamos aumentar as exportações de manufaturados de maior complexidade e ampliar nossas competências produtivas em direção a bens similares dos que já produzimos. Além disso, vale ressaltar a importância de participar de acordos comerciais que envolvam produtos de maior complexidade econômica, notadamente com os países com os quais já apresentamos laços comerciais estreitos em manufaturados, como os do Mercosul.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense


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