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domingo, 14 de novembro de 2021

O ovo cru e o omelete - Alon Feuerwerker

Análise Política

Um aspecto tem passado algo despercebido em todo esse imbróglio sobre o novo valor do Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família) e de onde virão os recursos: o assunto ter provocado a necessidade de aprovar uma emenda constitucional. Isso parece ter decorrido de dois fatores: a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre os precatórios e o teto de gastos ter sido lá atrás introduzido na Constituição.

Tudo sempre guarda alguma explicação, mas é bastante anômalo que decisões simples de governo tenham passado a depender de mudar sistematicamente a Constituição. É um sintoma de várias coisas, antes de tudo de ter caducado a ordem constitucional construída em 1988. [a Constituição cidadã caducou antes de outubro de 1988 = a partir de quando começou a conceder direitos sem a contrapartida dos deveres.] É sintoma também do grave enfraquecimento do Executivo. Uma tendência inaugurada pelas vicissitudes de Dilma Rousseff e acelerada no intervalo Michel Temer.

A eleição de Jair Bolsonaro representou um impulso à retomada da centralidade política do Palácio do Planalto, mas a tendência centrífuga retornou conforme o presidente se enfraqueceu devido aos próprios erros políticos, especialmente na abordagem da Covid-19. [em nosso entendimento,  o presidente Bolsonaro pode até ter pensado em errar em uma eventual abordagem da Covid-19, só que o Supremo ao conceder poderes supremos às autoridades locais, proibiu na prática e na teoria qualquer iniciativa do presidente da Repúblicano tocante a eventual combate à pandemia.
Impõe-se  perguntar: como poderia Bolsonaro tomar alguma iniciativa no combate à covid-19? tendo em conta que decisão do Supremo o proibiu de contrariar àquelas autoridades que, no afã do protagonismo, decidiam às cegas, sobre tudo e sobre todos, guiados apenas pelo interesse de se antecipar até mesmo a eventuais pensamentos do Chefe do Poder Executivo Federal? 
Outro erro atribuído ao presidente Bolsonaro foi nas alterações que buscou promover no 'estatuto do desarmamento', ao inicio do seu Governo, se valer de decretos para modificar leis = que lhe foram apresentados, não se sabe se por incompetência ou sabotagem, talvez nascida na Casa Civil, de apresentar decretos para alterar leis.
Várias tentativas de mudanças caíram, o que propiciou aos inconformados com sua eleição, chances de passar narrativas desautorizando  o presidente, que esquecendo  os sábios ensinamentos do poema "No Caminho com Maiakóvski, abriu espaço para muitas ações contrárias ao seu governo e que resultaram na situação atual, exposta adiante.] E chegamos à situação atual, quando mexer nos programas sociais depende de PEC, e a rotina diária dos ministros do STF supõe passar o tempo desfazendo o que o governo faz.
 
A situação agrada a quem está na oposição pois vai levando à progressiva paralisia governamental, e também neutraliza as teóricas vantagens operacionais da maioria congressual. 
 Antigamente, governar dava trabalho. 
Era preciso ganhar a eleição de presidente e formar base parlamentar sólida. Hoje em dia, basta eleger meia dúzia de deputados e recorrer ao STF quando o governo faz algo que desagrada à opinião pública. [sendo que muitas vezes a 'opinião pública' se resume a um punhado de deputados, integrantes de partidecos SEM noção, SEM votos, SEM representatividade, SEM nada e que acham que governar é judicializar qualquer coisa,  que entendam possa torná-los menores e mais inúteis.]

É uma situação confortável para quem, na política, não tem perspectiva de poder formal e regular, e também para quem mais influencia o ir e vir dos cordéis que movimentam a opinião pública. A dúvida é sobre a sustentabilidade. Um debate constante no Brasil é se as instituições estão funcionando. Estão funcionando sim, e funcionando tanto que o sistema de freios e contrapesos chegou ao estado da arte, com eficiência ótima: tudo travou.

A dúvida é como vamos sair da pasmaceira. Um caminho é sempre a eleição presidencial. O problema: faz muito tempo a humanidade já sabe como transformar ovo cru em omelete, mas a rota inversa é um mistério que permanece insolúvel, desde sempre, aos mais brilhantes cérebros científicos. É ilusão imaginar que bastará eleger alguém para “as instituições” recolherem-se à casinha.

Mas História não é Biologia ou Química. Na História, o omelete pode voltar a ovo cru. Geralmente, situações assim são destravadas por alguém que acaba cortando o nó górdio. Uma coisa é certa, como já foi dito: o cenário crônico de paralisia política, baixo crescimento econômico e travamento institucional não permanecerá indefinidamente. Alguma transição virá. Há apenas duas dúvidas: quem a fará e como.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

 

 

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Bolsonaro chama de "delírio" proposta de expropriação de terras

Sugestão partiu da equipe do vice-presidente, Hamilton Mourão, para conter a grilagem e a exploração de áreas na Amazônia. Presidente disse que demitirá quem levantar possibilidade, "a não ser que essa pessoa seja indemissível"

O presidente Jair Bolsonaro chamou de “delírio” a proposta de expropriar terras, no campo e na cidade, que tenham registros de queimadas e desmatamentos ilegais. A ideia consta em documento do Conselho Nacional da Amazônia Legal, presidido pelo vice-presidente Hamilton Mourão, conforme informações do jornal O Estado de S. Paulo, em reportagem publicada na última quarta-feira (11/11).

[não acreditamos que o vice-presidente seja o autor de uma ideia que ofende o direito de propriedade ou que apoie bizarrice de tal tipo;
deve ser coisa de algum quinta-coluna na equipe do general Mourão, com o objetivo de queimar a imagem do vice-presidente, general Hamilton Mourão.
Quanto ao afirmado pelo presidente abaixo, último parágrafo, nos parece uma explicação adequada, já que o presidente não tem interesse, nem direito, de cassar do seu vice-presidente o direito de ter opinião. E, não sendo o general Mourão seu assessor não é surpresa que fiquem dias sem conversar sobre diversos assuntos - os quais não incluem generalidades banais, que quando conversadas não costumam ser citadas.
A depender de parte da imprensa se o general Mourão ou um ministro do governo Bolsonaro espirrar e não comunicar ao presidente, ou vice-versa, será considerado o inicio de uma crise.] Ainda na manhã desta quinta-feira (12/11), o presidente disse a apoiadores, no Palácio da Alvorada, que “não existe nenhuma hipótese nesse sentido”. E fez referência a Mourão.“Eu vi essa matéria do Estadão, hoje. Ou é mais uma mentira ou alguém deslumbrado do governo resolveu plantar essa notícia aqui. A propriedade privada é sagrada. Não existe nenhuma hipótese nesse sentido. E, se alguém levantar isso aí, eu simplesmente demito do governo, a não ser que essa pessoa seja ‘indemissível’”, afirmou, referindo-se a Mourão, mas sem citá-lo.

Reportagem do Estadão mostrou que documento do conselho fala sobre expropriar propriedades, no caso de cometimento de crime ambiental em área privada ou pública. Propõe, ainda, confiscar “todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do crime de grilagem ou de exploração de terra pública sem autorização". A ideia seria enviar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), em 2021, ao Congresso Nacional.

Na última segunda-feira (09/11), depois que Mourão disse que o presidente estava aguardando o fim do imbróglio eleitoral nos Estados Unidos para parabenizar o presidente eleito Joe Biden, Bolsonaro disse à emissora de tevê CNN: “O que ele [Mourão] falou sobre os Estados Unidos é opinião dele. Eu nunca conversei com o Mourão sobre assuntos dos Estados Unidos, como não tenho falado sobre qualquer outro assunto com ele".

Correio Braziliense


sábado, 20 de junho de 2020

Pensando o impensável - O Estado de S. Paulo

Bolívar Lamounier


Resultado mais provável da ruptura da ordem parece-me ser um longo período de anarquia
Um momento histórico que eu gostaria de ter presenciado aconteceu no dia 1.º de novembro de 1944: um breve encontro entre o ministro da Justiça, Marcondes Filho, e o general Eurico Dutra. O relato está no ótimo livro de Paulo Brandi Vargas: da Vida para a História (Zahar, 1985, pág. 178).

Desde a entrada do Brasil na guerra contra o fascismo, Getúlio pressentia que não conseguiria manter sua ditadura. Em 1943, o Manifesto dos Mineiros desafiou a censura e escancarou o debate sobre a redemocratização. A presença da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, com apoio dos Estados Unidos, apontava para um ponto sem retorno. Nos meses seguintes, a pressão contra Getúlio alastrou-se rapidamente nas Forças Armadas. No final de outubro os generais Góes Monteiro e Eurico Dutra procuraram-no para insistirem na convocação de eleições. Getúlio aquiescia sem aquiescer. Cogitava de transitar para um regime híbrido, cujo comando permanecesse em suas mãos. Foi nessa altura que se deu o encontro de Marcondes Filho com o general Eurico Dutra.

O ministro havia rascunhado um projeto de lei eleitoral de teor corporativista, ou seja, baseado na representação por categorias profissionais, formato característico da tradição fascista. Foi quando, respondendo a Marcondes Filho, Eurico Dutra disse-lhe, curto e grosso: “Não é isso, não, dr. Marcondes, é eleição mesmo...”. O referido momento parece-me assinalar com clareza a opção das Forças Armadas por uma identidade propriamente de Estado, impessoal, baseada na hierarquia e na disciplina, com a consequente rejeição do modelo de uma guarda pretoriana, ou seja, de uma milícia a serviço de um caudilho qualquer. as tal modelo não era isento de problemas. Nos anos 30, sob a decisiva influência do general Góes Monteiro, ganhou corpo o modelo de uma organização tutelar, destinada não somente à defesa externa do País, mas legitimada para também atuar ponte sua no plano interno.

Os apontamentos acima ajudam a compreender o artigo 142 da Constituição de 1988, que alguns juristas chegam a interpretar até mesmo como uma autorização para as Forças Armadas atuarem como um Poder Moderador, dirimindo impasses entre os três Poderes. Não chego a tanto, mas, de certa forma, vou além, pois, no trecho a seguir, tal artigo me parece virtualmente ininterpretável: “...(as Forças Armadas) destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. O trecho grifado admite a esdrúxula hipótese de as Forças Armadas – no tocante à manutenção da lei e da ordem no plano interno – serem convocadas por dois ou até pelos três Poderes ao mesmo tempo. Considerando, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal (STF) é o guardião da Constituição, instância última, portanto, da legitimidade política, cabe a ele esclarecer quando e em que termos as Forças podem ser convocadas – uma rima que em nada melhora o soneto.

A questão acima suscitada parece-me assumir contornos graves no presente momento, visto que agora não se trata de um imbróglio constitucional em abstrato, mas de uma conjuntura que muitos têm descrito como uma “tempestade perfeita”: em meio a uma terrível epidemia e a uma crise econômica sem precedentes, temos tido frequentes atritos entre os Poderes e um presidente da República pouco propenso a observar os limites e a liturgia do cargo que ocupa. Como se não bastasse, as Forças Armadas assumiram uma presença excessiva no Executivo, emprestando-lhe, por conseguinte, uma legitimidade que cedo ou tarde reduzirá a estima em que são tidas pela sociedade brasileira.  Acrescente-se que o protagonismo apaziguador do Legislativo esbarra em severos limites no presente momento, uma vez que a composição do Congresso Nacional ainda deixa a desejar, não obstante as reformas que se tem tentado fazer.

Por último, mas não menos importante, é preciso levar em conta o clima de radicalização, acentuado a partir das eleições de 2018, e os frequentes apelos que certos setores têm feito no sentido não só de tumultuar, mas efetivamente de solapar o regime democrático, exigindo alguma forma de intervenção militar. Um ponto fundamental que tais setores não parecem compreender é que o Brasil de 2020 é muito diferente do de 1964. Naquele ano, bastou às Forças Armadas prender umas poucas centenas de pessoas para assumirem o controle do País. Hoje a população brasileira é muito maior, está concentrada em grandes cidades e é muito mais diversificada, politizada e atenta. Mercê dos meios eletrônicos de comunicação, consegue se mobilizar com extrema facilidade. Tais mudanças não necessariamente conferem vantagem a algum dos grupos que se digladiem num hipotético confronto, até porque o resultado mais provável de qualquer ruptura da ordem parece-me ser um prolongado período de anarquia, ao fim da qual tudo estará mais ou menos na mesma, só que muito pior. [se os inimigos do Brasil levarem ao que pode se transformar em um período de anarquia, o restabelecimento da ordem não será feito pela Constituição e sim pelas Forças Armadas.
Anarquia é fruto da anomia ou leva o país àquela condição.]
Bolívar Lamounier, cientista político - O Estado de S. Paulo


segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Brasil convidou e desconvidou Cuba e Venezuela para posse

Bolsonaro: “Ele (Maduro) com certeza não vai receber (um convite para a posse)”.


Maduro não foi convidado para posse de Bolsonaro, diz futuro chanceler

O governo brasileiro convidou e desconvidou Cuba e Venezuela para a posse do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL).  

 Em nota, o Itamaraty afirmou que recebeu a recomendação para convidar todos os chefes de Estado e de Governo dos países com os quais o Brasil mantém relações diplomáticas. Em um segundo momento, foi recebida a recomendação de que Cuba e Venezuela não deveriam mais constar da lista, o que exigiu uma nova comunicação a esses dois governos. 
"Em respeito ao povo venezuelano, não convidamos Nicolás Maduro para a posse do presidente Bolsonaro. Não há lugar para Maduro numa celebração da democracia", escreveu, pelo Twitter, Ernesto Araújo

Sem considerar o imbróglio, Bolsonaro afirmou no domingo (16) que não os convidaria.
"Ele (Maduro) com certeza não vai receber (um convite para a posse). Nem ele, nem o ditador que substitui Fidel Castro... Fidel Castro não, Raúl Castro."
Segundo o presidente eleito, a razão é a ditadura. "Não podemos admitir ditadura. O povo lá não tem liberdade."



O futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou hoje (16), em sua conta no Twitter, que o presidente venezuelano Nicolás Maduro não foi convidado para a posse do presidente eleito, Jair Bolsonaro, no dia 1º de janeiro. São esperados chefes de Estado e de governo para a posse.
“Em respeito ao povo venezuelano, não convidamos Nicolás Maduro para a posse do PR Bolsonaro. Não há lugar para Maduro numa celebração da democracia e do triunfo da vontade popular brasileira. Todos os países do mundo devem deixar de apoiá-lo e unir-se para libertar a Venezuela, escreveu em um post na rede social.
Bolsonaro e Araújo já criticaram o regime do presidente Maduro em outras ocasiões, mas disseram que o Brasil vai continuar a acolher os venezuelanos que entrarem no país.

Horas após a fala de Bolsonaro, o chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, publicou no Twitter as imagens do convite e afirmou que o presidente Nicolás Maduro nunca considerou participar da posse "de um presidente que é a expressão da intolerância, do fascismo e da entrega a interesses contrários à integração da América Latina e Caribe".

O Itamaraty, entretanto, destaca que a organização da posse é feita em coordenação com o governo eleito. "Os atos são formalizados pelo governo atual (até primeiro de janeiro de 2019, como previsto na Constituição), após consulta à equipe que assumirá na ocasião", diz trecho da nota.  

O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Muito a explicar

Desde o começo desse incrível imbróglio, esperava-se que Rodrigo Janot, comprovadamente despreparado para o cargo que ocupa, pedisse demissão. 

Já que decidiu ficar, então que ao menos reconheça seus inúmeros erros

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse que “nunca se viu, em toda a nossa história, tantas investigações abertas e tantos agentes públicos e privados investigados, processados e presos”, razão pela qual resta à defesa dos implicados “tentar desconstruir, desacreditar a figura das pessoas encarregadas do combate à corrupção”. Foi uma forma nada sutil de se referir às críticas que ele e sua equipe vêm sofrendo em razão do espantoso acordo de delação premiada com o empresário Joesley Batista e do açodamento das denúncias contra vários políticos e altas autoridades sem o devido embasamento. Segundo Janot, quando há uma grande ofensiva contra a corrupção como a que ele e outros procuradores da República conduzem, “muitas pernas tremem”.

São palavras de quem, ele sim, precisa se defender. Ninguém no Brasil, salvo os criminosos, se opõe à luta contra a corrupção. Muito ao contrário: a Lava Jato e operações congêneres resultam da resolução dos brasileiros de atacar esse que é um dos principais flagelos nacionais. O que tem causado profundo incômodo é o messianismo dos que se julgam em uma cruzada moral contra os políticos em geral, comportamento que os induz a agir algumas vezes em desafio ao Estado de Direito, como se a causa justificasse o atropelamento da lei. Esse incômodo aumenta consideravelmente quando se observa que Janot tem sido incapaz de esclarecer as diversas dúvidas e suspeitas que surgiram sobre os procedimentos de integrantes da Procuradoria-Geral desde que veio à luz a bombástica delação de Joesley Batista.

Uma instituição como a Procuradoria-Geral, dedicada a defender a ordem jurídica, deveria ser a campeã da transparência. No entanto, o que se tem observado é que, dia após dia, surgem informações que indicam um comportamento reprovável de alguns de seus integrantes envolvidos nas nebulosas negociações do acordo com Joesley, sem que o procurador-geral tenha sido capaz de dar explicações plausíveis para isso. O máximo que consegue é dizer-se “ludibriado”.

O caso mais célebre é o do ex-procurador Marcelo Miller, que, ao que tudo indica, orientou o Grupo J&F e o empresário Joesley Batista a elaborarem os acordos de leniência e de delação premiada quando ainda era integrante da Procuradoria-Geral e um dos principais assessores de Rodrigo Janot. O próprio Janot já admitiu a ação de seu ex-assessor e pediu a prisão de Miller, que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, indeferiu – embora, em seu despacho, tenha dito que são “consistentes” os indícios de que Miller praticou o delito de obstrução de Justiça.

A exótica decisão de Fachin é apenas mais um elemento carente de explicação numa história que causa espanto contínuo e progressivo – a começar pelo fato de que ela só veio à luz em razão do estranho acaso da entrega de uma gravação involuntária de Joesley Batista que, entre um drinque e outro, conta como se associou a procuradores para obter a desejada imunidade total.

Com esse novo escândalo, surgiram suspeitas de que, além de Marcelo Miller, ao menos outros dois procuradores, muito próximos de Rodrigo Janot, teriam atuado em favor de Joesley. Recorde-se, a propósito, que um outro procurador chegou a ser preso, em maio, sob acusação de ser informante de Joesley.

Ou seja, há robustas razões para cobrar de Janot esclarecimentos sobre o que se passa no Ministério Público sob sua chefia. De nada adianta dizer-se enganado. É preciso que o procurador-geral pare de insultar a inteligência dos cidadãos – como quando disse que conversou apenas sobre “amenidades” ao ser flagrado em encontro fora da agenda, atrás de engradados de cerveja num botequim de Brasília, com um dos principais advogados de Joesley na véspera da prisão do empresário.

Desde o começo desse incrível imbróglio, esperava-se que Janot, comprovadamente despreparado para o cargo que ocupa, pedisse demissão. Já que resolveu ficar, então que ao menos reconheça seus inúmeros erros, que tanto custaram ao País, em vez de maliciosamente atribuir a seus críticos a pecha de inimigos da Lava Jato.


Fonte: Editorial - O Estado de S. Paulo