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sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Arcebispo de São Paulo, Dom Odilo se manifesta contra o aborto após voto de Rosa Weber - O Globo

O arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, usou as redes sociais para sustentar a posição da Igreja Católica contra o direito ao aborto. Na manhã desta sexta (22), horas após o voto da ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a favor da descriminalização do aborto em até 12 semanas de gestação no julgamento no Plenário Virtual, ele publicou uma imagem que remete ao momento em que Jesus foi reconhecido, ainda como embrião, na barriga de Maria.

A publicação de Dom Odilo, na rede social X (antigo Twitter) relembra um momento narrado na Bíblia. João Batista é considerada a primeira pessoa a reconhecer Jesus
As mães de João e Jesus - Isabel e Maria - eram parentes, e o episódio aconteceu durante um encontro entre elas. Isabel, que seria estéril, já estava grávida de seis meses. 
 
O milagre da gravidez de Isabel foi avisado pelo anjo Gabriel, que depois visitou Maria e afirmou que ela teria o menino Jesus. 
Após a profecia de Gabriel, as duas se encontraram. 
Ao tocar a barriga de Maria, o feto João Batista, no ventre de Isabel, teria se agitado, o que é considerado o primeiro momento de "adoração" a Jesus, ainda um embrião
Segundo entendimento de correntes da igreja, esse episódio simboliza a vida antes do nascimento.

Em janeiro, após o Ministério da Saúde ter revogado portarias da época da gestão de Jair Bolsonaro que dificultavam o acesso ao aborto legal, Dom Odilo já havia se manifestado sobre o tema, enfatizando sua posição contrária ao aborto.

O que diz o julgamento sobre a descriminalização do aborto?

Rosa Weber é relatora do processo que tramita desde 2017 no STF e foi proposto pelo PSOL. Na ação, a legenda pede para que a Corte exclua do âmbito de incidência de dois artigos do Código Penal os abortos que forem praticados nas primeiras 12 semanas de gestação.

Em 2016, durante a análise de um caso específico que foi julgado pela Primeira Turma do STF, a ministra votou a favor da tese de que aborto até o terceiro mês de gravidez não é crime. [ministra: pode até não ser crime, mas é PECADO MORTAL e os criminosos - a mãe assassina, aborteira e todos que a julgarem terão como juiz  o único JUIZ SUPREMO = DEUS.]
 A expectativa é que o novo julgamento seja paralisado depois do voto da ministra
O GLOBO apurou que a tendência é que, logo após a manifestação de Rosa, o ministro Luís Roberto Barroso, próximo presidente da Corte, peça destaque — levando o caso o para o plenário físico.

Como é e como pode ficar a lei sobre o aborto
Atualmente, o aborto é criminalizado no Brasil, exceto quando a interrupção da gravidez é a única forma de salvar a vida da gestante, quando a gravidez é decorrente de estupro ou em caso de anencefalia fetal. 
Os primeiros permissivos legais estão vigentes desde 1940, pelo Código Penal, e o último desde 2012, após uma decisão do STF.

Quem tem direito ao aborto no Brasil?
Nos casos em que é permitido, o aborto deve ser oferecido no sistema público de saúde, em qualquer estabelecimento que tenha a equipe necessária. 
Porém, na prática, o serviço acaba ficando restrito a poucos hospitais. Mesmo nos casos em que é autorizado por lei, o aborto gera reação contrária de entidades e grupos conservadores e religiosos. 
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por exemplo, divulgou nota criticando a retomada dos debates.

Na ação que agora tramita no STF, o PSOL pede que se exclua do âmbito de incidência dos dois artigos a interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 12 semanas de gestação, alegando a violação de diversos princípios fundamentais. Para o partido, os dispositivos questionados ferem princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, a cidadania, a não discriminação, a inviolabilidade da vida, a liberdade, a igualdade, a proibição de tortura ou o tratamento desumano e degradante, [o partideco fala em tortura e tratamento desumano, veja o vídeo e comprove o que é tortura, crueldade, tratamento desumano.]a saúde e o planejamento familiar das mulheres e os direitos sexuais e reprodutivos.

Em 2018, durante uma audiência pública realizada no Supremo sobre a ação que questiona a criminalização do aborto, Rosa Weber afirmou que, uma vez provocado, o Judiciário deve agir.— Toda questão submetida à apreciação do Judiciário merecerá uma resposta. Uma vez provocado, o Judiciário tem de se manifestar — disse a ministra na ocasião.

Brasil - Coluna em O Globo

 

quarta-feira, 1 de março de 2023

Deputados conservadores tentam impedir mudança de regras sobre aborto no governo Lula

Gabriele Bonat - Defesa da Vida

Deputada Chris Tonietto (PL-RJ) foi um dos parlamentares que apresentou projeto de lei contra mudanças nas regras sobre aborto
Deputada Chris Tonietto (PL-RJ) foi um dos parlamentares que apresentou projeto de lei contra mudanças nas regras sobre aborto| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Parlamentares pró-vida protocolaram, no início deste mês, três projetos de lei com o objetivo de impedir a mudança de regras nos casos de aborto decorrente de estupro. A ação ocorre após a ministra da Saúde, Nísia Trindade, ter revogado a portaria que obrigava médicos a avisar autoridades policiais ao procederem com a prática de aborto cuja gravidez tenha sido resultado de violência sexual.

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A portaria cancelada, que havia sido criada no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), previa que os profissionais de saúde deveriam “preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro a serem entregues imediatamente à autoridade policial”. Com a revogação, volta a ser mais difícil que crimes de estupro sejam investigados e punidos pelas autoridades. [governo do petista quer a impunidade total = bandidos nas ruas e pessoas de BEM presas.] Além disso, é mais fácil que o aborto seja praticado em casos que a lei prevê que não há punição sob falsas alegações de estupro.


O que propõem os deputados

O primeiro projeto de lei, de autoria do deputado federal Junio Amaral (PL-MG), foi apresentado em 2 de fevereiro, dia seguinte ao retorno das atividades na Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei 183/2023 propõe alteração na Lei nº 8.080/1990 para estabelecer mudanças sobre o procedimento de justificação e autorização do aborto provocado no caso de gravidez resultante por estupro.

A proposta prevê um relato circunstanciado do estupro, realizado pela própria gestante, para dois profissionais de saúde; emissão de parecer técnico pelo médico responsável e assinatura da gestante (ou do responsável legal, se for menor de idade) nos Termos de Responsabilidade, de Consentimento Livre e Esclarecido e de Aprovação de Procedimento de Aborto Provocado.

 O caso de estupro também deverá ser comunicado à autoridade policial responsável, e a equipe médica deverá preservar evidências materiais do crime de estupro “a serem entregues imediatamente à autoridade policial ou aos peritos oficiais, tais como fragmentos de embrião ou feto com vistas à realização de confrontos genéticos que poderão levar à identificação do respectivo autor do crime”.

O projeto também estabelece que a equipe multiprofissional de saúde deve prestar esclarecimentos à gestante sobre os desconfortos e possíveis riscos à saúde relacionados ao procedimento e explicar como será realizada a intervenção.

Na justificava, o deputado afirmou que a medida que foi revogada pela ministra da Saúde ajudava a proteger a gestante, garantia a segurança jurídica da equipe de saúde e contribuía para a investigação policial para a rápida punição dos criminosos. À reportagem, Junio Amaral disse que a chegada de novos integrantes, nesta legislatura, para reforçar a bancada pró-vida da Câmara deve ajudar no avanço dessa e de outras pautas relacionadas à defesa da vida. “Acredito que haja clima na Câmara para a aprovação do projeto, por ser uma regulamentação responsável de uma matéria tão sensível ao brasileiro, principalmente pelo nosso país ter um povo pró-vida e, consequentemente, representantes na Câmara que defendem a vida como direito fundamental e tratam com responsabilidade as exceções da lei penal”, avalia o deputado.

O deputado federal Milton Vieira (Republicanos-SP) também protocolou, no dia 6 de fevereiro, um projeto de lei (301/2023) para estabelecer que, nos casos de aborto resultante de estupro, a violência sexual seja comunicada às autoridades policiais. A proposta também prevê que sejam preservadas possíveis evidências materiais do crime de violência sexual para serem entregues à polícia.

Na justificativa, o parlamentar destacou que a comunicação à autoridade policial visa proteger as mulheres ao tentar impedir a ocorrência de novos casos. “Não se pode esquecer que o estupro é um crime e todo crime deve ser notificado, até mesmo para permitir ações que visem à prisão do criminoso”. Ele argumenta que a revogação da portaria se mostra “inequivocamente prejudicial para as mulheres de nosso país”. “Se a notificação não for feita, menores serão as chances de se investigar os casos e punir os culpados”, frisou.

Outra parlamentar que tenta barrar a recente mudança de regras sobre o aborto é a deputada Chris Tonietto (PL-RJ). Ela protocolou, também em 6 de fevereiro, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 23/2023 para sustar os efeitos da portaria do Ministério da Saúde.

À Gazeta do Povo, Tonietto disse que a portaria do novo governo Lula é uma afronta à legislação infraconstitucional e contraria a moralidade administrativa, pois nega a execução da lei penal e da lei processual penal, “dificultando, consequentemente, a investigação dos crimes de estupro e, como que tacitamente, esvaziando a aplicabilidade da Lei n° 13.718, de 24/09/2018. Isto é, a norma revogadora nega exequibilidade à mencionada lei”, abordou.

Por isso, em relação ao conteúdo da sua proposta, ela diz que "a discussão é mais sobre legalidade e competência do ato de legislar do que uma discussão puramente ideológica”, acrescentou.

Questionada sobre as expectativas de avanço do projeto de lei na Câmara, ela destacou que ainda não é possível ter dimensão de como se comportarão os parlamentares na atual legislatura. “Temos uma bancada de oposição que é de tamanho considerável, mas ainda estamos conhecendo alguns parlamentares de primeira legislatura que não sabemos se possuem um posicionamento tão firme contra o aborto”, disse.

Gabriele Bonat,  jornalista - Gazeta do Povo - Vida e Cidadania


quinta-feira, 30 de junho de 2022

Duas histórias tristes - Luciano Trigo

VOZES - Gazeta do Povo

Dois casos bastante tristes mobilizaram as redes sociais na última semana. Infelizmente, os dois episódios demonstram que a disposição das pessoas para julgar e dar palpite em assuntos dos quais apenas ouviram falar, sem conhecer qualquer detalhe, só faz aumentar.

                                  Foto: Reprodução Instagram

As redes sociais empoderaram os ignorantes, os imbecis, os ressentidos, os furiosos. E a internet se torna, cada vez mais, uma arena onde a barbárie corre solta, com todos dando livre vazão aos seus piores instintos. Parece que a razão de viver dessa gente é apontar o dedo e eleger o Judas Iscariotes da vez, para linchar e esfolar – sempre em nome da virtude, da tolerância e da democracia.

Piora as coisas o fato de a turba desconhecer gradações: nos julgamentos sumários que ela promove só existem heróis e vilões, bandidos e vítimas, santos e genocidas. O mundo pelo menos o mundo que se manifesta nas redes sociaisé maniqueísta: não há espaço para contrapontos, nem para a diversidade de opiniões e pontos de vista; não existem tons de cinza, apenas o preto e o branco, o bem contra o mal.

E a sentença é sempre a mesma, aliás executada por quem acusa e julga: o cancelamento e o linchamento virtual. Viramos uma sociedade de abutres, na qual não há preocupação nem empatia sinceras com a dor do outro.

Nos dois casos em questão neste artigo: não há preocupação nem empatia sinceras nem com a menina grávida, nem com a jovem estuprada, nem com o feto descartado como lixo, nem com o bebê entregue para adoção.  Os virtuosos criticam ferozmente a exposição dessas vítimas, mas, justamente para ostentar virtude, as expõem ainda mais. Porque, no fundo, vítimas só interessam como personagens de uma narrativa pré-fabricada, em prol da imposição de uma agenda que em tudo contraria os valores e crenças do brasileiro comum: a agenda da defesa do aborto. Muitos caem de inocentes na manipulação; outros agem de forma mal-intencionada mesmo.

Desnecessário recapitular os dois episódios. Só pretendo chamar a atenção para aspectos relevantes que foram totalmente (deliberadamente?) ignorados pela grande mídia e pelos ativistas das redes sociais (que, aliás, se tornaram os principais pautadores da grande mídia).

No caso da menina grávida, houve sim um crime horrível, e a menina, por óbvio, é a vítima. Mas o crime cometido e seus perpetradores são bem diferentes daqueles inicialmente apontados. A julgar pelo que disse o delegado que investiga o caso, depoimentos indicam que a menina de 11 anos mantinha relações consensuais com o namorado de 13, de quem engravidou, aliás filho de seu padrasto (!?).

Sendo isso verdade, a menina não foi estuprada por um adulto, como fizeram crer as primeiras manchetes. E, sendo o próprio pai da criança gerada menor de 14 anos, surgem complicações jurídicas que tornam o caso muito mais complexo do que nos foi vendido.

Mas o tratamento dado ao caso pela grande mídia não apenas ignorou solenemente esses “detalhes” como ensejou a tentativa de assassinato de reputação de uma juíza, apresentada como criminosa por buscar uma solução alternativa, que preservasse o feto inocente (a antecipação do parto e entrega do bebê para adoção). A este ponto chegou o nosso jornalismo.
Quem contribui para criar um ambiente no qual crianças são erotizadas e os pais não têm mais nenhuma ascendência sobre os filhos?

Eduardo Cabette faz uma análise percuciente do episódio, do ponto de vista legal, neste artigo. Mas o que importa considerar aqui é que a destruição da família e de valores morais compartilhados pela sociedade, processo que avança a pleno vapor, gera situações tão absurdas que a lei já não dá mais conta.

As perguntas que ninguém fez são: 
- onde estavam os pais dessas duas crianças? 
- Estavam cientes das relações sexuais entre elas? 
Fato é que algo assim só pode acontecer em uma sociedade na qual a instituição familiar já está severamente abalada. 
E quanto mais atacarem os valores associados à família, mais frequentes serão esses episódios.
 
Mas quem contribui diariamente para criar um ambiente no qual crianças são erotizadas e os pais não têm mais nenhuma ascendência sobre os filhos? 
São os conservadores? [certamente que não.]
Ou é a militância progressista incrustada nas universidades, nas redações e no Judiciário?

Somente o cinismo e a má-fé podem explicar o fato paradoxal de que justamente aqueles que se dedicam incessantemente a destruir a instituição familiar tentam simular uma indignação histérica quando meninas engravidam e ainda apontam o dedo para quem defende a família.

A alternativa apresentada pela juíza cancelada à menina grávida (supostamente) do namorado foi, aliás, a alternativa escolhida pela jovem atriz, esta sim vítima de estupro – que se viu obrigada a se manifestar publicamente depois que um site expôs sua história de forma calhorda.

Ela também tinha a justificativa legal para um aborto, já que a gravidez foi consequência de um estupro, mas escolheu levar adiante a gestação até o fim e entregar o bebê para adoção. Tudo isso em silêncio, sem posar de heroína. Seguramente foi uma escolha sofrida e que pode ser considerada controversa, mas muito mais humana que a de eliminar o feto.

Fica a pergunta:
por que o tema da entrega para adoção não se faz mais presente no debate sobre o aborto?

Também na semana que passou, na esteira de protestos dos abortistas americanos contra a decisão da Suprema Corte que anulou a garantia federal ao direito de aborto, uma imagem trágica circulou nas redes sociais: a fotografia de uma mulher grávida que rabiscou na própria barriga a frase “not yet a human” (“ainda não é um humano”), referindo-se ao bebê que carrega no ventre
É difícil encontrar palavras para classificar esse gesto: uma mulher que afirma que o ser que ela sente vivo dentro dela, cuja vida ela gera, não é humano.
 
O aborto nunca foi e nunca será um tema trivial, por mais que se esforcem para nos convencer de que um feto “ainda não é um humano”, ou de que eliminar um feto é um direito reprodutivo” da mulher, um ato tão insignificante quanto descartar uma roupa velha ou um objeto indesejado
Qualquer pessoa que já tenha ouvido o coração do seu filho bater durante uma sessão de ultrassonografia, durante uma gestação, sabe, em um nível muito profundo, que isso é apenas uma mentira.

Voltarei ao tema no próximo artigo, em que abordarei as origens intelectuais da agenda abortista – e seus vínculos com o pensamento marxista.

Luciano Trigo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


sexta-feira, 13 de maio de 2022

O ativismo judicial e a barbárie - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

O que também está no centro desse debate não é apenas a proteção à vida humana, mas a manutenção do federalismo, um dos pilares mais preciosos da República norte-americana

Um dos casos de extravagante ativismo da Suprema Corte norte-americana continua dominando os noticiários e os veículos de comunicação aqui nos Estados Unidos, depois que um documento sigiloso foi vazado na última semana, fato inédito e criminoso, de que a Corte pode reverter o polêmico caso Roe vs. Wade. Para entendermos as raízes do raro ativismo de uma Corte estritamente constitucional, permitam-me voltar ao caso de 1973.

Em 1969, Norma McCorvey, uma mulher do Texas, na casa dos 20 anos, tentava interromper uma gravidez indesejada. Na época, o aborto era legal no Texas, mas apenas com o propósito de salvar a vida da mãe. McCorvey procurou então duas recém-formadas advogadas da Escola de Direito da Universidade do Texas e, juntas, entraram com uma ação federal contra Henry Wade, promotor público do condado de Dallas, onde McCorvey morava. A ação alegava que a lei do Estado violava os direitos constitucionais da autora, que passou a ter o pseudônimo de “Jane Roe”, para proteger sua identidade.

No cerne da decisão da Corte de 1973 está a 14ª Emenda da Constituição norte-americana, que tem em sua cláusula de devido processo a seguinte declaração: “Nenhum Estado fará ou fará cumprir qualquer lei que restrinja os privilégios ou imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem qualquer Estado privará qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal; nem negar a qualquer pessoa dentro de sua jurisdição a proteção igual das leis”.

Pois bem, puxando a Declaração de Direitos e a cláusula do devido processo da 14ª Emenda para esse caso, a Suprema Corte norte-americana criou implicitamente uma “zona de privacidade”. O tribunal decidiu dar aquela distorcida na Constituição, manobra tão familiar aos brasileiros, e decidiu “levantar” um possível “direito fundamental à privacidade” presente na 14ª Emenda que englobaria o direito de a mulher decidir, junto com sua família e seu médico, se deveria ou não continuar uma gravidez. O Tribunal concluiu que a zona era “ampla o suficiente para abranger a decisão de uma mulher de interromper ou não a gravidez”, num dos casos de maior ativismo judicial da história dos Estados Unidos.

Logo após a decisão de Roe vs. Wade ser proferida, o juiz da Corte Harry Blackmun, redigindo a opinião da maioria, determinou que incluíssem na cláusula um direito implícito à privacidade para as mulheres que decidissem interromper a gravidez. Blackmun sustentou que tal direito a partir daquele momento se tornava uma parte indivisível da “liberdade à privacidade” de cada norte-americano, que é especificamente protegida na cláusula de devido processo da 14ª Emenda; e que tal proteção mais do que supera qualquer interesse do Estado em usar estatutos do aborto — como tantos outros Estados têm — para regular a conduta sexual, mesmo que indiretamente. Um feto, acrescentou o juiz, “não é uma pessoa segundo a Constituição e, portanto, não tem direito legal à vida”, uma conclusão à qual incontáveis defensores da vida e contra o aborto se opõem violentamente. Blackmun também foi influenciado pelo fato de que a maioria das proibições ao aborto foi promulgada no século 19, quando o procedimento era mais perigoso do que em 1973. Ele acrescentou que diferentes padrões para diferentes estágios da gravidez são em grande parte um reflexo do progresso médico e que o aborto nos primeiros três meses havia se tornado pelo menos tão seguro quanto o parto.

Com o tempo que o caso demandou sendo levado até a Suprema Corte, Norma McCorvey deu à luz seu terceiro filho e entregou a criança para adoção, mantendo-se discreta após a decisão do tribunal. Embora na década de 1980 ela estivesse ativa no movimento pelo direito ao aborto, em meados da década de 1990, depois de fazer amizade com coordenadores de um grupo pró-vida e se converter ao catolicismo, ela se tornou uma oponente vocal do procedimento abortivo, declarando abertamente que havia sido usada pelos movimentos ativistas. Norma palestrou por todo o país contra as barbáries cometidas nas clínicas abortivas, como a Panned Parenthood, criada pela eugenista Margaret Sanger.

A verdade sobre a Planned Parenthood
Sanger abriu a primeira clínica de controle de natalidade nos EUA em 1916 e fundou a American Birth Control League em 1921, instituição que mudou o nome para Planned Parenthood em 1942. O movimento de controle de natalidade de Margaret Sanger e a busca pela pílula anticoncepcional cruzaram com a ascensão do movimento de eugenia na América. Numa época em que o controle de natalidade ainda não era aceito publicamente na sociedade norte-americana, alguns eugenistas acreditavam que esse controle era uma ferramenta útil para conter a procriação entre os “fracos”. A eugenia era um tema dominante em suas conferências sobre controle de natalidade, e, em 1920, Sanger falou publicamente sobre a necessidade de acabar com a procriação por pessoas “inaptas”, declarando abertamente que “o controle da natalidade é nada mais nada menos do que a facilitação do processo de eliminar os inaptos e de prevenir o nascimento de deficientes”.

Após a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto, a barbárie de qualquer ideia ligada à eugenia foi exposta, e o pensamento racista defendido por muitos logo foi esquecido. Mas enquanto Margaret Sanger era elogiada por seu papel na criação da pílula anticoncepcional na década de 1960, muitos na comunidade afro-norte-americana se lembraram de sua associação com a eugenia. Suspeitando de suas intenções, alguns ficaram chocados com seu apoio contínuo ao movimento de controle populacional, e muitos acreditavam que o motivo de Sanger não era ajudar as mulheres negras, mas eliminar futuras gerações negras. Ao promover o desenvolvimento da pílula anticoncepcional na década de 1950, Sanger havia anunciado como a panaceia para a superpopulação mundial, a fome e a pobreza. Sanger escreveu: “Considero que o mundo, e nossa civilização nos próximos 25 anos, vai depender de um anticoncepcional simples, barato, seguro, para ser usado em favelas, selvas e entre as pessoas mais ignorantes”.

A organização pró-vida estima que mais de 63 milhões de abortos ocorreram de 1973 até maio de 2022

Embora as mulheres afro-norte-americanas apreciassem a eficácia e a confiabilidade dos contraceptivos orais e usassem o método em grande número, elas se ressentiam da maneira como as organizações dominadas por brancos pareciam empurrar a pílula nas comunidades negras. Curiosamente, até os dias de hoje, a grande maioria das clínicas abortivas da Planned Parenthood, que se travestem com slogans bondosos sobre “a saúde da mulher”, está em comunidades negras espalhadas pelo país. Vidas negras importam. Mas quais? Não a de bebês negros para muitos da bolha hedonista de Hollywood, para as feministas e para membros do Partido Democrata que juram proteger as minorias.

De volta ao caso Roe vs. Wade
Desde 1973, quando a Suprema Corte resolveu emendar a Constituição sem anuência das Casas legislativas (isso soa tão familiar, não é mesmo?), muitos Estados norte-americanos impuseram restrições — através de suas Casas legislativas — que enfraqueceram o ativismo pró-aborto. No entanto, milhões de norte-americanos continuaram divididos sobre o apoio ao direito da mulher de escolher o aborto, até que o novo partido de Joe Biden decidiu empurrar políticas extremas e radicais sobre o assunto. Nesta semana, por exemplo, o atual Partido Democrata foi derrotado no Senado, mesmo detendo maioria na Casa, diante de um projeto de federalização das leis abortivas que implementariam em todo o país a legalização do aborto até o último minuto gestação. Sim, você leu corretamente. Até o último minuto.

O que também está no centro desse debate não é apenas a sagrada proteção à vida humana, defesa importante para um país fundado em preceitos religiosos, mas a manutenção de um dos pilares mais preciosos da República norte-americana: o federalismo e a autonomia dos Estados de passar suas próprias leis, dentro da Constituição, de acordo com o que a população deseja. O que a Suprema Corte fez em 1973 foi tirar do povo o direito de decidir, seja através de seus representantes no Congresso, seja nas legislaturas estaduais. Se na Califórnia, no Texas, em Nova Iorque ou em Kentucky as questões polêmicas têm premissas muito diferentes, cabe ao povo, e somente ele, decidir que rumo tomar para essas decisões. Direito e dever que não pertencem a um bando de togados ativistas que “interpretam” a Constituição de acordo com o que pensam da sociedade.

Comitê Nacional do Direito à Vida
Mas nem só de documentos e palavras jurídicas vive o caso Roe vs. Wade. O Comitê Nacional do Direito à Vida (National Right to Life Committee — NRLC), a organização pró-vida mais antiga do país, estima que mais de 63 milhões de abortos ocorreram de 1973 até maio de 2022. A estimativa de quantas vidas foram ceifadas nos ventres de suas mães foi coletada por meio de dados de rastreamento dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e do Instituto Guttmache, que anteriormente serviu como um braço de pesquisa do proeminente provedor de aborto do país, a Planned Parenthood.

Como já explorado por mim em outros artigos aqui em Oeste, a eleição de Donald Trump em 2016 teve um impacto significativo no recente movimento da Corte em revisitar o caso e, possivelmente, revertê-lo, como mostra o documento vazado. Um dos pontos fortes da campanha de Trump em 2016 — e um dos motivos para a sua eleição — foi a possibilidade de indicar, no mínimo, dois nomes para a SCOTUS. Ao sair da Casa Branca, Donald Trump havia colocado centenas de juízes constitucionalistas nas esferas federais e três justices — originalistas e constitucionalistas — na Suprema Corte. E isso com a ajuda de milhões de votos de cristãos que, mesmo não gostando de Trump, votaram no republicano sonhando com a possível reversão de Roe vs. Wade.

A defesa ativista de Roe vs. Wade levou o tribunal a negar o próprio fundamento da Constituição norte-americana e da lei ocidental: os direitos naturais. Em uma passagem de uma decisão da Suprema Corte de 1992, no caso Planned Parenthood vs. Casey, o juiz Anthony Kennedy, nomeado por Ronald Reagan, escrevendo para a maioria, disse: “No coração da liberdade está o direito de definir o próprio conceito de existência, de propósito, de universo e do mistério da vida humana. Crenças sobre esses assuntos não podem definir os atributos da personalidade se fossem formadas sob coação do Estado”.

É claro que derrubar Roe não encerrará a luta para proteger a vida humana no útero, mas é a batalha mais importante nessa guerra, aqui nos Estados Unidos e também pelo que o caso simboliza no mundo. Sob Roe, os norte-americanos foram sitiados em seu próprio território e forçados a tentar várias táticas para contornar as restrições que a Suprema Corte colocou sobre todos os cidadãos. Com a queda de Roe, a política de aborto será definida pelos Estados — e há um argumento sólido de que o aborto é inconstitucional, embora ninguém espera que a Suprema Corte o adote neste caso. Desde que a decisão Roe vs. Wade foi emitida em 1973, o caso continua sendo um dos mais contenciosos na esfera pública, inspirou campanhas e movimentos políticos e gerou debates em todo o país em torno da ética, da religião, da biologia e do direito constitucional.

O simbolismo do fim de Roe vai além da bela e justa proteção à vida: será um triunfo da defesa fiel dos impotentes contra os poderosos, de juízes e niilistas de Washington a Hollywood. No entanto, os defensores da vida não devem ficar complacentes depois de derrubar Roe, pois tal decisão apenas devolverá a política de aborto aos processos norte-americanos comuns de democracia representativa, sagradamente protegidos nas fundações da República. Quando Roe cair, alguns Estados restringirão ou proibirão abortos eletivos, outros continuarão a celebrá-los e subsidiá-los. O movimento pró-vida ainda enfrentará muitas batalhas. No Brasil, o mesmo movimento da Suprema Corte norte-americana de 1973, da legislação do aborto pelas vias judiciárias, tenta ganhar fôlego e ares de normalidade. Para o ativismo a letra fria da lei, mas também podemos mostrar que existe um modo de vida melhor do que aquele incentivado por uma cultura do aborto.

Norma McCorvey faleceu em 2017, e em uma de suas últimas entrevistas ela disse: “Você lerá sobre mim nos livros de história, mas agora posso dizer que passei grande parte da minha vida dedicada a espalhar a verdade sobre a preservação da dignidade de toda vida humana, desde a concepção natural até a morte natural”. Que a luta de McCorvey não seja em vão. Sem Roe vs. Wade, as leis estaduais norte-americanas que protegem a vida humana no útero não serão constantemente bloqueadas pelos tribunais federais, e, assim, muitos Estados aplicarão prontamente as leis que restringem a crueldade e a barbárie contra vidas indefesas e sem voz dentro do ventre de suas mães.

Leia também “Os tiranos estão de luto”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste

 


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Tudo o que você precisa saber sobre a situação constitucional do aborto nos EUA - Gazeta do Povo

André Uliano

Em janeiro de 2018, durante a tradicional Marcha pela Vida (March for Life), realizada anualmente na capital dos Estados Unidos, o então Presidente Donald Trump afirmou categoricamente: “Na minha Administração, sempre defenderemos o primeiro direito da Declaração de Independência, que é o direito à vida”. (...)

“Estamos protegendo a santidade da vida e da família como a base de nossa sociedade.”

Quatro anos depois, é possível dizer que poucos presidentes tiveram tanto sucesso e atuaram de um modo tão efetivo sobre algum tema. Após três nomeações chave para a Suprema Corte Americana, tudo indica que os Estados Unidos estão prestes a superar uma de suas decisões juridicamente mais equivocadas e moralmente mais infames: a do caso Roe v. Wade, de 1973, quando o Tribunal fixou a tese de que a Constituição americana garantiria um suposto “direito ao aborto”, de modo que os Estados-membros não poderiam tutelar penalmente a vida intrauterina, salvo no final da gravidez e mesmo assim de modo bastante restrito.

Embora esse não seja o tema do texto de hoje, cabe aqui abrir um parêntese: quando ouvimos algum discurso de justificação do ativismo judicial, é comum que se busque legitimar tal prática como algo conveniente e até imprescindível para proteger direitos humanos. A análise histórica, no entanto, não revela um quadro tão simples. Historicamente, o ativismo judicial foi responsável por legitimar a escravidão e a opressão contra negros, dificultar o combate à criminalidade, inclusive em crimes de corrupção, e – como no caso Roe v. Wade – legalizar violações ao direito à vida. Portanto, não há nada que indique que a atuação judicial tenha seu vetor sempre voltado para uma melhoria dos direitos fundamentais e do Estado de Direito.

Mas voltando ao tema do tratamento jurídico-constitucional do aborto nos Estados Unidos, o atual panorama da matéria foi fixado, basicamente, em três precedentes: Roe v. Wade; Doe v. Bolton; e, Planned Parenthood v. Casey. Falaremos de cada um deles à frente.

Entretanto, o que é hoje mais relevante e colocou o assunto novamente sob os holofotes é o fato de que a atual composição da Suprema Corte, uma das mais brilhantes e humanistas de sua história recente, poderá reapreciar a matéria ainda em 2022, no julgamento do caso Dobbs v. Jackson. A causa já foi instruída e está pronta para ser decidida. A previsão é que isso ocorra no meio do ano.

Para compreender toda essa discussão, creio que precisamos abordar os seguintes pontos:
1)
Como era tratado o aborto nos Estados Unidos antes da decisão de Roe v. Wade;
2) Quais os casos centrais da jurisprudência americana sobre o aborto e qual o estado atual da questão;
3) Por que isso poderá mudar em breve.

Neste artigo, veremos os dois primeiros tópicos (o regime jurídico do aborto nos EUA até 1973 e no pós-Roe até os dias atuais). No artigo da semana que vem veremos por que isso, provavelmente, está prestes a mudar (pra melhor).

 Como era tratado o aborto no direito americano antes do caso Roe v. Wade?
Segundo pesquisa histórica realizada pelos professores Robert P. George, da Universidade de Princeton, e John Finnis, o qual lecionou em Oxford e Notre Dame, o nascituro já gozava de status de pessoa e proteção jurídica desde os clássicos da Common Law, sistema jurídico herdado pelos Estados Unidos a partir do direito inglês. Essa conclusão se baseou na análise de autores que figuravam como referência no período de fundação do direito americano, como Edward Coke, William Blackstone e Henry de Bracton, assim como em alguns julgamentos dos inícios do país.

Havia, no entanto, certa discussão acerca de quando iniciaria a tutela especificamente penal, ou seja, a partir de que momento da gestação se tornaria crime a ação contra a vida do nascituro. Alguns sustentavam que isso deveria ocorrer apenas a partir da sexta semana de gravidez, outros a partir do momento em que a mãe fosse capaz de sentir os movimentos da criança, o que era fixado por volta da 15ª semana. De todo modo, fora do direito penal, em outros ramos do direito, mesmo antes desses marcos temporais, o aborto já era coibido e considerado ilícito. Por exemplo: contratos para prática de abortos eram nulos e não se concediam autorizações para estabelecimentos que visassem prestar serviços de aborto.

Com o ingresso no século XIX e o avanço das ciências e da bioética, a proteção jurídica desde a concepção ganhou força e se tornou hegemônica. Como consequência, foi deflagrado um movimento por parte de médicos e juristas para corrigir todo o direito americano, fortalecendo a proteção jurídica e penal do ser humano desde quando concebido no ventre materno.

Assim, conforme estudo da historiadora do direito Mary Ziegler, da Florida State University College of Law, por volta de 1857, a American Medical Association iniciou uma campanha em favor da proteção penal da vida intrauterina, apresentando argumentos morais, científicos e práticos. A campanha fora extremamente bem-sucedida e pelo ano de 1880, todos os Estados americanos já haviam estabelecido legislações que estabeleciam forte proteção da vida intrauterina e criminalizavam a prática de abortos eletivos, com algumas poucas exceções relativas a riscos à saúde física da mãe.

Esse dado é muito importante, porque ele revela que quando os Estados Unidos adotaram a 14ª Emenda à sua Constituição, em 9 de julho de 1868, prevendo que “nenhum Estado privará qualquer pessoa da vida” (“nor shall any state deprive any person of life”), o sentido corrente da expressão (original public meaning) “qualquer pessoa” abrangia os nascituros desde a concepção. Logo, a Suprema Corte não teria como dizer – como infelizmente disse – que antes de 24ª semana de gestação não haveria interesse jurídico e respaldo constitucional para que os Estados tutelassem a vida intrauterina. Inclusive, como vimos no parágrafo anterior, foi exatamente nesse período em que a campanha pró-vida apresentava maior vigor no sentido de reformar a legislação a fim de ampliar a proteção jurídica da vida para desde o momento da concepção.

A prof. Mary Ziegler relata que esse quadro durou relativamente estável por cerca de um século. Em 1959, inicia-se um movimento contra aquele consenso. A American Law Institute começa, então, a minutar projetos de lei que flexibilizavam as regras sobre aborto, ampliando as exceções à sua criminalização, embora de modo ainda razoavelmente restrito. Alguns Estados, como Califórnia e Geórgia, chegaram a aprovar legislações que seguiam o projeto daquela organização. Mas foi em torno de meados da década de 60 do século passado, quando o movimento de contracultura atingiu em cheio o coração da América, que se iniciou um forte movimento pela ampla legalização do aborto: “feministas exigiam a revogação total de todas as restrições ao aborto, assim como membros do movimento de controle populacional (uma causa dedicada a conter o crescimento demográfico).”

Em 1970, os Estados do Havaí e Nova Iorque permitiram a prática de abortos eletivos, assim como Alaska e Washington. Essas legislações tiveram forte impacto no crescimento do número de manobras abortivas praticadas no país. Segundo dados do CDC, em 1970 foram 193.491 abortos legais praticados nos Estados Unidos, 52 para cada 1000 nascimentos. No ano seguinte, ele mais do que dobrou, chegando perto de meio milhão, sendo agora 137 para cada 1000 nascimentos. Em 1973, já era de 615.831 o número de abortos legais praticados na América, 196 para cada 1000 nascimentos. Ou seja, quase 1 a cada 5 crianças eram abortadas.

Numa crescente de aceitação na opinião pública, quando cerca de metade da população já apoiava a legalização do aborto, a Suprema Corte proferiu o julgamento do caso Roe v. Wade.
O que o direito constitucional americano diz sobre o aborto atualmente?
Como mencionado acima, o tratamento constitucional do aborto está hoje definido nos Estados Unidos, basicamente, por três precedentes: Roe v. Wade, Doe v. Bolton e Planned Parenthood v. Casey.

Vejamos cada um daqueles três casos inicialmente.
O que foi definido em Roe v. Wade?
O caso começou quando Norma McCorvey, uma jovem saudável de 21 anos, descobriu que estava grávida de seu terceiro filho. Desejando abortar, em março de 1970, litigando com o pseudônimo Jane Roe, ela processou o então Procurador-Chefe do Ministério Público do Texas, Henry Menasco Wade, requerendo que ele fosse obstado de ajuizar qualquer ação criminal em seu desfavor, caso ela de fato praticasse um aborto. Nessa época, a legislação criminal texana proibia o procedimento, exceto para proteger a vida ou a saúde da mulher. Em 1973, o caso foi julgado pela Suprema Corte americana.

O mais alto tribunal do país, no precedente que leva o pseudônimo da demandante e o sobrenome do Procurador-Chefe, Roe versus Wade, declarou inconstitucional o artigo do Código Penal do Texas que criminalizava o aborto. Mas não parou por aí: a Suprema Corte literalmente inventou um direito ao aborto. Os juízes alegaram que antes da 24ª semana de gravidez (início do terceiro trimestre) o feto não apresentaria viabilidade, assim compreendida como a "potencialidade do feto de viver fora do útero da mãe, ainda que com ajuda artificial". O critério utilizado é altamente controverso. De todo modo, partindo dessa premissa, o Tribunal concluiu que, no período de inviabilidade (dois primeiros trimestres de gravidez), a decisão sobre abortar ou não estaria resguardada pelo direito à privacidade, não havendo interesse legítimo dos Estados em proscrever a prática do aborto.

Com base em tal raciocínio,
a Suprema Corte proibiu que todos os estados americanos, assim como o governo federal, criminalizassem a prática de abortos eletivos, até a 24ª semana de gestação. O voto vencedor, que contou com a adesão de 7 dos 9 juízes, estabeleceu uma divisão da gravidez em três trimestres, e aplicou para cada um deles um regime jurídico próprio.

Em apertada síntese:
no primeiro trimestre, o aborto eletivo simplesmente deveria ser deixado sob livre decisão da gestante e seus médicos;
no segundo trimestre, o Estado poderia regular o aborto visando apenas a proteção da mãe, não do feto, implementando procedimentos razoáveis para assegurar a saúde materna;
por fim, no último trimestre (após a 24ª semana), quando se considerou que o feto já possuía viabilidade extrauterina, o Estado poderia regular e mesmo proibir criminalmente o aborto, exceto quando necessário, segundo juízo médico, para preservação da vida e saúde da mulher.

O que foi decidido, de relevante, no caso Doe v. Bolton?
Mesmo quanto ao último trimestre, no caso Doe v. Bolton, julgado no mesmo dia, mas que ficou bem menos famoso, a Suprema Corte decidiu que “os aspectos ‘físico, emocional, psicológico, familiar e de idade’ da mulher relacionam-se à sua saúde, autorizando que todos esses fatores possam ser levados em consideração para permitir o aborto após o sexto mês gestacional”.

Com isso, como bem constatou o Procurador da República Higor Rezende Pessoa:
“Na prática, a partir de 22 de janeiro de 1973, na linha dos precedentes Roe v. Wade e Doe v. Bolton, passa a América a permitir o aborto durante os nove meses de gravidez, tornando impossível a defesa da vida intrauterina por parte dos estados americanos ou do governo federal."
"Em resumo, o aborto passa a ser legal em qualquer circunstância (dificuldade financeira, conveniência social, rejeição do feto pelo sexo, por doença ou por motivo algum) durante os seis primeiros meses de gravidez; a partir do sétimo mês, o aborto é legal para resguardar a vida ou a saúde da mulher, sendo o último conceito (saúde) alargado pelo precedente estabelecido em Doe, que permite abortar até o nono mês, representando uma mudança radical no sistema jurídico de proteção da vida do nascituro nos Estados Unidos."

Quais foram as consequências dessas decisões da Suprema Corte?
O julgamento do caso Roe v. Wade chocou e polarizou a opinião pública americana.
E não foi para menos. É possível concluir com base nos dados que Roe deflagrou uma crise de violações a direitos humanos na América.

Segundo levantamento de Higor Rezende Ferreira, hoje, pelo menos 8 estados americanos permitem a realização do aborto até momentos antes do parto. A postura legislativa é tão radical que, dentre 198 países estudados no ano de 2017, os Estados Unidos encontravam-se entre um restrito grupo de 7 nações que admitiam o aborto após a 20ª semana de gestação. É importante salientar que as práticas abortivas utilizadas, especialmente em estágios mais avançados da gravidez, são manifestamente cruéis. Desde a decisão do caso Roe, mais de 60 milhões de abortos legalizados já foram praticados no país. Conforme levantamento do Instituto Guttmacher, abrangendo 7 estados americanos, “98.3% dos abortos nos EUA são eletivos, incluindo razões socioeconômicas, controle de natalidade e seleção de sexo do bebê. Os casos difíceis (hard cases) representam: em caso de estupro, 0.3%; incesto, 0.03%; real risco para a vida da mãe, 0.1%; riscos para a saúde da mãe, 0.8%; problemas de saúde dos fetos, 0.5%”.

As consequências da decisão da Suprema Corte acabaram por impulsionar fortemente o movimento pró-vida no país.

No campo jurídico, na própria década de 70, setores da sociedade e da academia, em larga medida envolvidos com movimentos pró-vida, começaram a desenvolver teorias de interpretação da Constituição mais fieis ao texto, à tradição do país e à intenção dos legisladores: é a fundação do chamado moderno originalismo. O Presidente Richard Nixon indicou o justice Rehnquist para a Suprema Corte, jurista alinhado com essa filosofia, o qual mais tarde chegou a ser Presidente da Suprema Corte e, em 1976, portanto pouco depois da decisão do caso Roe, escreveu famoso artigo crítico ao ativismo judicial.

Na década de 80, o icônico Presidente Ronald Reagan, vigoroso defensor de sociedades livres e responsáveis, e um dos principais nomes da vitória humanista contra o totalitarismo comunista, nomeou novos juízes para Suprema Corte, sobressaindo-se dentre eles o adepto das teorias originalistas e grande promotor dos direitos humanos, o conservador Antonin Scalia.

Ronald Reagan chegou a nomear outro famoso jurista conservador e originalista, Robert Bork, professor em Yale e Desembargador da Justiça Federal americana. Seu nome, no entanto, foi rejeitado pelo Senado. O presidente, então, indicou Anthony Kennedy para a vaga. Como veremos, essa substituição teria grandes repercussões para a causa do aborto no futuro.

De um modo ou de outra, as trocas na composição da Suprema Corte entre 1973 e o início da década de 90 levaram a uma forte expectativa de que o lamentável precedente do caso Roe v. Wade pudesse ser revertido. Essa expectativa cresceu quando um novo grande caso sobre o aborto chegou à Suprema Corte após a mudança em sua composição: o caso Planned Parenthood v. Casey.

O que a Suprema Corte decidiu no caso Planned Parenthood v. Casey?
O caso Casey tinha por objeto a legislação da Pensilvânia de 1982 (Pennsylvania Abortion Control Act) que impunha algumas restrições à prática do aborto: consentimento informado, com dados sobre o procedimento e os riscos do aborto a gestantes que procurassem tal serviço; período mínimo de 24 horas de espera entre a solicitação do aborto e sua prática; notificação dos pais, caso o aborto fosse solicitado por menores; e notificação do marido, caso o aborto fosse requerido por mulheres casadas.

Apesar da grande expectativa, o precedente do caso Roe foi mantido e reafirmado, embora com alterações. O voto vencedor contou com maioria apertada de 5 juízes, entre eles o justice Kennedy. A decisão manteve o critério da viabilidade da vida do feto fora do útero. A divisão rígida entre trimestres – absolutamente sem base no direito do país –, no entanto, foi abandonada.

O Tribunal, então, fixou que: antes da viabilidade, os Estados poderiam regular o aborto (por exemplo, com as restrições administrativas impostas pela legislação da Pensilvânia), mas não criminalizá-lo. E mesmo as restrições administrativas não poderiam resultar num ônus indevido (undue burden), descrito como um "obstáculo substancial no caminho de uma mulher que busca um aborto antes que o feto atinja a viabilidade". A Suprema Corte entendeu que uma das restrições da legislação analisada (notificação ao marido em caso de requerente casada) criava um ônus indevido e por isso ela foi julgada inconstitucional. Esse, contudo, foi o único trecho da legislação que acabou derrubado.

Após a viabilidade, a decisão fixou que os Estados podem proteger a vida do feto, banindo penalmente a prática de abortos não terapêuticos (eletivos).

O que aconteceu após Casey v. Planned Parenthood?
Depois do julgamento do caso Casey, houve inegável frustração por parte do movimento pró-vida. Mas também houve motivos para comemorar.

A decisão da Suprema Corte permitiu que vários estados passassem a dificultar práticas abortivas mediante regulação administrativa, ainda que não penal. A grande verdade é que a vagueza do standard utilizado (undue burden) deixou enorme margem à discricionariedade dos Estados. E o que governantes comprometidos com a causa da vida passaram a fazer desde então foi criar legislações que tornassem o aborto cada vez mais difícil, testando até onde iria a aceitação da Suprema Corte.

O movimento pró-vida seguiu crescendo nos Estados Unidos. Eles perceberam algo fundamental: “para dar um fim ao aborto, conquistar corações é mais importante do que mudar as leis”. Com as novas tecnologias que permitem a percepção da humanidade do feto desde muito cedo e com a divulgação da desumanidade dos procedimentos abortivos, o movimento pró-vida conquistou adeptos.

Desde o julgamento de Casey, o número de abortos legais caiu nos Estados Unidos, revertendo uma tendência ascendente que vinha desde o início da década de 70.

Por fim, o destino conspirou a favor. Em um único mandato, o Presidente mais pró-vida da história recente americana, Donald Trump, pôde nomear três juízes para a Suprema Corte. E ele não desperdiçou a oportunidade que o destino lhe assegurou, garantindo uma tríade de excelentes indicações.

O resultado desse movimento será objeto de nosso artigo da semana que vem.

André Uliano, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

segunda-feira, 7 de junho de 2021

Novo desafio ao aborto legal nos EUA comprova risco do ‘ativismo judicial’

O Globo

Mesmo favorável ao aborto legal, a juíza da Suprema Corte americana Ruth Bader Ginsburg, ícone do feminismo que morreu no ano passado, via com reserva a decisão de 1973 que o autorizou nos Estados Unidos, no célebre caso Roe v. Wade. No voto vencedor, o relator Harry Blackmun vedava restrições ao aborto enquanto o feto não fosse viável fora do útero (24 semanas de gestação), como uma extensão natural do direito à privacidade da mulher e ao domínio sobre o próprio corpo.

Ginsburg, na ocasião uma advogada ativa em defesa de causas feministas, discordava. Acreditava que a legalização deveria derivar não da privacidade, mas do direito à igualdade. Sem poder abortar, dizia ela, as mulheres sempre estariam em desvantagem diante dos homens, que não arcam com o custo da gravidez nas demais esferas da vida. [quanta estupidez, desvalorização da vida e desumanidade no entendimento de uma suprema juíza = autorizar assassinatos de seres humanos inocentes e indefesos apenas para reduzir uma desvantagem das mulheres em relação aos homens; no Brasil, e acreditamos em outros países,  muitas feministas consideram a menstruação uma desvantagem das mulheres em relação aos homens.

A prosperar tal pensamento logo teremos uma suprema decisão proibindo as mulheres de menstruarem ou obrigando os homens a passarem pelo que as feministas consideram desvantagem;  não somos peritos no assunto, mas uma feminista que por aqui circula lembrou que já existe métodos que impedem a menstruação - claro que não se referiu a gravidez = seria trocar uma desvantagem por outra, na ótica das feministas.] Ela considerava que a discussão precisaria avançar até esse ponto antes da legalização, como acontecia em vários legislativos estaduais. A imposição de uma regra em bases frágeis poderia ter consequências nefastas no futuro.

Pois o futuro temido por ela chegou [felizmente uma chance ainda que remota, do assassinato de seres humanos e indefesos ser proibido ou restringido, Tal situação ocorrendo, facilitará em muito que vidas humanas, inocenters e indefesas, sejam poupadas no Brasil.]  A Suprema Corte aceitou analisar o caso que, na essência, veta o aborto no estado de Mississipi, a não ser em exceções pontuais. Na composição atual, com seis juízes conservadores, é provável que caiam as duas decisões que regulam o aborto no país, Roe e uma outra de 1992, Planned Parenthood v. Casey, que aceita restrições desde que não acarretem “ônus indevido” à mulher. Dependendo do teor da decisão, passará a valer a legislação que proíbe o aborto também noutros estados, como Geórgia ou Missouri.

A esperança de manutenção da maioria favorável ao aborto se escorava no presidente da Corte, John Roberts. Conservador, ele surpreendeu numa decisão sobre uma lei da Louisiana no ano passado, ao reafirmar Roe com base no princípio jurídico do precedente estabelecido (stare decisis). A nomeação da conservadora Amy Coney Barrett no crepúsculo do governo Donald Trump acabou com essa esperança. Barrett sempre foi uma das vozes mais articuladas contra o aborto nos meios jurídicos. 
Há hoje uma maioria de juízes dispostos a derrubar Roe e Casey.

O aborto não é a única questão controversa na pauta da Corte. O porte de armas e políticas de ação afirmativa serão tema de novas decisões. Todos têm uma característica comum: são polarizadores. Por racharem a sociedade com base em crenças religiosas ou ideológicas, costumam ficar em segundo plano no Legislativo, onde só avança aquilo em que se vislumbra consenso. Como resultado da militância organizada, caem no colo do Judiciário.

Independentemente do que se ache sobre tais temas, é evidente o custo do que se convencionou chamar deativismo judicial”. Era o risco que incomodava Ginsburg. Os fatos mostram que seu alerta era pertinente. Não só nos Estados Unidos, mas também no Brasil, onde o Supremo Tribunal Federal, além de arcar com o dever de disciplinar os excessos recorrentes do Executivo, tem assumido o ônus da omissão do Congresso em questões críticas. [comparação infeliz; no Brasil o ativismo judicial é eventual, limitado; já no Brasil, o STF legisla, invade competência do Executivo e Legislativo, chegando ao cúmulo de um supremo ministro, em decisão monocrática, ordenar ao  presidente do Senado Federal = que preside o Legislativo, um Poder da República = que instale uma CPI.]

Opinião - O Globo 

 

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Em pesquisa na Argentina, 93% se dizem contra lei que liberou o aborto - André Uliano

Vozes - Gazeta do Povo

Em pesquisa recente realizada por professores de universidade argentina, 93% dos entrevistados se disseram contrários ao projeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo e que permite o aborto até a 14ª semana de gestação. A pesquisa foi realizada pela Cátedra de Sociologia da Universidade do Norte Santo Tomás de Aquino. Foram ouvidas 8.101 pessoas, de 23 províncias, entre os dias 20 e 24 de dezembro. Dentre elas, 70% eram mulheres, sendo 60% em idade apta para gravidez.
Apenas 6% dos entrevistados se manifestaram favoravelmente à proposta legislativa, enquanto 1% não soube opinar. A pesquisa também perguntou se o tema era urgente
92% responderam negativamente, sendo que 93% afirmaram que, diante da pandemia do coronavírus, este não era o momento para enfrentar o tema.

Ressalte-se que o governo socialista da Argentina teve péssimos resultados no enfrentamento à pandemia. Com efeito, em virtude das medidas draconianas de bloqueio impostas pelo presidente, o país foi um dos mais afetados economicamente na região. A pobreza entre os argentinos alcançou índices alarmantes durante o ano. Isso tudo sem que o país tenha conseguido bons resultados no tocante à saúde pública. A Argentina viu o quadro sanitário se deteriorar rapidamente no segundo semestre e hoje está entre as 20 maiores taxas de óbito por milhão de habitantes no mundo.

Esses dados realmente parecem demonstrar que a discussão sobre a liberação do aborto surge muito mais como cortina de fumaça diante de uma gestão caótica e sem resultados, a fim de manter a adesão do eleitorado mais cego e ideológico, do que como resposta a um problema prioritário do povo argentino de modo geral.

Voltando aos dados da pesquisa, ela ainda mostra que 95% dos entrevistados declararam acreditar que a vida inicia na concepção. Essa convicção está em linha com os direitos humanos na região, uma vez que o Pacto de São José da Costa Rica reconhece em seu art. 4º, 1, que:Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção”.

Por fim, 67% das pessoas ouvidas na pesquisa considera que o aborto deve ser proibido sempre, enquanto 25% que deve ser liberado em alguns casos (estupro, perigo de vida para a mãe, malformação fetal).

A discrepância entre a opinião pública generalizada revelada na pesquisa e a maioria parlamentar contra a proteção penal da vida intrauterina é um forte indício de fragilidade da democracia e impotência do povo na Argentina. Aliás, esses são traços marcantes em várias nações da América Latina, fenômeno potencializado em governos socialistas de esquerda ou fisiológicos de direita.

É verdade que os órgãos de representação política não são meros delegados das opiniões majoritárias. Os órgãos legislativos possuem um aspecto deliberativo e não apenas agregativo. Não apenas contam votos e repassam posições majoritárias. Os parlamentares têm condições de trocar argumentos e aprofundar sobre os temas em nível que é inviável para as massas. Isso faz com que, algumas vezes, a posição do Parlamento contrarie a opinião majoritária da população sem prejudicar a substância de uma democracia liberal. Apenas para dar um exemplo: um número razoável de pessoas é favorável à tortura de presos, o que é inaceitável do ponto de vista moral e jurídico. Ainda que essa opinião se tornasse francamente majoritária, as instituições políticas deveriam resistir a ela, e não ceder a pressões que nesse caso poderiam ser descritas como populistas.

Contudo, não é o que ocorre no caso da proteção jurídico-penal da vida humana durante a gestação. O aborto é uma violação grave a direitos humanos, em geral atingindo um número alarmante de vítimas. A prática é francamente cruel, envolvendo enorme violência contra o feto em situação totalmente indefesa. Ademais, é praticado com o assentimento daqueles que teriam moralmente o maior dever de proteção, que são os próprios pais. Não por outro motivo, em regra, o aborto deixa marcas psicológicas profundas e brutalmente negativas no casal. Além disso, a tutela penal da vida humana encontra respaldo no direito constitucional e em dispositivos de direitos humanos, sendo mecanismo absolutamente legítimo para proteção da vida intrauterina.

Por isso, não se justifica que o Parlamento, contrariando opinião popular e de modo intempestivo, fragilize a proteção jurídica da vida humana em seus primeiros momentos, apenas para beneficiar e satisfizer elites e grupos de pressão com forte poder econômico e influência midiática.

Uma vez consumado o erro do parlamento argentino, o que resta para os defensores da vida? Creio que há várias medidas práticas. Cito aqui apenas duas. Em primeiro lugar, buscar reverter o equívoco praticado pelo Governo socialista da Argentina, que configura um lamentável retrocesso aos direitos humanos na região. 
Isso deve ser feito por campanhas de conscientização e sensibilização da opinião pública, especialmente, quanto a três pontos: a existência de vida humana durante a gestação; os impactos negativos sobre os casais que abortam; 
a crueldade que envolve os procedimentos de aborto.  
Em segundo lugar, é necessário formar uma rede de suporte a casais em situação de vulnerabilidade e que podem recorrer ao aborto....

André Uliano, Procurador da República. Mestre em Economia e pós-graduado em Direito. Professor de Direito Constitucional - GAZETA DO POVO - Vozes 

 

domingo, 13 de dezembro de 2020

O que (ainda) não sabemos sobre a vacina - Laryssa Borges

Diário da Vacina - VEJA

Aprendemos muito nas últimas semanas de pandemia, mas existem outras inúmeras perguntas por ora sem respostas

13 de dezembro, 8h03: Faltam pouco mais de 48 horas para eu retornar à clínica onde recebi, ainda em novembro, uma dose da vacina experimental da Janssen-Cilag. Na tarde de terça-feira serei submetida a novos testes de sangue para detectar se já desenvolvi anticorpos contra a Covid-19 ou se, para azar meu, nada mudou e corro o risco de ter tomado placebo. Como voluntária em uma pesquisa científica em busca de um imunizante contra o novo coronavírus, assumi compromissos com os cientistas, como deixar que coletem 52,5 mililitros de sangue (cerca de quatro colheres de sopa) e utilizem essas informações também para pesquisas genéticas futuras – todas relacionadas à Covid.

Aprendemos muito nas últimas semanas de pandemia, e vacinas já estão sendo aplicadas em pessoas no Reino Unido, Rússia, China e, em breve, nos Estados Unidos. Mas existem outras inúmeras perguntas que, por ora, estão sem respostas. Vamos a algumas delas:

  1. A proteção das vacinas: Quando um imunizante anuncia a taxa de eficácia (acima dos 90% nos casos da Sputnik V, Pfizer e Moderna), isso significa que os pesquisadores atingiram um número estatístico (chamei de número mágico no Diário) para mostrar que a vacina é segura e funciona, mas não se sabe por quanto tempo o antígeno garante a imunização. Muitas das pesquisas em busca de vacina se contentam em conseguir que o produto pelo menos diminua a gravidade da doença, e não necessariamente previna que a pessoa seja infectada pelo novo coronavírus.
  2. Idosos e indígenas:    ...........                                               Outro grupo alvo de atenção especial são os idosos e, neste ponto, mais dúvidas: a vacina do consórcio Oxford/AstraZeneca, por exemplo, não conseguiu atestar ainda se o imunizante que desenvolveu é eficaz em outro grupo, o dos idosos.
  3. Tempo de imunização:
  4. Transmissão por vacinados:
  5. Crianças e adolescentes: As vacinas experimentais cujas pesquisas estão em desenvolvimento no Brasil (Oxford, Janssen, CoronaVac e Pfizer) recrutaram voluntários a partir de 18 anos, mas crianças e adolescentes, que são importantes vetores da doença, ainda não foram alvo de estudos aprofundados.
  6. Grávidas: “Se você engravidar terá de interromper o estudo em busca da vacina”, me disse o pesquisador do ensaio da Janssen no dia que iria receber a minha dose do imunizante em teste. A razão da ressalva é porque não existem estudos suficientes que descartem riscos ao feto e tampouco se sabe
  7. Risco mínimo de a vacina agravar a doença: “Há uma pequena possibilidade de você apresentar um efeito adverso à vacina ou de a vacina agravar a sua doença, caso você contraia a Covid-19”. O alerta está no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, documento que reúne o passo a passo da jornada do voluntário, e existe porque em pesquisas científicas passadas não relacionadas à Covid-19 houve casos de vacinados que depois de infectados pelo organismo causador da doença tiveram piora no quadro clínico. Não se sabe se isso vai acontecer agora também.

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