O senador Sergio Moro, meu colega de Gazeta do Povo que neste momento escreve a coluna aqui no cubículo ao lado, reagiu daquele jeitão lá dele. Sacumé. “Aparentemente [Lula] aprendeu apenas linguajar de cadeia. Repudio a fala e sigo em frente”, disse, com a veemência que lhe é característica. E, infelizmente para ele, dando mais valor à estética do que para a essência da fala de Lula. Isto é, se atendo ao palavrão e ignorando a confissão de que é um desejo de vingança o que move o ignorante-em-chefe.
Para encerrar outro ano de censura desenfreada, atacando uma instituição após a outra, agora temos uma pesquisa da YouGov, empresa líder internacional de pesquisa de mercado baseada na internet, com sede no Reino Unido, mostrando que o público também não está tão feliz com a liberdade de expressão. Aqueles que acreditam que deveríamos priorizar “o fim do discurso ofensivo e de ódio” aparentemente ganham daqueles que preferem “proteger a liberdade de expressão”, 43% a 38%, respectivamente.
A liberdade de expressão claramente não está vivendo nas mentes e nos corações dos ingleses e das inglesas tanto quanto gostaríamos. Ainda que, a julgar pelo detalhamento da pesquisa, são as mulheres que estão deixando a bola cair, junto com os eleitores do Partido Trabalhista Britânico e a faixa etária de 18 a 24 anos.
Até que ponto as sociedades livres como a do Reino Unido de fato estiveram à altura de seus valores liberais é algo discutível. Mas, pelo menos, até recentemente, a liberdade era a aspiração, a história que contávamos uns para os outros. Cada vez menos parece ser o caso, como muitos momentos sinistros em 2021 deixaram extremamente claro.
Basta lembrar o caso da escola Batley Grammar. É quase perdoável esquecer que, em março de 2021, em Yorkshire, na Inglaterra do século 21, um professor foi afastado por blasfêmia e forçado a se esconder depois de ser ameaçado por muçulmanos e manifestantes nos portões da escola. Tudo porque ele mostrou quadrinhos do profeta Maomé em uma aula de ensino religioso.
Fanáticos religiosos fecharam a escola por dias e aterrorizaram um professor muito querido. E todos os envolvidos basicamente cederam à vontade deles. O membro local do Parlamento, membro do Partido Trabalhista Britânico, considerou a aula “inadequada”. O diretor publicou um pedido de desculpas bajulador. Os sindicatos de professores baixaram a cabeça enquanto um dos seus temia pela própria vida.
A luta pela liberdade de expressão foi construída com base na zombaria de deuses e profetas. Que a punição à blasfêmia tenha voltado ao Reino Unido neste ano mostra a profundidade com que perdemos a fé na liberdade de expressão. Mas havia algo de muito moderno, bem como de antiquado, nesse escândalo específico.
Os manifestantes em Batley, disfarçados de representantes dos muçulmanos britânicos, usaram uma ideia de vitimização e fragilidade emocional que está na moda. O professor e seus defensores estavam “usando a liberdade de expressão como uma desculpa” para “magoar e ofender alguém”, como um suposto líder comunitário discursou para uma multidão de manifestantes.
“Eu me ofendo, portanto, eu censuro” se tornou o lema da nossa era
“Nós, da comunidade islâmica, nos opomos e condenamos o uso de todo e qualquer material religioso ofensivo nas escolas”, disse outro, afirmando falar em nome de todos os muçulmanos, enquanto lia uma declaração preparada com antecedência. A aula blasfema, ele afirmou, deixou as crianças “preocupadas com sua segurança e seu bem-estar”, e a polícia deveria ser envolvida.
Quadrinhos muçulmanos não são mais apenas blasfêmias contra o profeta, são ataques emocionais às pessoas de fé. A parlamentar inglesa Naz Shah, do Partido Trabalhista, afirmou algo parecido em julho, quando pediu a criminalização daqueles que “difamarem, caluniarem ou ofenderem o nosso profeta”. “O dano emocional causado em nossos corações é insuportável”, disse ela.
Aqui vemos a tolerância religiosa entendendo como o jogo é jogado hoje em dia. Se você quiser silenciar alguém, é só insistir que suas palavras machucam, que essa pessoa ameaça a sua “segurança emocional”. “Eu me ofendo, portanto, eu censuro” se tornou o lema da nossa era, e ele perpassa muitas das disparatadas batalhas relacionadas à liberdade de expressão vistas nos últimos 12 meses.
Quando Kathleen Stock foi expulsa da Universidade de Sussex neste ano, uma acusação semelhante foi feita. “Kathleen Stock coloca a segurança de estudantes trans em risco”, dizia um dos cartazes mais educados pendurado no trajeto que ela fazia pelo campus. “Se eu tivesse aulas com ela, não me sentiria seguro academicamente”, um membro da sociedade LGBTQ+ de Sussex afirmou ao Financial Times.
“Sentir” é a palavra-chave. Stock nunca endossou nem incitou à violência contra pessoas trans. Ela nunca fez nenhuma afirmação remotamente transfóbica. Ela apenas acredita que o sexo é imutável e que certas coisas decorrem disso. Mas, por se recusar a seguir a ideologia de gênero, ela foi apresentada como uma ameaça à segurança dos estudantes.
Do outro lado do oceano, pelo crime de contar piadas sobre a transgridem em seu mais recente especial para a Netflix, o incancelável Dave Chappelle foi praticamente acusado de assassinato alguns meses atrás. “Estamos aqui hoje porque não aceitamos uma piada”, disse Ashlee Marie Preston, organizadora de um protesto contra Chappelle do lado de fora dos escritórios da Netflix em outubro. “Estamos aqui hoje porque piadas tiram vidas.”
Falando em defesa de Chappelle, Ted Sarandos, co-CEO da Netflix, insistiu que a comédia não contribuía com nenhum “risco do mundo real”. É disso que a liberdade de expressão trata essencialmente: a distinção entre palavras e violência, e o princípio de que, se alguém comete alguma atrocidade, a responsabilidade é dele — a culpa não pode ser colocada nos livros, na música, nos video games nem nas comédias de que essa pessoa gosta.
Mas isso é uma abominação para os pretensos censores de hoje em dia, que consideram praticamente tudo incitação à violência e cuja ideia do que constitui dano é cada vez mais nebulosa. Como Lourdes Ashley Hunter, do coletivo Trans Women of Color, afirmou ao Washington Post durante o escândalo de Dave Chappelle: “O dano nem sempre é físico… Ele é psicológico, é emocional”.
Uma sociedade que troca liberdade de expressão por segurança emocional logo vai descobrir que não tem nenhuma das duas
A liberdade de expressão simplesmente não consegue sobreviver a essa ideia. A convicção de que palavras podem ferir e matar como balas ou um cassetete é um cheque em branco para a censura; quem tem permissão para falar é determinado por quaisquer grupos que tenham peso suficiente, ou inspirem terror suficiente, entre a classe dominante em qualquer situação específica.
Mesmo os censores do Estado de hoje em dia seguem esse roteiro terapêutico. Vejamos o projeto de lei “Online Safety”, que tem como objetivo contar discursos “legais, porém danosos”, ou a coleção das forças policiais inglesas de supostos “incidentes de ódio não criminosos” — uma prática orwelliana que, ainda bem, foi derrotada pelo ex-policial Harry Miller no tribunal —, mas que a polícia ainda considera necessária para “proteger pessoas e comunidades vulneráveis”.
O paradoxo nisso tudo é que a fetichização do dano emocional parece estar alimentando um tanto de dano físico, pelo menos, de ameaça física. Neste ano, da escola Batley Grammar para a Universidade de Sussex, passando pelas menções a J.K. Rowling, muitas pessoas que afirmam ter sido “feridas” por palavras ou imagens tiveram pouco remorso em ameaçar, causar dano de fato a outros. Também parecemos ter esquecido Hatun Tash, ex-muçulmano convertido em pastor cristão que foi atacado com uma faca no Speaker’s Corner. Esse conflito é alimentado pelos limites borrados entre discurso e violência. Porque, se palavras são violência, então a violência é uma reação legítima às palavras.
É possível que não exista um fim para isso. E uma sociedade que troca liberdade de expressão por segurança emocional logo vai descobrir que não tem nenhuma das duas. Essa autovitimização só pode gerar mais autovitimização. Quanto mais você insiste que as pessoas são vulneráveis às palavras, mais você as encoraja a destruir ideias que as incomodam, e mais instáveis e histéricas elas se tornam.
Em 2021, vislumbramos o que uma tirania de mágoas pode se tornar. Em 2022, precisamos garantir que a liberdade esteja nos corações e nas mentes das pessoas de novo.
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Tom Slater é editor da Spiked - Revista Oeste