Uma portaria da Receita Federal, de 12 de novembro passado,
autoriza a divulgação em seu site de dados e nomes de contribuintes
acusados de terem cometido crimes contra a ordem tributária ou contra a
Previdência Social e cujas representações para fins penais tenham sido
encaminhadas ao Ministério Público Federal.
O documento deixou de cabelo
em pé advogados tributaristas em todo o país. Alegam eles que, embora
tenha foco na transparência da informação,
a divulgação de uma lista de
contribuintes investigados tem por objetivo constrangê-los, forçando-os
ao pagamento do volume em litígio para encerrar a persecução penal.
Com a
quitação da suposta dívida apontada pela Receita, o processo termina.
Segundo um advogado,
“além de poder configurar ofensa à imagem do
investigado e até mesmo violação ao princípio da presunção de inocência,
a portaria promove uma verdadeira coação para a quitação de débitos que
ainda poderiam ser objeto de discussão judicial”. A Receita tem razão
em querer apressar o andamento de processos para recolher aos cofres
públicos impostos devidos e não pagos. Esse é o seu ofício. Oferecer
dados de eventuais sonegadores ao Ministério Público Federal também faz
todo sentido, afinal é tarefa do MP zelar pelo patrimônio e pelos bens
públicos. O que parece exagerado é divulgar os nomes dos contribuintes
suspeitos e os crimes pelos quais são acusados.
Certamente haverá sonegadores e fraudadores na primeira lista com
mais de 400 nomes de pessoas físicas e jurídicas divulgada pela Receita
há duas semanas. O que os advogados defendem é que todos deveriam ter
direito a defesa antes de serem expostos publicamente.
A Receita,
contudo, não está quebrando o sigilo fiscal dos acusados, já que a lei
do sigilo estabelece que não é vedada a divulgação de informações
relativas a representações fiscais para fins penais. Por isso, torna
público nomes e sobrenomes de pessoas e empresas brasileiras acusadas de
sonegar impostos, falsificar ou adulterar documentos públicos, importar
ou exportar mercadorias proibidas, fraudar a Previdência, entre outros
crimes tributários.
Se essas pessoas físicas e jurídicas estão se defendendo das
acusações, não se sabe. Esta informação não consta das representações
fiscais encaminhadas ao MP.
Pela primeira lista divulgada no site da
Receita,
sabe-se apenas o nome da pessoa física, a data do envio da
representação e a “tipificação do ilícito”, ou seja, o crime pelo qual o
indivíduo está sendo acusado
. No caso de pessoa jurídica, acrescenta-se
os nomes dos responsáveis pelos crimes dentro da empresa, sejam eles
sócios, gerentes, administradores ou contadores.
Para ser legal publicar nomes de empresas e pessoas acusadas de
ilícitos fiscais,
é imprescindível que se tenha absoluta certeza de que
elas são mesmo criminosas.
A primeira lista não garante esta certeza.
Tem de tudo nela, companhias grandes como a Mendes Júnior e a Braskem,
pequenas empresas como o Centro Odontológico do Povo, de Cuiabá. Há
também dois municípios: Jaciara, no Mato Grosso, e Carnaíba, em Minas
Gerais. O documento joga pedra em pessoas físicas como Geni Pereira
Felizardo, de Londrina, acusada de
“iludir, no todo ou em parte, o
pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo
consumo de mercadoria”.
Na lista da Receita de representações fiscais para fins penais
encaminhadas ao Ministério Público aparece o próprio Ministério Público.
Duas vezes. Na primeira representação, o MP é incriminado por elaborar,
distribuir e fornecer documento falso ou inexato, por adulterar ou
falsificar nota fiscal, por omitir informação ou prestar declaração
falsa e por iludir, no todo ou em parte o pagamento de imposto devido, o
mesmo crime da Geni acima citada. Na segunda representação, o MP vai
investigar se o MP prestou declaração falsa às autoridades fiscais e se
omitiu em documento público ou particular declaração que nele deveria
constar ou nele inseriu declaração falsa.
A presença do MP torna a lista
ainda mais insegura.
O Globo