Morte de procurador que denunciou Cristina Kirchner
causa comoção política na Argentina
Alberto
Nisman foi encontrado morto com tiro na cabeça um dia antes de depor no
Congresso sobre o caso Amia
O procurador argentino Natalio Alberto
Nisman, que denunciou a presidente Cristina
Kirchner na investigação do caso contra o atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), foi encontrado
morto no domingo à noite em seu apartamento em Buenos Aires, causando comoção
política no país. Nisman, de 51 anos, apresentaria na manhã desta segunda-feira no Congresso a conclusão de
sua denúncia contra a presidente. Segundo ele, Cristina
teria encoberto o envolvimento de terroristas iranianos no ataque contra a
Amia, num crime que permanece impune depois de 20 anos.
As
primeiras informações davam conta de que o corpo de Nisman foi encontrado com perfuração na têmpora — segundo um relatório preliminar de
autópsia —, compatível com uma arma
de pequeno calibre, no banheiro de seu apartamento no bairro de Puerto
Madero. O local estava trancado por dentro. Por volta das 5h10m, o Ministério
da Segurança emitiu um comunicado confirmando as circunstâncias da morte, e
afirmando que ele tinha dez policiais federais à disposição para segurança
pessoal. Israel, que lamentou a morte de Nisman "em circunstâncias trágicas", pediu à Argentina que dê
continuidade ao trabalho do procurador.
Fontes
judiciais revelaram ao jornal “La Nación”
que no domingo à tarde a família tentou entrar em contato com Nisman, mas não
conseguiu. Sua mãe foi até seu apartamento e bateu na porta. Não obtendo
resposta, decidiu chamar um chaveiro. O corpo do procurador foi encontrado no
banheiro, com uma pistola ao lado, que seria de sua propriedade. A investigação
ficou sob responsabilidade dos promotores Manuel Arturo de Campos e de Viviana
Fein. Falando a repórteres no local, Viviana disse que, no momento, não irá
levantar hipótese. — Não posso dizer se
foi suicídio ou não. Peço-lhes prudência — afirmou ela, que posteriormente
revelou não haver carta de suicídio e que o estado do corpo indicava que Nisman
morrera antes da noite de domingo.
REAÇÕES
O
secretário-geral da presidência, Aníbal Fernández, disse lamentar a morte de
Nisman e afirmou que todo o trabalho feito por ele deve ser investigado. — É possível acostumar-se com qualquer
coisa, mas não a morte. A notícia me deu um estrépito enorme.
Sergio
Berni, secretário de Segurança do país, disse que os indícios naturalmente apontavam para suicídio. Em entrevista
à rádio
América, ele afirmou que é necessário "esperar para que a Justiça corrobore". Mauricio Macri,
prefeito de Buenos Aires e um dos potenciais candidatos à presidência este ano,
pediu que a investigação da morte de Nisman e do caso Amia sejam julgados até
as últimas instâncias. — O que aconteceu
hoje deve ser um divisor. Precisa haver um antes e um depois. Que não deixemos
o medo e a resignação nos vencerem. Vamos combater esta violência — disse,
ainda sem haver um laudo preliminar sobre a morte do promotor.
O
chanceler israelense, Avigdor Lieberman, escreveu em comunicado que Nisman era
um "jurista valente e destacado que
lutou incessantemente pela justiça", buscando explicitar os
responsáveis pelo atentado à Amia. "O
Estado de Israel manifesta sua esperança de que as autoridades argentinas
continuem com as atividades de Nisman e façam todos os esforços a exigir
justiça aos responsáveis pelo ataque."
Um
comunicado enviado em conjunto pela Amia e pela Daia (Delegação de Associações
Israelitas Argentinas) diz que as organizações ficaram estupefatas. "A repentina morte de Nisman
representa, sem dúvidas, um golpe de alto impacto para a causa",
afirmam. "Redobraremos os
questionamentos e o compromisso para que o atentado de 1994 seja esclarecido em
sua totalidade." Pelo Twitter,
líderes da oposição expressaram consternação.
ACUSAÇÕES
Nisman,
que tinha duas filhas com a juíza Sandra Arroyo Salgado, iria aparecer nesta
segunda-feira perante uma comissão da Câmara dos Deputados para apresentar o caso contra a presidente e
vários de seus aliados. Ele chegou a solicitar um embargo de cerca de 19
milhões de euros para Cristina e os outros investigados.
Na
quinta-feira, o governo argentino pôs
sob suspeita o promotor, um dia após ele denunciar a presidente. Em 1994,
uma explosão contra a Amia por um carro-bomba deixou 85 mortos e provocou danos
estruturais em outros nove edifícios no bairro Once, no distrito de Balvanera.
O Hezbollah havia sido acusado do crime, mas em 2006 revelou-se que o Irã seria
um possível mandante.
O
chanceler Héctor Timerman, que também foi denunciado por Nisman, acusara o
promotor de “investigar clandestinamente
a presidente” em vez de se concentrar em investigar os suspeitos pelo
atentado e de agir contrariado pelo afastamento de aliados seus da Secretaria
de Inteligência argentina.
Timerman
não foi o único do governo a voltar a artilharia verbal contra Nisman. O
ministro do Interior, Florencio Randazzo, disse que “só um pervertido” pode imaginar que a presidente tenha fechado um “pacto de impunidade” para ocultar a
responsabilidade do Irã.
O chefe
de Gabinete de Cristina, Jorge Capitanich, disse que o promotor faz parte de
uma conspiração de “membros do Poder
Judiciário, grupos de mídia, corporações econômicas, setores de Inteligência
nacionais e internacionais que buscam desestabilizar o governo permanentemente
com sua atitude golpista”.
A denúncia do envolvimento de
membros do governo argentino conta com 300 páginas. Além de Cristina e Timerman, o promotor Nisman denunciou
também o deputado Andrés Larroque, o líder sindical Luis D’Elia e o ativista
Fernando Esteche. Eles teriam negociado com o Irã o fim das
investigações em troca da venda de petróleo para diminuir o déficit energético
argentino.
Em maio
de 2008, Nisman pediu a detenção do
ex-presidente Carlos Menem e do ex-juiz Juan José Galeano. À época, ele
mantinha uma relação considerada bastante amistosa com Cristina e seu marido, o
então presidente Néstor Kirchner, quem acusou o Irã formalmente na ONU com as
investigações preliminares de Nisman.
Cristina sugeriu uma investigação
conjunta com o Irã, em 2013. Na época ela declarou que o pacto iria reabrir o inquérito, mas Israel
e grupos judeus disseram que a medida ameaçava o andamento do processo criminal
do caso. A comissão da verdade foi
desautorizada por um tribunal argentino, e Teerã jamais a ratificou. Após a morte de Nisman, o juiz federal
Ariel Lijo declarou que um processo judicial para apurar o caso Amia será
aberto.
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