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sábado, 11 de março de 2023

O Foro de São Paulo em ação - Revista Oeste

Flávio Gordon

A apoio petista a Ortega e os navios iranianos no Brasil 
 
 
 Luiz Inácio Lula da Silva, na abertura do evento que deu origem ao Foro de São Paulo, com os membros da direção petista (a partir da esq.): Marco Aurélio Garcia, João Machado, José Dirceu e Luiz Gushiken, em 2 de julho de 1990 | Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução/ Canal Contra Mola no YouTube
Luiz Inácio Lula da Silva, na abertura do evento que deu origem ao Foro de São Paulo, com os membros da direção petista (a partir da esq.): Marco Aurélio Garcia, João Machado, José Dirceu e Luiz Gushiken, em 2 de julho de 1990 | Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução/ Canal Contra Mola no YouTube 

Mahmoud Ahmadinejad: — “Precisamos que a Argentina compartilhe conosco sua tecnologia nuclear. Sem a colaboração deles será impossível
avançar em nosso programa.”
Hugo Chávez: — “Farei isso, companheiro.”
Ahmadinejad: — “Não se preocupe com os custos dessa operação.
O Irã respaldará com todo o dinheiro necessário
para convencer os argentinos.”
Chávez: — “Eu me encarregarei pessoalmente disso.”

(Citado em Hugo Chávez, o Espectro: Como o Presidente
Venezuelano Alimentou o Narcotráfico, Financiou o Terrorismo e
Promoveu a Desordem Global
, de Leonardo Coutinho) 

No meu artigo de 13 de janeiro, mostrei como o Foro de São Paulo, comando estratégico do movimento comunista latino-americano, era um elemento fundamental para a compreensão da política externa do primeiro ciclo do regime lulopetista (2003-2016). 
Estava por trás, por exemplo, da recorrente e vultosa transferência de dinheiro público brasileiro tungado do assim chamado “contribuinte” — para ditaduras companheiras, como as de Cuba, Venezuela e Nicarágua. Relembrei que essa política não era realizada de modo regular e legítimo, como uma relação entre Estados, sujeita ao escrutínio das instituições democráticas, notadamente do Congresso e do Ministério Público. Como admitiu em 2005 o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso comemorativo pelos 15 anos do Foro, tratava-se em vez disso de “uma ação política de companheiros”, conduzida “sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política”. 
  
Naquele meu artigo, sugeri também que, uma vez tendo retomado o poder (“o que é diferente de ganhar uma eleição”, como alertou José Dirceu) em quase todos os países do continente, a entidade continuaria sendo o grande fator explicativo para muito do que Lula e o PT fariam em seu novo ciclo no poder. Dito e feito. 
Nos últimos dias, a sociedade brasileira presenciou dois episódios que, se deveras surpreendentes para os incautos e os maridos traídos, eram até mesmo previsíveis aos que conhecem a história e a natureza do Foro de São Paulo.  
O primeiro episódio é a indecente recusa do governo petista em assinar declaração da ONU condenando a ditadura comunista de Daniel Ortega pelos inúmeros crimes contra a humanidade cometidos na Nicarágua
O segundo, a ancoragem de navios de guerra iranianos no Porto do Rio de Janeiro, uma provocação direta aos EUA (que, por meio da embaixadora norte-americana, Elizabeth Bagley, havia solicitado ao governo brasileiro que não permitisse) e a Israel, país-alvo de reiteradas ameaças genocidas por parte do regime iraniano, que há muito busca aprimorar seu programa nuclear para fins bélicos. 
 
Quanto ao primeiro ponto, convém lembrar que, durante as eleições passadas, mais precisamente no dia 4 de outubro de 2022, o ministro do TSE Paulo de Tarso Sanseverino, atendendo a um pedido da chapa Lula-Alckmin, censurou tuítes e vídeos sobre a relação entre o petista e o ditador sandinista. Em sua decisão, o juiz justificou que as publicações censuradas “transmitem de forma intencional e maliciosa mensagem de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva é aliado político do ditador da Nicarágua, Daniel Ortega”. 
Graças a isso, parte do eleitorado foi privado de uma informação importante sobre um dos candidatos. 
Uma informação absolutamente verdadeira, ao contrário do que afirmou Sanseverino, que impediu a livre circulação de uma real news e, assim, favoreceu indevidamente o presidenciável petista, cuja campanha foi construída sobre a falsa imagem de defesa da democracia. 

Sim, Luiz Inácio Lula da Silva é um aliado histórico do ditador Daniel Ortega, que com ele e Fidel Castro foi um dos fundadores e membros originais do Foro. Para parafrasear a autoridade eleitoral, esse é um fato sabidamente verídico, e não há despacho judicial capaz de riscá-lo da história. A recusa petista em condenar os crimes do companheiro sandinista apenas o confirma. Quem nunca deixou de reafirmar essa aliança, aliás, tem sido o próprio Lula. Senão vejamos. 

Em agosto de 2007, iniciando seu segundo mandato, Lula fez a primeira visita oficial de um presidente brasileiro à Nicarágua.  
Logo que pôs os pés na base aérea da capital, Manágua, o petista declarou-se emocionado por voltar àquele lugar repleto de significado histórico. “Aqui estive em 19 de julho de 1980, participando do primeiro aniversário da revolução sandinista. Aqui conheci Fidel Castro pela primeira vez. Vivi todo o trabalho que o presidente Daniel Ortega fez naquele momento para consolidar a Nicarágua como país soberano” — disse então o mandatário brasileiro, acrescendo que, depois daquele primeiro encontro, havia se reunido com Ortega outras dezenas de vezes.   
O amigo de Ortega concluiu sua fala na base aérea de Manágua com a promessa de que o Brasil estava disposto a firmar “tantos acordos quantos forem necessários para que possamos contribuir para o crescimento, o desenvolvimento econômico e a justiça social aqui na Nicarágua”. Como parte desses acordos — sempre decididos em “ações políticas de companheiros”, para repetir a confissão de Lula em 2005 —, foi apresentado em 2009 um plano de construção da Usina Hidrelétrica de Tumarin, com custo inicial previsto de US$ 500 milhões (mais tarde atualizado para US$ 1,2 bilhão) e participação do BNDES. O plano fora elaborado pela Eletrobrás e uma empresa afiliada à empreiteira Queiroz Galvão, cujo presidente, Ildefonso Colares Filho, bem como o diretor Othon Zanoide de Moraes Filho viriam a ser presos pela Lava Jato, em agosto de 2016. Meses antes, constatando irregularidades no acordo, o TCU (Tribunal de Contas da União) já havia ordenado a suspensão do repasse de recursos. 

Naquele mesmo ano de 2007, meses depois da visita à Nicarágua, o presidente brasileiro participou do Encontro de Governadores da Frente Norte do Mercosul. Em seu discurso, Lula frisou a importância do Foro de São Paulo na ascensão da esquerda ao poder na América Latina, e destacou, entre outros, o nome de Ortega:  “Nós fizemos uma pequena revolução democrática na América do Sul e na América Latina. Eu, por exemplo, conheci o [Fidel] em um encontro que fizemos em Cuba. Tinha acabado de ser preso, por conta do golpe, e acabado de ser liberado. Conheci o Chávez num encontro do Foro de São Paulo, como conheci também o Daniel Ortega, como conheci tantos companheiros da Argentina, do Chile, do Uruguai, do Paraguai, da Bolívia, do Equador, da Venezuela, da Colômbia. Qual é a mudança que houve nesses 18 anos [desde a fundação do Foro]? Olhem o mapa da América do Sul hoje. O que aconteceu na América do Sul é um fenômeno político que, possivelmente, os sociólogos levarão um tempo para compreender, porque aconteceu tão rápido a mudança que houve, uma mudança extremamente importante”. 

No dia 28 de julho de 2010, Ortega retribuiu a visita a Lula. Em recepção no Itamaraty, o brasileiro chegou a brincar com o amigo nicaraguense que ambos integravam um “eixo do mal” (alusão à expressão com que o presidente norte-americano George W. Bush qualificou a rede de países fomentadores de terrorismo). Relembrando o fato de ter sido o primeiro presidente do Brasil a visitar a Nicarágua, Lula enfatizou a aliança entre os projetos políticos petista e sandinista: “Nossa relação é parte integrante de um eixo latino-americano e caribenho, em franca expansão, que busca modelos de desenvolvimento progressistas, consistentes e sustentáveis. Queremos criar, em paz, oportunidades para todos, e não só para alguns”. 

Em julho de 2017, quem esteve em Manágua foi Gleisi Hoffman, para participar do 23º encontro do Foro de São Paulo. Na sua fala, a presidente petista celebrou a vitória eleitoral de Ortega (já então altamente suspeita, envolta numa série de irregularidades) e agradeceu nominalmente “aos companheiros da Frente Sandinista de Libertação Nacional por auspiciar este encontro”. 

Crimes contra a pátria
No ciclo “eleitoral” seguinte, no qual Ortega prendeu toda a oposição e concorreu sozinho, o Foro emitiu um comunicado repudiando uma resolução da OEA (Organização dos Estados Americanos) que condenava a ditadura de Ortega, e exigindo que a entidade respeitasse a soberania nicaraguense. Publicado em 16 de junho de 2021, dizia o comunicado: “Esta falsa alegação não encontra respaldo no sistema legal nicaraguense, pois as pessoas envolvidas são investigadas por crimes contra a pátria, com base numa lei de outubro de 2020, aprovada por um Poder Legislativo legitimamente eleito, que busca defender a soberania do país contra os avanços de forças extremas e imperialistas”.  

Meses antes, em discurso realizado após o ministro do STF Edson Fachin anular todas as suas condenações na Lava Jato, Lula havia citado nominalmente o Foro em seus agradecimentos:Quero agradecer às pessoas, companheiro Aloizio Mercadante, do Grupo de Puebla. Líderes da América Latina inteira, que foram solidários e confiaram na minha inocência. Quero agradecer ao Foro de São Paulo, que é uma organização da esquerda latino-americana. E quero agradecer a muitos líderes políticos”.  

Meses depois, o PT emitiria uma nota saudando a vitória de Ortega nas “eleições” nicaraguenses daquele ano. Com medo de sua repercussão negativa em um período eleitoral que se aproximava, o partido apagou o documento, e sua presidente, Gleisi Hoffman — a mesma que saudara a vitória do “companheiro” Ortega quatro anos antes —, tuitou alegando que a nota “não havia sido submetida à direção partidária”. Sem se referir em nenhum momento ao conteúdo da nota, e sem, portanto, emitir qualquer juízo sobre as prisões políticas comandadas por Ortega, a petista fez justo o contrário, repetindo o teor do comunicado emitido pelo Foro em junho, contra a resolução da OEA. “A posição PT em relação a qualquer país é a defesa da autodeterminação dos povos, contra interferência externa e respeito à democracia, por parte de governo e oposição”. 

Passados alguns dias, Lula deu uma célebre entrevista ao jornal El País, na qual, segundo o velho “centralismo democrático” leninista, reafirmou a linha partidária e repetiu o jargão da defesa da autodeterminação dos povos. Em seguida, fez a pergunta que espantou até mesmo a jornalista esquerdista do jornal espanhol: “Por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e Daniel Ortega não?” — disse o petista, deliberadamente omitindo o fato de que, ao contrário do sandinista, Merkel não havia mandado prender toda a oposição.  

Em outubro de 2022, foi a vez de Ortega parabenizar o “companheiro” e “irmão” Lula pela vitória no primeiro turno do pleito, descrita como “um momento de triunfo para as famílias e o povo do Brasil”. Repetindo Ortega em escala reduzida, o petista não havia conseguido prender toda oposição antes de concorrer, limitando-se a calar boa parte dela por via juristocrática.  

Diante de todo esse histórico, é deveras curioso ver jornalistas como Eliane Cantanhêde dizendo que “o Brasil não pode abandonar as vítimas de Ortega” e que “elas precisam de nós”. Ora, se a preocupação da jornalista é sincera, talvez ela não devesse ter apoiado com tanto afinco, sob o pretexto da defesa da democracia, justo o candidato com essa retrospectiva de amizade e aliança com o ditador nicaraguense. Afinal, assim como não se podem plantar sementes de mamão e esperar colher bananas, também não é possível esperar uma real defesa da democracia de quem se construiu politicamente em associação com notórias ditaduras socialistas, vendo-se como “parte integrante” de um mesmo “eixo latino-americano e caribenho”. 

Quanto ao segundo ponto, a ancoragem dos navios iranianos, eis outro caso preocupante, que nos remete também ao Foro de São Paulo, e sobretudo à maneira como, por meio dele, o então ditador venezuelano Hugo Chávez fez da América Latina um porto seguro para a prática de toda sorte de crimes transnacionais, incluindo o narcotráfico e o terrorismo. Compreende-se perfeitamente o temor dos EUA — que, via senador Ted Cruz, ameaçou sancionar o Brasil — e de Israel. Afinal, não é de hoje a aproximação entre governos socialistas latino-americanos e o regime iraniano. 

Como mostra Leonardo Coutinho no imprescindível Hugo Chávez, o Espectro: Como o Presidente Venezuelano Alimentou o Narcotráfico, Financiou o Terrorismo e Promoveu a Desordem Global, o falecido ditador venezuelano foi o responsável por costurar um acordo clandestino de cooperação nuclear entre a Argentina e o Irã, acordo que acabou tendo como desdobramento o assassinato (“suicídio”, segundo a versão oficial) do promotor argentino Alberto Nisman, que investigava a atuação dos Kirchners para acobertar a participação do governo iraniano no atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994. Segundo as diversas fontes e os documentos acessados por Coutinho, o acordo incluía a transferência de tecnologia, informação e material nuclear argentino para o programa iraniano, uma demanda que Mahmoud Ahmadinejad fez diretamente a Hugo Chávez. 

“Enviado aos Estados Unidos, fui apresentado a ex-chavistas exilados que me descreveram em detalhe as relações clandestinas entre esses governos” — escreve Coutinho. “De um deles veio o relato de que Venezuela e Irã se associaram para comprar segredos nucleares da Argentina. O homem era a testemunha ocular de uma conspiração que poderia estar na origem da morte do procurador, que, ao denunciar Cristina Kirchner e seu chanceler, Héctor Timmerman, dava sinais inequívocos de que seu governo havia feito uma inflexão em favor dos autores do atentado contra a Amia. Quanto mais me aprofundava, mais percebia a presença de Chávez em todo o desarranjo global que começava a se desenhar (…) Havia uma relação espúria entre a Casa Rosada e Teerã, e Hugo Chávez oferecia a fachada para despistar o plano que levaria Teerã a concluir seu programa nuclear. Em meio à catarse que o relato causou na Argentina, recebi milhares de páginas até então mantidas sob sigilo pelas autoridades argentinas. Trata-se dos principais arquivos produzidos pela inteligência argentina sobre o caso, a base da investigação de Nisman. Além disso, um backup de milhares de horas de escutas telefônicas monitoradas pela equipe do procurador bem como uma cópia integral do HD de seu notebook pessoal. Um labirinto de dados que, até o presente momento, em que descrevo esse processo, não fui capaz de percorrer completamente. Apesar disso, foi possível encontrar nesses documentos oficiais pistas e provas que permitiram calibrar as investigações e, aos poucos, tornar públicas algumas das relações criminosas identificadas pelos investigadores argentinos. O uso do Brasil como centro logístico para a preparação de atentados e os pontos de contato entre as redes de extremismo islâmico, o narcotráfico e o modo como todos os países da região eram afetados ou utilizados como bases dessas organizações — cada uma dessas novas descobertas demandava uma nova linha de investigação, uma nova série de entrevistas.” 

Os informantes de Coutinho, um grupo de ex-chavistas no exílio, contaram-lhe detalhes sobre o encontro entre Ahmadinejad e Chávez, no qual o primeiro acionou o amigo venezuelano a fim de obter ajuda da Argentina para o desenvolvimento do programa nuclear iraniano. No mesmo encontro, os dois presidentes decidiram criar um banco binacional, e Chávez abriu o sistema financeiro de seu país para que Teerã contornasse as diversas resoluções do Conselho de Segurança da ONU. “Em julho de 2015, um ex-executivo da PDVSA que se juntou ao grupo de exilados disse que dezenas de malas ‘desceram da Venezuela’ rumo ao sul” — escreve Coutinho. “Segundo ele, além das intermediações de pagamentos do Irã para a Argentina, os chavistas patrocinaram campanhas de Evo Morales, na Bolívia, Pepe Mujica, no Uruguai, Fernando Lugo, no Paraguai, e de Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil (…) Os presidentes da Venezuela e do Irã sabiam que não bastava criar um corredor seguro entre os dois países. Para que a operação fosse ainda mais eficiente, o país latino-americano deveria funcionar como um hub, para que os passageiros pudessem alcançar o maior número possível de destinos estratégicos. Para isso, Hugo Chávez deu ordens expressas para que Nicolás Maduro, então ministro das Relações Exteriores, colocasse em prática dentro da chancelaria um plano para que o trânsito de extremistas fosse facilitado.” 

Em face desse histórico de acordos clandestinos envolvendo os membros do Foro de São Paulo e governos pró-terrorismo como o Irã — que incluíram a transferência, via instituições de fachada, de segredos nucleares —, é perturbador imaginar o que pode estar por trás da ancoragem dos navios iranianos em águas brasileiras. O evento foi, aliás, ocasião de uma solenidade ocorrida a bordo da fragata iraniana Iris Dena, da qual fizeram parte representantes do governo brasileiro. Terá sido palco também de novas “ações políticas entre companheiros”? É novamente nesse tipo de “eixo” que o Brasil aceitará ser inserido por obra de seu governo socialista? Em se tratando do relacionamento com um regime que, ademais de financiar o terrorismo ao redor do mundo, tem verdadeira obsessão com a construção de seu arsenal nuclear (um projeto que viola vários acordos internacionais dos quais nosso país é signatário), cabe à sociedade, por meio de seus representantes e de suas instituições, manter-se vigilante. 

Leia também “A morte do Carnaval”

 Flávio Gordon, colunista - Revista Oeste

 

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

O fiasco de Joe Biden - Revista Oeste

Ana Paula Henkel

Talibãs no aeroporto de Kabul ontem, dia 19 | Foto: Shutterstock
Talibãs no aeroporto de Kabul ontem, dia 19 | Foto: Shutterstock

O que isso tem a ver com o tema central desse artigo, o Afeganistão? Tudo. Em 1980, os Estados Unidos lideraram o boicote aos Jogos Olímpicos em Moscou para protestar exatamente contra a invasão soviética do Afeganistão no fim de 1979. No total, 65 nações se recusaram a participar dos Jogos, enquanto 80 países mandaram atletas para competir.

Quando a União Soviética invadiu o Afeganistão, em 27 de dezembro de 1979, a comunidade internacional condenou a ação. Os conselheiros do líder soviético Leonid Brejnev afirmaram que a intervenção seria rápida e incontestável e sugeriram que o presidente dos EUA, Jimmy Carter, estava muito envolvido na crise de reféns em curso no Irã para responder à situação em Cabul (vale a pena assistir ao filme Argo, de 2012). Na realidade, a intervenção soviética no Afeganistão levou a um conflito prolongado na Ásia Central, e Carter reagiu com uma série de medidas destinadas a pressionar os soviéticos a se retirarem. Essas medidas incluíram a ameaça de um embargo aos grãos, a retirada do acordo Salt II e um possível boicote aos Jogos Olímpicos de Verão de 1980, programados para ter sede em Moscou.

Os governos ocidentais consideraram pela primeira vez a ideia de boicotar as Olimpíadas de Moscou em resposta à situação no Afeganistão na reunião de representantes da Otan de 20 de dezembro de 1979 — embora naquela época muitos governos não estivessem interessados ​​na proposta. A ideia ganhou popularidade quando o dissidente russo Andrei Sakharov pediu um boicote no início de 1980. Em 14 de janeiro, a administração Carter juntou-se a Sakharov estabelecendo um prazo no qual a União Soviética deveria se retirar do Afeganistão ou enfrentaria consequências, incluindo um boicote internacional aos Jogos. Quando o prazo expirou, um mês depois, Carter pressionou os aliados dos EUA a retirarem suas equipes olímpicas. Não adiantou. A guerra soviético-afegã continuou até 1989.

Ao longo de sua história, os afegãos passaram por várias invasões estrangeiras, guerra civil, insurgência e um período anterior de opressão do Talibã. Há muitas vertentes para serem exploradas desde o golpe comunista em 1978 até os dias de hoje. Quando o assunto é o Afeganistão, seria impossível falar de todo o contexto geopolítico que envolve o país e a região em apenas um artigo. O que vimos nesta semana, a retirada das tropas norte-americanas do país junto com o colapso do governo afegão e a retomada do poder pelo Talibã, apenas inclui mais um capítulo em décadas de instabilidade e conflitos.

Desde a eleição presidencial nos EUA, em novembro de 2020, muitos analistas e historiadores apontavam para onde a América poderia ir com a eleição de Joe Biden. Não foi diferente aqui em Oeste. Biden na Casa Branca seria um desastre anunciado, como previram diversos artigos aqui publicados. O que seria difícil imaginar é a rapidez com a qual o presidente democrata marcou a maior potência do mundo com um dos maiores fiascos da história. [tem mais: se a vice assumir, seja qual for o motivo,  será a tragédia das tragédias = piorar o 'impiorável']

O presidente que não deu as caras durante a corrida presidencial mais importante do Ocidente, que venceu uma eleição ainda envolta em mistérios, perguntas sem respostas e uma quantidade inacreditável de indícios de fraude, que vem assinando ordens executivas draconianas como nenhuma outra caneta no Salão Oval, que vem encampando uma toada de medidas tirânicas dentro da pandemia que sufocam o bem mais precioso para o americano: a liberdade. Esse homem agora mostra toda a sua incompetência no cenário internacional. O Afeganistão apenas expõe, da maneira mais explícita possível, todas as fraquezas de um presidente.

Meu pai, figura sempre presente na minha vida e agora também em meus artigos, sempre dizia: “Filha, não é apenas o que você fala, mas como você entrega. Não perca um excelente argumento entregando-o de maneira porca”. Poderia ser simplista demais de minha parte trazer um velho conselho para retratar uma questão geopolítica que envolve militares e a maior potência do mundo, mas é exatamente isso. É fato que a grande maioria dos cidadãos americanos não quer mais saber de guerras, há problemas demais para serem resolvidos domesticamente, e a própria administração de Donald Trump já havia anunciado a retirada — de maneira progressiva — das tropas americanas do Afeganistão. O plano, minuciosamente desenhado pelos generais da administração anterior que teve um dos melhores secretários de Defesa dos últimos tempos, Mike Pompeo —, era trazer os soldados para casa e acabar como uma ocupação de 20 anos, iniciada logo após os ataques às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001.

A aprovação de Biden derrete diante das terríveis imagens que não param de chegar de Cabul

Como diria o professor Monteiro, não foi o que foi feito, mas como tudo foi feito. Joe Biden, que caminhava a passos largos nas políticas domésticas para se tornar a versão atual de Jimmy Carter, solidificou a teoria nesta semana. Para Biden e sua equipe, as analogias com o presidente Carter e a crise dos reféns iranianos podem ser ainda mais perturbadoras do que os paralelos óbvios com a queda de Saigon, em 1975, na Guerra do Vietnã, que seus assessores estão se esforçando tanto para negar. A história se repete diante de nossos olhos. Biden agora tem a letra escarlate da fraqueza estampada em seu peito. Donald Trump queria sair e negociou um acordo com o Talibã. Fato. Mas Biden é o atual presidente, e o problema não é simplesmente a retirada, mas a maneira incrivelmente ingênua com que a executou. Biden perdeu uma oportunidade política que jamais voltará: usar o 20º aniversário do 11 de setembro para ser retratado como o homem que pôs fim à guerra mais longa da América.

E, como diria Ronald Reagan, fraqueza gera fraqueza. A fraqueza de Jimmy Carter não se limitou aos iranianos que invadiram a embaixada em Teerã e mantiveram reféns americanos presos por mais de 400 dias. Pouco menos de dois meses depois desse episódio, a União Soviética o surpreendeu com a invasão do Afeganistão.

A grande diferença entre Biden e Carter é que o segundo estava no final do mandato e já havia construído sua reputação — a de não ter uma espinha dorsal moldada na coragem. Antes da queda de Cabul, a aprovação de Biden oscilava entre 50% e 54%. Quando ele começou a trilhar o caminho da retirada, apostou que o povo americano, cansado de 20 anos de guerra, não se importaria muito com o que aconteceria depois. E, contrariando um plano bem desenhado e todos os conselhos da Inteligência norte-americana, Biden decidiu sair de “bate-pronto”, cometendo sucessivos erros, como o de retirar tropas antes dos civis. O governo não sabe quantificar quantos americanos ainda estão em solo afegão, mas esse número pode chegar a 30 mil. A aprovação de Biden derrete diante disso e das terríveis imagens que não param de chegar de Cabul. Os americanos não gostam de parecer patéticos diante do mundo, e qualquer repetição das barbaridades que atingiu o povo na última vez em que o Talibã ocupou o poder será usada contra ele.

“Isso claramente não é Saigon”, insistiu o fraco secretário de Estado, Antony Blinken. As palavras dele, que já havia demonstrado fraqueza diante dos chineses, não batem com as de seu chefe. Em 8 de julho, Biden negou qualquer paralelo com o Vietnã e declarou: “Não haverá nenhuma circunstância em que você veja pessoas sendo levantadas do telhado de uma embaixada”. Há relatos de assessores da Casa Branca dizendo que a única ordem inequívoca em meio ao caos desta semana foi direcionar os pilotos de helicóptero dos Estados Unidos que evacuaram a embaixada americana em Cabul para pousar em qualquer lugar, exceto no telhado.

As imagens que continuam chegando do Afeganistão não mostram apenas pessoas desesperadas diante do terrível regime das trevas que as espera. Elas escancaram a incompetência que deixou os americanos — de democratas a republicanos, de Fox News a MSNBC e CNN — estupefatos com tamanha incapacidade de governar. A reação mais comum a esse desastre é semelhante à de Ryan Crocker, embaixador de Barack Obama no Afeganistão: “Fiquei com algumas questões graves em minha mente sobre a capacidade de Joe Biden de liderar nossa nação como comandante-chefe”, afirmou. “Ter entendido tudo isso de maneira tão errada — ou, pior ainda, ter entendido o que provavelmente aconteceria e não se importar.”

A marca do “segundo Saigon” ficará nos livros de história e impregnará o legado de Joe Biden, não há dúvidas quanto a isso. Mas a ideia de que temos outro Jimmy Carter no comando do país pode ser ainda mais assustadora. Especialmente se essa ideia for interpretada por Teerã, Moscou ou Pequim. Há meses temos escrito que Biden representa sangue na água. E os tubarões sabem disso.

Leia também “A fraqueza explícita diante dos adversários”

 Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste

 

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Não há Palestina com Benjamin Netanyahu - O Globo

Guga Chacra


Constatação

A Palestina será o que Benjamin Netanyahu quiser. Se o primeiro-ministro de Israel quiser anexar a Cisjordânia, nenhuma pressão externa ou interna o impedirá. Se optar por não anexar, será porque calculou ser melhor esperar vislumbrando vantagens. O premier é um dos maiores vencedores da história política mundial. Conseguiu arquitetar o Oriente Médio dos seus sonhos. Não será diferente agora.

Netanyahu queria isolar o Irã. Conseguiu. 
Netanyahu queria que os EUA se retirassem do acordo nuclear firmado pelas grandes potências e o regime de Teerã. Conseguiu. 
Netanyahu queria que os EUA transferissem a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém. Conseguiu. 
Netanyahu queria que o presidente Donald Trump reconhecesse as Colinas do Golã, uma região síria ocupada por Israel, como território israelense. Conseguiu. 
Netanyahu queria se aproximar das nações árabes do Golfo Pérsico. Conseguiu.

Netanyahu conseguiu destruir sucessivamente todos os seus rivais políticos à esquerda e à direita. A lista é longa: Ehud Barak, Ehud Olmert, Tzipi Livni, Avigdor Lieberman, Yair Lapid, Naftali Bennet. O último, Benny Gantz, virou seu aliado e refém. Netanyahu está no poder há 11 anos seguidos. Conseguiu permanecer no cargo mesmo indiciado por corrupção. Sou crítico de Netanyahu. Discordo de suas posições em muitos temas de política interna israelense, assim como em política internacional. Mas, diferentemente de Donald Trump e Jair Bolsonaro, o premier israelense é genial, habilidoso e imbatível. Alguns dirão que sua performance no combate à Covid-19 foi decepcionante. Sem dúvida, os resultados ficaram aquém do esperado, longe de se compararem aos da premier da Nova Zelândia, Jacinda Ardern. Mas, ainda assim, não dá para comparar com os desempenhos catastróficos e vergonhosos dos presidentes brasileiro e americano. Além disso, o líder israelense não é negacionista e anticiência.

No caso da anexação da Cisjordânia, sabemos que na prática muda pouco. Já existe uma ocupação com a presença de mais de 100 assentamentos, onde vivem 400 mil colonos israelenses, sem falar na presença militar. Isso sem contar as outras centenas de milhares que vivem em Jerusalém Oriental, reivindicada pelos palestinos como parte de um futuro Estado. Os palestinos já enfrentam há décadas obstáculos para circular entre cidades como Nablus e Ramallah. A Autoridade Nacional Palestina não é um governo. Trata-se de uma administração burocrática, corrupta e com poderes restritos, sendo dependente de Israel e dos EUA. O grupo terrorista Hamas, por sua vez, opera pouco na Cisjordânia. Seu poder se concentra na Faixa de Gaza, onde exerce uma ditadura extremista e miliciana, ao mesmo tempo em que israelenses e egípcios mantêm um cerco ao território, onde sobrevivem 1,8 milhão de palestinos.

Civil palestino, armado com estilingue, enfrenta aviões caça da Força Aérea de Israel em um combate desproporcional

O sonho legítimo de um Estado palestino acabou, com anexação ou sem anexação. Com Joe Biden ou com Trump no poder em Washington. Com Mahmoud Abbas ou com Marwan Barghouti em Ramallah. O que interessa é Netanyahu, enquanto ele estiver no poder. E o líder israelense nunca quis o estabelecimento da Palestina. No máximo, uns bantustões em porções da Cisjordânia, sem soberania nacional e, óbvio, sem concessão de cidadania israelense aos palestinos. [Netanyahu, além de levar o exército israelense a agir de forma covarde, quando ataca civis palestinos desarmados, usa os civis palestinos como forma de se livras dos problemas internos que afetam seu governo.]

Guga Chacra, colunista - O Globo




quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Irã diz que não entregará as caixas-pretas de avião que caiu para os EUA - Folha de S. Paulo

AFP/Reuters

Boeing 737-800 seguia para a Ucrânia, mas caiu pouco após a decolagem e matou 176 pessoas 

A autoridade de aviação do Irã disse que não entregará aos Estados Unidos as caixas-pretas do avião que caiu em Teerã na manhã desta quarta-feira (8). O voo PS752, da companhia UIA (Ukraine International Airlines) decolou às 6h12 na hora local (23h42 de terça em Brasília) e seguia para Kiev. Ele caiu cinco minutos após deixar o aeroporto de Teerã e percorrer cerca de 45 km. As 176 pessoas a bordo morreram. "Não daremos as caixas-pretas ao fabricante [Boeing] nem aos norte-americanos", disse  Ali Abedzadeh, diretor da autoridade de aviação iraniana, citado pela agência Mehr.

O avião acidentado era um Boeing 737-800, um dos modelos mais usados na aviação global. É praxe que o fabricante de uma aeronave acidentada participe das investigações, como modo de buscar meios de prevenir novos acidentes. A Boeing tem sede nos EUA, e a autoridade de aviação civil norte-americana costuma participar das investigações de acidentes aéreos em outros países. O piloto não chegou a declarar emergência nem pedir ajuda à torre de controle, segundo a autoridade de aviação civil do Irã. A mídia do país divulgou relatos de que o acidente foi causado por problemas técnicos.  O Irã é alvo de fortes sanções dos EUA, que impedem negócios e parcerias entre os dois países em diversas áreas. 

A queda do avião ocorreu cerca de cinco horas depois que o Irã disparou mísseis contra bases americanas no Iraque, em resposta à um ataque dos EUA que matou o general Qassim Suleimani, principal autoridade militar iraniana.  As autoridades da Ucrânia e do Irã disseram que investigam as causas do acidente. A embaixada da Ucrânia descartou a possibilidade de terrorismo e inicialmente informou que teria ocorrido uma falha no motor do avião. No entanto, depois apagou a mensagem e disse que é preciso esperar as investigações para poder dizer, de modo oficial, quais foram as razões da queda.

Na Folha de S. Paulo - MATÉRIA COMPLETA

 


 

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

O Brasil planeja a ir à guerra aliado aos EUA? - José Casado

A guerra seduz o presidente

Brasil renunciou à ambiguidade como força vital da diplomacia

Donald Trump girou a chave da guerra com o Irã. Esse é, essencialmente, um conflito dos Estados Unidos com China e Rússia na disputa por hegemonia, define Henry Kissinger, ex-secretário de Estado.  
Arquiteto da distensão dos EUA com Pequim e Moscou nos anos 70, Kissinger gastou os últimos três dos seus 96 anos alertando sobre como o Irã se tornou fundamental para a China e a Rússia. Prevê reação à perspectiva de redução da influência na região — “se não o fizerem, estarão terminados, assim como os iranianos”. 12 mil quilômetros de Teerã, o ex-capitão Jair Bolsonaro resolveu se alinhar a Trump no conflito. Nada de novo, se o Itamaraty não liderasse uma manifestação contra o Irã. 

[não somos, nem pretendemos,  porta-voz  do presidente Bolsonaro, mas, ousamos afirmar que o Brasil não estará nem a favor do EUA tampouco do Irã.
Além da neutralidade conveniente aos interesses do Brasil não haverá nenhum conflito.

Quanto ao criticado 'protagonismo' do Brasil na Conferência contra o Terrorismo, vale destacar que ainda que o Irã seja considerado terrorista, a ação dos EUA, sem estar em guerra e em solo estrangeiro, configura o terrorismo de Estado, o que torna recomendável que o Brasil se afaste dos dois terroristas, não tome parte seja do 'terrorista' Irã, seja do 'terrorista' de Estado EUA = neutralidade absoluta.
O presidente Bolsonaro certamente sabe que a neutralidade é essencial aos INTERESSES do Brasil, validando o brado = Brasil, acima de todos! DEUS, acima de tudo.']


O Brasil renunciou à ambiguidade como força vital da diplomacia. Assumiu inédito protagonismo, incitando governos da América do Sul a uma ofensiva contra o regime iraniano no dia 20, em Bogotá, na Conferência Hemisférica contra o Terrorismo. O Itamaraty confirma em nota de dez parágrafos, na qual usa cinco vezes a palavra “terrorismo” em referência ao Irã. Nela, anuncia a inclusão do Brasil na “cooperação”, porque “não pode permanecer indiferente a essa ameaça, que afeta inclusive a América do Sul.” Faltou definir cooperação. Nos dicionários significa “operar juntamente”. Faltou, ainda, dizer se o Congresso foi consultado. 

Bolsonaro não alcançou nenhum dos seus objetivos declarados na aliança com Trump. E sua política externa baseia-se numa coletânea de crenças obscurantistas. Por isso, o Congresso deveria abandonar as longas férias e procurar respostas para questões relevantes à sociedade
Duas delas: 
- qual é o interesse brasileiro nesse conflito? 
- O Brasil planeja ir à guerra aliado aos EUA? 

Mais de 20% do superávit comercial de 2019 tiveram origem na região do Golfo, Irã incluído. Falta o governo explicar a lógica e apresentar seu plano para lidar com as vulnerabilidades do país numa economia global ameaçada. Decisões políticas têm custo, não dá para evitar as consequências. 

 
José Casado,  jornalista - Coluna em O Globo
 
 
 
 

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Toffoli determina que Petrobras abasteça navios iranianos no Paraná

Petroleira teme represálias dos Estados Unidos, já que os dois cargueiros parados estão na lista de sanções impostas pelo governo de Donald Trump



O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, determinou em decisão na noite de quarta-feira 24 que a Petrobras deve fornecer combustível a dois navios iranianos que estão parados no litoral do Paraná, sem combustível, desde junho. A petroleira alegava que as embarcações são alvo de sanções dos Estados Unidos e que temia ser punida.

Mais cedo na quarta-feira, o Irã ameaçou cortar as importações do Brasil se a estatal não reabastecer os dois cargueiros. “Se não for resolvido [o problema], talvez as autoridades em Teerã tenham que tomar algumas decisões, porque isso é o livre-comércio e outros países estão disponíveis”, afirmou o embaixador do país em Brasília, Seyed Ali Saghaeyan. Do outro lado, a Petrobras se recusa a abastecer temendo represálias dos Estados Unidos — ambas as embarcações estão na lista de restrições imposta pelo governo estadunidense.

Toffoli cassou a decisão dada anteriormente pelo STF. Na ocasião, ele mesmo pediu a suspensão da determinação do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), para que os cargueiros fossem abastecidos.  Na nova avaliação do ministro, a possibilidade de represália pelos Estados Unidos é improcedente pelo fato das embarcações iranianas estarem sob contrato com a empresa brasileira Eleva, que fretou os navios e não inclusa na lista de agentes sancionados pelo governo estadunidense. Procurada, a Petrobras informou que ainda não foi notificada sobre a decisão e que ainda tem que analisá-la.

O Irã é o principal parceiro comercial brasileiro no Oriente Médio e o principal importador do milho produzido no Brasil, segundo dados do Ministério da Economia. Somente entre janeiro e junho deste ano, Teerã foi responsável pela compra de 28% desta commodities — o maior porcentual entre todos os parceiros comerciais —, no que se traduz em 470 milhões de dólares.  Além do milho, o país persa foi o terceiro que mais comprou carne bovina brasileira em 2019, atrás somente da China e dos Emirados Árabes Unidos, totalizando 154 milhões de dólares em exportações. Em contrapartida, o Brasil importa apenas 26 milhões de dólares em produtos iranianos, o que representa uma balança superavitária em cerca de 1,3 bilhões de dólares a favor da economia brasileira.

Veja - Estadão Conteúdo

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Iranianos manifestam apoio aos palestinos no Dia de Jerusalém

Milhares de iranianos se manifestaram nesta sexta-feira no tradicional Dia de Jerusalém em apoio aos palestinos, em um contexto de crise pela retirada dos Estados Unidos do acordo nuclear. “Estados Unidos, Arábia Saudita e Israel querem encurralar o Irã, mas não sabem que agindo assim colocam em perigo sua própria segurança”, afirmou o presidente do parlamento, Ali Larijani, frente à multidão reunida em Teerã.

Na capital e em outras cidades do país, os manifestantes lançaram seus lemas habituais de “Morte a Israel!” e “Morte aos Estados Unidos!” e queimaram bandeiras dos dois países.
Grupo de manifestantes queima o boneco do presidente Donald Trump vestido com uma bandeira israelense em Teerã - AFP

Em Teerã, os manifestantes também queimaram um boneco gigante do presidente americano Donald Trump coberto com a bandeira israelense. A chamada Jornada de Al Quds (“Jerusalém” em árabe) é celebrada todos os anos desde a Revolução Islâmica do Irã em 1979 na última sexta-feira do Ramadã, o mês sagrado de jejum dos muçulmanos.

Este ano a celebração coincidente com a crise do programa nuclear iraniano depois que os Estados Unidos se retiraram do acordo firmado em 2015 e restabeleceram as sanções contra o país.

AFP 

terça-feira, 22 de maio de 2018

O complexo de vira-lata e a síndrome do com-o-Brasil-ninguém-pode

#ValeAPenaLerDeNovo: Lula decidiu que o país com quem ninguém pode é presidido por um governante que pode tudo

“Se o acordo for ignorado, vamos reagir”, avisou Celso Amorim. “Se vierem as sanções, os Estados Unidos vão se dar mal”, rosnou Marco Aurélio [Top Top]  Garcia. “Vou esperar para ver o que vem”, completou Lula com cara de quem acordou invocado. Os recados do chanceler de bolso, do conselheiro para assuntos cucarachas e do presidente da potência emergente deixaram claro que a trinca recém-chegada de Teerã não estava para brincadeira. As demais nações que endossassem o acordo com os aiatolás atômicos. Se falassem em sanções contra o Irã, o desacato internacional ao Brasil e à Turquia não ficaria sem resposta.

É possível que tenham ocorrido falhas na tradução. É possível que os gringos tenham imaginado que o repertório de retaliações do Brasil não vai muito além do boicote à Copa do Mundo e do cancelamento do Carnaval. O fato é que ninguém deu importância às frases ameaçadoras. Com o apoio das nações que efetivamente influenciam os destinos do mundo, o governo americano substituiu o acordo malandro por outra rodada de castigos aos iranianos provocadores. Restou a Lula botar a culpa nos ianques, proclamar-se vitorioso e bater em retirada.

O problema do país tropical, confirmou o mais recente dos incontáveis fiascos internacionais da Era da Mediocridade, não é o complexo de vira-lata. Essa disfunção, diagnosticada por Nelson Rodrigues,  só deu as caras entre 1950, quando a derrota na final contra o Uruguai transformou o brasileiro no último dos torcedores, e 1958, quando a Seleção triunfou na Copa da Suécia. O verdadeiro problema nacional é o contrário do complexo de vira-lata: é a síndrome de com-o-Brasil-ninguém-pode.

Aprende-se ainda no útero que a nossa bandeira é a mais bonita do mundo, embora ninguém se atreva a sair por aí tentando combinar camisa azul, calça verde e paletó amarelo. Aprende-se no berço que o nosso hino é o mais bonito do mundo, muitos sustenidos e bemóis à frente da Marselhesa. Aprende-se no jardim da infância que Deus é brasileiro, e portanto o país do futuro pode esperar que o futuro chegue dormindo em berço esplêndido.

Já chegou, acredita Lula, portador da síndrome em sua forma mais aguda. Ele decidiu que o país com quem ninguém pode é presidido por um governante que pode tudo. Acha-se capaz de solucionar conflitos cujas origens se perdem no tempo com fórmulas tão singelas quanto as usadas nos anos 70 pelo dirigente sindical escalado para entender-se com os patrões. Não enxerga diferenças entre povos divorciados por ódios milenares e um casal em crise. Dá palpites em conflagrações exemplarmente complexas com a desenvoltura de doutor no assunto. Essa mistura de ingenuidade, soberba e ignorância acabou produzindo uma forma muito singular de mitomania.

No cérebro de Lula, vale repetir, a área reservada à acumulação de conhecimentos é um terreno baldio. Por não ter assistido a uma só aula de geografia, ainda sofre para descobrir no mapa-múndi onde fica o Oriente Médio. Mas promete encerrar com duas conversas confrontos sobre os quais nada sabe. Por nunca ter lido um livro de história, ignora que o Irã é a antiga Pérsia, confunde o xá com chá, não faz a menor ideia de quem foi Khomeini. Desconhece o passado que produziu os ahmadinejads do presente. Mas chama de amigo um vigarista juramentado que promoveu a parceiro preferencial.

Entre os flagelos que atormentam o Brasil figuram mais de 10 milhões de analfabetos, um sistema de saneamento básico que só cobre metade das moradias, cicatrizes apavorantes no sistema de saúde e de educação, favelas miseráveis penduradas em morros sem lei, fronteiras fora do alcance do Estado, zonas de exclusão que encolheram o mapa oficial em milhões de quilômetros quadrados, a violência epidêmica, a corrupção endêmica, o primitivismo político, uma demasia de carências a eliminar. O presidente faz de conta que isso é conversa de inimigo da pátria e capricha na pose de conselheiro do mundo.

Candidato a secretário-geral da ONU, Lula já é um dos favoritos na disputa do título de idiota útil da década.

Publicado em 19 de maio de 2010 - Augusto Nunes - Veja

 

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Lula agora é a Cristina, nos próximos dias será você

Justiça ordena prisão da ex-presidente argentina Cristina Kirchner

A Justiça argentina ordenou o fim do foro privilegiado e a prisão da ex-presidente e senadora Cristina Kirchner (2007-2015) por supostamente acobertar iranianos acusados pelo atentado contra um centro judaico que matou 85 pessoas em 1994, informou nesta quinta-feira à AFP uma fonte judicial. A ordem inclui ainda a seu ex-chanceler, Héctor Timerman, e outros ex-funcionários de seu governo.

Cristina Kirchner é acusada de traição à pátria por ter assinado em 2012 um acordo com o Irã para que os iranianos acusados pelo atentado fossem interrogados em Teerã ou em um terceiro país.  A decisão foi ditada pelo juiz federal Carlos Bonadío, a quem Kirchner se apresentou em outubro, quando apresentou um texto escrito negando todas as acusações.  “Como acontece regularmente na Argentina a notícia vazou primeiro pela imprensa e Cristina ainda não foi notificada”, disse à AFP uma pessoa próxima à ex-presidente.

Cristina Kirchner acaba de tomar posse como senadora, eleita nas eleições legislativas de outubro, e assumirá em 10 de dezembro.  Para que o pedido do juiz seja cumprido, ela deverá primeiro ser submetida a um processo de perda do foro privilegiado no Congresso. Para isso, é preciso que o governo do presidente Mauricio Macri inclua esse pedido em uma convocatória a sessões extraordinárias.  O pedido deverá ser tratado pelo Senado, precisando ser aprovado por dois terços dos presentes.

A partir de 10 de dezembro a aliança governista Cambiemos terá 25 cadeiras (de um total de 72), enquanto o peronismo terá 32. No entanto, apenas dez desses peronistas respondem diretamente a Kirchner.  O processo conduzido por Bonadío foi aberto em razão de uma denúncia do procurador Alberto Nisman apresentada quatro dias antes de ele morrer, em 18 de janeiro de 2015.  “É um grande disparate jurídico. O objetivo desta perseguição judicial é atemorizar os dirigentes da oposição no Parlamento. Querem um Parlamento submisso”, disse a senadora na saída dos tribunais, quando se apresentou ao juiz.

Nesta quinta-feira, também foi preso em sua casa de Río Gallegos, na província austral de Santa Cruz, o ex-secretário da ex-presidente, Carlos Zannini, braço direito de Kirchner.   O magistrado Bonadío também acusou, sem prisão preventiva e com proibição de sair do país, ao ex-titular da Agência Federal de Inteligência, Oscar Parrilli e ao dirigente social kirchnerista Luis D’Elía, entre outros.  O atentado contra o centro judaico AMIA é o mais grave cometido na Argentina, e aconteceu dois anos depois de outro atentado, em 1992 contra, a embaixada de Israel em Buenos Aires.

AFP





 

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

‘Somos todos Lula’

O comissariado petista inspirou-se num sonho de Farah Diba, a ex-imperatriz do Irã

No domingo de carnaval os repórteres Vera Rosa e Ricardo Galhardo revelaram que, durante uma reunião com Lula, dirigentes do PT sugeriram a criação de uma rede de apoio a Nosso Guia com o slogan “Somos todos Lula”. Seria algo como o famoso “Je suis Charlie”, criado depois do ataque terrorista à redação do “Charlie Hebdo”. Seria, mas jamais será.

Puxando-se pela memória, a ideia ecoa uma proposta feita em 1978 pela imperatriz Farah Diba, do Irã. Seu país estava conflagrado, com milhões de pessoas na ruas pedindo o fim da monarquia mequetrefe de seu marido, o xá Reza Pahlevi. Farah vivera em Paris e lembrou que em 1968, quando os estudantes franceses pediam a renúncia do presidente Charles de Gaulle, o velho general convocou seus partidários para uma marcha pela avenida Champs Elysées. Um ministro interrompeu-a: — Talvez consigamos fazer uma marcha como a de De Gaulle, mas só em Paris.

Era lá que estavam os iranianos endinheirados que haviam fugido do país e lá passava a maior parte do tempo a princesa Ashraf, irmã gêmea de Reza. Semanas depois de propor a marcha, Farah e o marido saíram às pressas de Teerã. Ela não teve tempo para limpar direito sua escrivaninha.“Somos todos Lula”, quem, cara pálida? Nosso Guia queixa-se de que ninguém o defende. Nem ele, pois até agora não deu uma só explicação para seus confortos. Some-se a isso que jamais defendeu o comissário José Dirceu. Talvez não achasse argumentos para fazê-lo.

A vida deu a Lula um sentimento de onipotência que em certos momentos soa irracional, mas é sempre compreensível. Ele e sua mulher, Marisa, saíram daquele Brasil que tem tudo para dar errado. O retirante pernambucano cresceu na pobreza de uma família desestruturada. Sua primeira mulher, grávida, morreu num hospital público. Marisa, seu segundo matrimônio, fora casada com um taxista assassinado, cujo carro passou a ser dirigido pelo pai, também assassinado.

Como dirigente sindical, Lula comandou duas greves históricas que projetaram-no nacionalmente. Ambas resultaram em perdas financeiras para os grevistas, mas isso tornou-se uma irrelevância. Candidatou-se ao governo de São Paulo em 1982 e ficou em terceiro lugar, com 1,1 milhão de votos contra 5,2 milhões de Franco Montoro. Disputou quatro vezes a Presidência da República e perdeu duas eleições no primeiro turno para Fernando Henrique Cardoso.

Metamorfose ambulante, superou todas as adversidades. Elegeu-se, reelegeu-se, colocou um poste na sua cadeira e ajudou a permanência de Dilma Rousseff no Planalto, dando ao PT um predomínio inédito na história do país. Conta a lenda que um áulico atribuiu-lhe a cura de um câncer de um colaborador.

Lula acredita na própria invulnerabilidade. Para quem se reelegeu depois do escândalo do mensalão, tem boas razões para isso. A ideia de multidões vestindo camisetas com a inscrição “Somos todos Lula” reflete o modo de fazer política de um comissariado intelectual e politicamente exausto. Noves fora a piada de que esse poderia ser o uniforme da bancada de Curitiba, marquetagens desse tipo exauriram-se.

É impossível especular como ele sairá das encrencas em que se meteu, mas uma coisa é certa: seus maiores aliados, como sempre, são os seus adversários.

Fonte: O Estado de São Paulo - Elio Gaspari é jornalista

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

A trajetória trágica de Nimr al-Nimr

Ele não reconhecia o governo saudita e nem a soberania do rei. Para uma monarquia absoluta, isso foi um desafio inaceitável

O vilarejo de Awammiya fica a poucos quilômetros da cidade de Qatif, reduto dos xiitas na Arábia Saudita. Fui lá em janeiro de 2007 com outros jornalistas para testemunhar a data religiosa de Ashura e para entrevistar xiitas sauditas, de estudantes a empresários, e até seus líderes religiosos.

Ficamos agradavelmente surpresos porque as autoridades sauditas deram permissão aos xiitas para marcarem publicamente essa data muito importante na sua História: é lembrado, no décimo dia do mês islâmico de muharram, a morte de Hussein Ibn Ali, neto do profeta Maomé, na Batalha de Karbala, no ano 61 do calendário islâmico (680 A.D.). 

Essa batalha é considerada o momento em que a vertente do xiismo nasceu, dividindo os muçulmanos entre os sunitas e xiitas. Faixas pretas enormes enfeitavam as ruas de Qatif, com lamentações para Hussein, e os mais fervorosos devotos desfilavam se batendo e chorando. Os policiais sauditas ficaram observando de longe e nunca interferiram nos ritos religiosos.

Isso era um avanço para os xiitas sauditas, que sofriam há anos com as tensões sectárias vindas de alguns sauditas sunitas, que não aceitam os xiitas como verdadeiros muçulmanos. Em 1980, uma procissão de xiitas em Qatif foi dispersada violentamente pelas forças de segurança sauditas, levando à morte de 27 deles. O contraste entre aquela época e o que estávamos vendo em 2007 não podia ser maior. Mas, mesmo naquela época, nós vimos uma comunidade xiita em Qatif e vilarejos adjacentes rachada por razões econômicas. De um lado, estava Jafar al-Shayeb, um empresário bem-sucedido, que foi eleito para o Conselho Municipal de Qatif em 2005. Ele nos disse que as demandas dos xiitas sauditas eram domésticas, pedindo mais direitos civis e religiosos, e que não eram ligadas às tensões regionais causadas pela guerra civil no Iraque e entre os EUA e o Irã. “Nós queremos poder servir como ministro de Estado, nos inscrever no serviço militar, representar o reino no exterior como diplomatas, construir nossas mesquitas e imprimir nossos livros religiosos,” disse-nos Shayeb. “Nós estamos superando problemas sectários. Há um entendimento melhor entre os xiitas e o governo.”

Em contraste, quando fomos entrevistar o xeque Nimr al-Nimr em Awamiyya, o tom era bem diferente e desafiador. Percebia-se logo que Nimr era pobre e morava numa área carente. Sem sucesso econômico para abrandar seus sentimentos, Nimr nos disse que “o governo não vai nos dar nossos direitos, o povo vai ter que lutar por eles. Se as pessoas lutam pelos seus direitos, elas têm que esperar pagar o preço por isso, sendo presos e perdendo seus empregos.”

Xeque Nimr nos disse que não podia promover as leituras religiosas (chamadas de Husseiniyas) diariamente em salas grandes durante o Ashura porque não tinha acesso a um prédio com salas para isso. Em contraste, o xeque Hassan al-Saffar fazia Husseiniyas diariamente em um prédio novo de três andares em Tarout, que pertencia a uma família local.

O radicalismo de Nimr seguiu forte, e nos anos seguintes ele continuou a criticar o governo saudita em discursos e sermões. Chegou a dizer que não reconhecia o governo saudita e nem a soberania do rei. Para uma monarquia absoluta, isso foi um desafio inaceitável. Com o começo da Primavera Árabe, em 2011, jovens xiitas em Qatif começaram a organizar protestos contra o governo, exigindo mais direitos. Alguns desses protestos se tornaram violentos quando forças de segurança usaram gás lacrimogêneo para tentar dispersar os manifestantes. Um grupo pequeno de jovens xiitas, a maioria desempregada e desesperada, jogou pedras contra as viaturas da polícia, e depois coquetéis molotov. Alguns usaram armas de fogo contra policiais, ferindo uns e matando outros. Com isso, o governo divulgou uma lista dos 23 mais procurados xiitas, apelando para que eles se entregassem às autoridades ou seriam caçados e presos. Alguns se entregaram, outros foram presos e mais outros foram mortos tentando fugir da policia ao resistir à prisão.

O xeque Nimr foi preso em julho de 2012 e acusado de “desobediência ao governante,” “incitar a luta sectária” e “encorajar, liderar e participar de manifestações.” O seu julgamento começou em 2013, e ele teve mais de 70 sessões em frente ao juiz com seu advogado. Em todas as sessões, Nimr se recusou a aceitar a legitimidade do governo saudita. Em outubro de 2014, foi condenado à morte por “busca de ingerência estrangeira no reino,” por “desobediência aos seus governantes e por pegar em armas contra as forças de segurança.”

É nesse último ponto que há divergência de opiniões sobre se o xeque Nimr usou ou aprovou o uso de violência contra as forças de segurança. Algumas fontes sauditas dizem que Nimr, antes de ser preso, foi visto em manifestações com jovens que lançaram objetos incendiários e também num carro com jovens que atiraram em policiais. Em todo caso, boa parte da população saudita apoiou a execução dele e de 45 outros membros da al-Qaeda, todos sunitas, que também foram executados dia 2 de janeiro, por terem participado de ataques terroristas no país.

Com isso, o Irã está usando a execução de Nimr para atacar violentamente a Arábia Saudita e seus dirigentes. O ataque à embaixada saudita em Teerã na madrugada de 3 de janeiro foi o ato que levou a Arábia Saudita a cortar relações diplomáticas com o Irã. Eu não acho que uma guerra vá irromper entre os dois rivais do Golfo. Há coisas demais em jogo e, se os iranianos atacarem a Arábia Saudita, os EUA seriam forçados a intervir a favor dos sauditas. Mas é bom saber como e por que a morte de xeque Nimr está levando o Oriente Médio à beira de uma catástrofe.

Fonte: Rasheed Abou-Alsamh é jornalista