Terroristas não são ‘lobos solitários’ nem indivíduos que agem de uma forma amadora, levados por uma emoção intensa
O inominável, mais uma vez,
mostrou o seu rosto. A frieza dos atos, a meticulosidade em sua
preparação e o símbolo a ser atingido estampam a maldade extrema
enquanto característica do terror. No caso do assassinato de
cartunistas, jornalistas do “Charlie Hebdo" e de policiais, do terror
islâmico.
Os terroristas mostraram em sua ação o seu extremo profissionalismo. Não são “lobos solitários" nem indivíduos que agem de uma forma amadora, levados por uma emoção intensa. Foram treinados com tal objetivo e veicularam em seu ato o islamismo radical que os alimenta. Um policial ferido foi friamente assassinado no solo, quando os terroristas já se retiravam. Cartunistas chamados por seus nomes, que eram alvos previamente determinados e que deveriam ser exterminados.
Visaram tudo aquilo que o terror não pode admitir: a liberdade de imprensa, em sua forma particularmente irônica e satírica, a liberdade de expressão e o que caracteriza de modo geral uma sociedade democrática e livre. Ou seja, procuraram atingir tudo o que viemos a considerar como a civilização, a humanidade no que produziu de mais nobre no que diz respeito às suas ideias e princípios. Nada foi deixado ao acaso: jornalistas libertários e, mesmo, dentre eles, o mais renomado, Wolinski, um judeu. Certamente isso não escapou aos terroristas islâmicos.
Contudo, nada é propriamente novo. Igual comoção não se produziu quando os cristãos foram crucificados no Iraque pelo Estado Islâmico. Houve aqui uma estranha condescendência como se essas imagens fossem, de certa maneira, menos impactantes. É como se estivesse sendo dito que essas comunidades cristãs não devessem estar onde estão, apesar de sua origem remontar a muitos séculos, algumas descendentes dos primeiros cristãos. O cristianismo, para alguns, seria uma forma de cultura ocidental que não deveria fazer parte deste mundo, como se, por definição, ele devesse ser de natureza muçulmana radical.
Nada muito diferente do que ocorre com o Hamas em sua luta pela destruição do Estado de Israel, que terminou contando com a simpatia de boa parte de jornalistas e intelectuais. Alguns mais extremistas chegaram a pregar, em artigos, o seu apagamento do mapa. Augusto Bebel, social-democrata alemão do final do século XIX e início do século XX, dizia que “o antissemitismo era o socialismo dos idiotas". Poderíamos parafraseá-lo e dizer que “o antissionismo é o socialismo dos imbecis".
O Hamas nada mais é do que uma corrente do islamismo radical nascida da Irmandade Muçulmana. São duas faces do mesmo movimento, apregoando os mesmos “valores e princípios", como se valores e princípios fossem tudo o que procura justificar o aniquilamento dos princípios mesmos, universais, da civilização ocidental. Qualquer concessão ao multiculturalismo nada mais é, aqui, do que uma adesão politicamente correta ao terror.
O caso do Egito é particularmente significativo, mostrando, precisamente, as contradições de uma esquerda que termina optando pela submissão. Os militares egípcios, de confissão sunita, compreenderam muito bem a natureza do islamismo radical e se opuseram resolutamente a ele. Aliás, no contexto atual, a liderança religiosa sunita daquele país condenou em termos veementes o atentado terrorista ao jornal francês.
Ora, esses militares deram um golpe na Irmandade Muçulmana, que tinha conquistado o poder via eleitoral para, ali, se perpetuar. Esse movimento islamista utilizou a tática bolivariana de subverter uma instituição democrática por meios eleitorais. Note-se que, neste período, armaram o Hamas e lhe deram cobertura para atacar Israel com meios militares mais poderosos, via importação de armamentos e fábricas próprias de mísseis e foguetes.
Os militares egípcios salvaram, na verdade, o país de se tornar um Estado terrorista. O mais surpreendente é que foram condenados pela esquerda por serem não democráticos, embora tivessem se legitimado posteriormente por intermédio de uma nova eleição. Chama atenção o fato de que os que se opõem diretamente ao terror sejam condenados, como se essa forma de islamismo radical tivesse o direito de existir, entendido por eles como o direito de exterminar os diferentes.
A comunidade yazidi, no Iraque, sofreu um destino semelhante, sendo perseguida e assassinada pelos membros do Estado Islâmico. A violência foi também extrema, não poupando jovens e mulheres, estupradas, escravizadas e prostituídas. Sua condição é igualmente inominável, porém, de certa maneira, parece nos chocar menos por se situar em uma terra longínqua, enquanto a França nos é bem próxima.
Trata-se de uma trajetória da maldade que encontra agora, na figura de jornalistas contestatários, uma espécie de culminação, a do terror que, nesta sua forma, torna-se mais assustador. Ocorre que esse desfecho contou, em seus momentos anteriores, com a simpatia de vários setores à esquerda do jornalismo e da intelectualidade. Muitos dos seus atos, com essas suas outras faces, eram vistos como modos de luta contra os EUA, o “imperialismo”, o capitalismo e outras bobagens do mesmo quilate. Outros ainda afirmavam a necessidade do multiculturalismo, do direito de diferentes culturas (aliás, direito ao terror, propriamente falando!).
Outros ainda procuram explicar o terror como uma suposta retroalimentação entre ele e a islamofobia ou, ainda, “justificar” tais tipos de ação como “respostas” à profanação da imagem de Maomé, como se os terroristas tivessem o direito de impor as suas crenças aos países ocidentais, eliminando os seus valores. Claro que sempre há uma frase ou pequeno parágrafo final condenando o ato, como se assim o jornalista ou “analista” pudesse ainda salvar a sua face, não se mostrando francamente adepto do terror, o que não cairia bem no contexto atual de condenação mundial a este ato.
São, na verdade, esquerdopatas, ou seja, dizendo a mesma coisa de outra maneira, pensam com as patas.
Fonte: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Os terroristas mostraram em sua ação o seu extremo profissionalismo. Não são “lobos solitários" nem indivíduos que agem de uma forma amadora, levados por uma emoção intensa. Foram treinados com tal objetivo e veicularam em seu ato o islamismo radical que os alimenta. Um policial ferido foi friamente assassinado no solo, quando os terroristas já se retiravam. Cartunistas chamados por seus nomes, que eram alvos previamente determinados e que deveriam ser exterminados.
Visaram tudo aquilo que o terror não pode admitir: a liberdade de imprensa, em sua forma particularmente irônica e satírica, a liberdade de expressão e o que caracteriza de modo geral uma sociedade democrática e livre. Ou seja, procuraram atingir tudo o que viemos a considerar como a civilização, a humanidade no que produziu de mais nobre no que diz respeito às suas ideias e princípios. Nada foi deixado ao acaso: jornalistas libertários e, mesmo, dentre eles, o mais renomado, Wolinski, um judeu. Certamente isso não escapou aos terroristas islâmicos.
Contudo, nada é propriamente novo. Igual comoção não se produziu quando os cristãos foram crucificados no Iraque pelo Estado Islâmico. Houve aqui uma estranha condescendência como se essas imagens fossem, de certa maneira, menos impactantes. É como se estivesse sendo dito que essas comunidades cristãs não devessem estar onde estão, apesar de sua origem remontar a muitos séculos, algumas descendentes dos primeiros cristãos. O cristianismo, para alguns, seria uma forma de cultura ocidental que não deveria fazer parte deste mundo, como se, por definição, ele devesse ser de natureza muçulmana radical.
Nada muito diferente do que ocorre com o Hamas em sua luta pela destruição do Estado de Israel, que terminou contando com a simpatia de boa parte de jornalistas e intelectuais. Alguns mais extremistas chegaram a pregar, em artigos, o seu apagamento do mapa. Augusto Bebel, social-democrata alemão do final do século XIX e início do século XX, dizia que “o antissemitismo era o socialismo dos idiotas". Poderíamos parafraseá-lo e dizer que “o antissionismo é o socialismo dos imbecis".
O Hamas nada mais é do que uma corrente do islamismo radical nascida da Irmandade Muçulmana. São duas faces do mesmo movimento, apregoando os mesmos “valores e princípios", como se valores e princípios fossem tudo o que procura justificar o aniquilamento dos princípios mesmos, universais, da civilização ocidental. Qualquer concessão ao multiculturalismo nada mais é, aqui, do que uma adesão politicamente correta ao terror.
O caso do Egito é particularmente significativo, mostrando, precisamente, as contradições de uma esquerda que termina optando pela submissão. Os militares egípcios, de confissão sunita, compreenderam muito bem a natureza do islamismo radical e se opuseram resolutamente a ele. Aliás, no contexto atual, a liderança religiosa sunita daquele país condenou em termos veementes o atentado terrorista ao jornal francês.
Ora, esses militares deram um golpe na Irmandade Muçulmana, que tinha conquistado o poder via eleitoral para, ali, se perpetuar. Esse movimento islamista utilizou a tática bolivariana de subverter uma instituição democrática por meios eleitorais. Note-se que, neste período, armaram o Hamas e lhe deram cobertura para atacar Israel com meios militares mais poderosos, via importação de armamentos e fábricas próprias de mísseis e foguetes.
Os militares egípcios salvaram, na verdade, o país de se tornar um Estado terrorista. O mais surpreendente é que foram condenados pela esquerda por serem não democráticos, embora tivessem se legitimado posteriormente por intermédio de uma nova eleição. Chama atenção o fato de que os que se opõem diretamente ao terror sejam condenados, como se essa forma de islamismo radical tivesse o direito de existir, entendido por eles como o direito de exterminar os diferentes.
A comunidade yazidi, no Iraque, sofreu um destino semelhante, sendo perseguida e assassinada pelos membros do Estado Islâmico. A violência foi também extrema, não poupando jovens e mulheres, estupradas, escravizadas e prostituídas. Sua condição é igualmente inominável, porém, de certa maneira, parece nos chocar menos por se situar em uma terra longínqua, enquanto a França nos é bem próxima.
Trata-se de uma trajetória da maldade que encontra agora, na figura de jornalistas contestatários, uma espécie de culminação, a do terror que, nesta sua forma, torna-se mais assustador. Ocorre que esse desfecho contou, em seus momentos anteriores, com a simpatia de vários setores à esquerda do jornalismo e da intelectualidade. Muitos dos seus atos, com essas suas outras faces, eram vistos como modos de luta contra os EUA, o “imperialismo”, o capitalismo e outras bobagens do mesmo quilate. Outros ainda afirmavam a necessidade do multiculturalismo, do direito de diferentes culturas (aliás, direito ao terror, propriamente falando!).
Outros ainda procuram explicar o terror como uma suposta retroalimentação entre ele e a islamofobia ou, ainda, “justificar” tais tipos de ação como “respostas” à profanação da imagem de Maomé, como se os terroristas tivessem o direito de impor as suas crenças aos países ocidentais, eliminando os seus valores. Claro que sempre há uma frase ou pequeno parágrafo final condenando o ato, como se assim o jornalista ou “analista” pudesse ainda salvar a sua face, não se mostrando francamente adepto do terror, o que não cairia bem no contexto atual de condenação mundial a este ato.
São, na verdade, esquerdopatas, ou seja, dizendo a mesma coisa de outra maneira, pensam com as patas.
Fonte: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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