Pacificação tem atraído novos moradores, que se prevalecem da leniência do poder público para ocupar áreas beneficiadas pela política de segurança nas favelas
A
instalação das Unidades de Polícia Pacificadora no Rio tem o propósito, em
razão da urgência ditada pela dimensão da violência, de resgatar comunidades
subjugadas por grupos do crime organizado. Adjacentes a esse objetivo, e tão
importantes quanto a ocupação policial, situam-se as ações sociais, um conjunto
de iniciativas no âmbito do poder público. Caso da oferta de serviços,
urbanização e políticas públicas (entre elas, habitação), em geral ausentes nas
favelas, em grande parte devido a barreiras criadas pelas quadrilhas que nelas
atuam. Ambas, a retomada de regiões e sua reocupação pelo Estado, são partes
indissociáveis de um mesmo programa.
Era de se
esperar, por isso, que às ações policiais de asfixiamento dos grupos criminosos
e de libertação das áreas por eles controladas, se sucederiam os movimentos do
poder público para conduzir tais regiões à formalidade. A constatação de que,
nessas comunidades, em lugar de atrair o Estado, a pacificação tem permitido o
avanço da favelização é preocupante sinal de distorção dos propósitos do
programa das UPPs.
O
comentário do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, de que a desordem
urbana nas comunidades com UPPs tem sido cevada, ainda que indiretamente, pela
pacificação, é um preocupante alerta. A leniência do poder público estimula um
movimento previsível: com oferta de mais segurança para morar, fiscalização
precária e sem uma reocupação efetiva do poder público com seus serviços, essas
áreas têm atraído novos moradores. Em vez de ações planejadas de urbanização,
uma alternativa aberta pelas unidades pacificadoras, dá-se o incremento da
invasão desordenada. Esta, por sua vez, realimenta uma cadeia de informalidade
propícia ao retorno das quadrilhas do crime organizado. É um deletério jogo que
se realimenta no vazio do Estado.
Fenômeno
semelhante já havia ocorrido com o Favela Bairro. O programa introduziu uma
série de melhorias nas favelas atendidas, mas, sem uma perspectiva mais ampla
de mudar o perfil de ocupação dessas regiões, acabou por incentivar o movimento
de ocupação desordenada.
É uma
lição para a atual pacificação: cumprida, na maioria das favelas, a missão de
retomada das áreas para o controle do Estado, fica a sensação de que falta vontade
política aos órgãos de governo para dar seguimento aos objetivos mais
estratégicos da política das UPPs.
O
secretário Beltrame já chamou atenção também para a necessidade de se abrir
espaço, via urbanização, para o acesso dos serviços públicos. Vielas e becos
são obstáculos intransponíveis nas favelas, e removê-los é um imperativo para a
chegada desses serviços — inclusive de segurança. As UPPs, portanto, não podem
servir de anteparo para o incremento da desordem urbana. Elas devem ser
avalistas das necessárias mudanças do perfil de ocupação das favelas.
Fonte: O Globo - Editorial
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