O combate à corrupção no país entra em uma fase
crucial de discussão jurídica sobre o poder de atuação de cada uma das
partes envolvidas nas investigações e condenações dos réus dos diversos
processos da Operação Lava Jato. A regulamentação das delações premiadas
como instrumento novo e decisivo nesse combate está em curso nos
tribunais, e tivemos nessa semana dois exemplos disso.Tudo indica que
esteja havendo a busca de uma sintonia fina entre os vários atores, mas o
que há no momento é uma dissintonia.
O Supremo Tribunal Federal (STF) discutiu pela primeira vez o papel
do colegiado no julgamento dos envolvidos em delações premiadas, e
decidiu que os acordos feitos na Procuradoria-Geral da República só
podem ser alterados em caso de ilegalidades detectadas no decorrer do
processo, e o Tribunal Regional Federal da 4 Região absolveu o
ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, que havia sido condenado pelo
Juiz Sérgio Moro a 15 anos de detenção por corrupção, lavagem de
dinheiro e formação de quadrilha.
No caso do STF, não prevaleceu a tese inicial do relator Edson
Facchin de vinculação da Corte ao acordo fechado pela
Procuradoria-Geral, mas ficou muito restrita a possibilidade de revisão.
Um fato novo é a opinião da futura Procuradora-geral da República
Raquel Dodge, revelada na edição de ontem do jornal Valor Econômico, que
concorda com o ministro Gilmar Mendes em que os acordos firmados entre
os procuradores e o delator são apenas indicações que têm que ser
confirmadas pelo plenário do Supremo, ou pelo Juiz do caso, ao final do
processo.
No caso de Vaccari, poderemos ter outros julgamentos no mesmo TRF 4
que levem a novas absolvições do ex-tesoureiro do PT, pois está fixada
uma exigência de provas além da delação premiada mais rigorosa do que
previam os procuradores de Curitiba e o próprio Juiz Moro. Até agora, a maioria das decisões da Corte de segunda instância foi
no sentido de ratificar ou até mesmo aumentar as penas dadas na primeira
instância por Moro, mas os casos todos se referiam a réus que,
apontados nas delações premiadas, receberam diretamente dinheiro de
propina disfarçado em pagamento de supostas consultorias ou palestras,
ou situações assemelhadas.
João Vaccari, como um dedicado servo do PT, homem do partido, não fez
delação premiada e não teve nenhum montante depositado em seu nome,
tendo intermediado o pagamento de propina, segundo várias delações, mas
nunca esse dinheiro parou em uma conta pessoal sua. O Juiz Moro
considerou que as doações eleitorais oficiais feitas por empreiteiras ao
PT, por meio de Vaccari, saíram do esquema de corrupção na Petrobras, e
usou como prova o fato de que as doações coincidiam com os desembolsos
da Petrobras para as empreiteiras.
Moro disse, na sentença, que as acusações também “encontram
corroboração na prova material das doações, nas circunstâncias objetivas
de sua realização, e ainda na prova material da entrega de valores por
outra empreiteira e em circunstâncias sub-reptícias".
O relator no TRF 4, desembargador João Pedro Gebran, não apenas
concordou, mas votou pelo aumento da pena de Vaccari. Os outros dois
desembargadores da Turma, Leandro Paulsen e Victor Laus, inocentaram
João Vaccari Neto, considerando que não houve provas além das delações
premiadas, que não servem, por si só, segundo a legislação, como
elemento de prova.
Tudo indica, no entanto, que este foi um caso pontual em que uma
divergência na avaliação da prova e da interpretação da lei pesou na
revisão da pena. Nada que deva ser superdimensionado, segundo a
interpretação que prevalece em Curitiba. A situação de Vaccari não é
extensível a outros casos, pois é uma questão de prova que varia caso a
caso.
A questão é que Vaccari roubava para o partido, então tem a prova do
dinheiro indo ao partido, mas não de enriquecimento pessoal, pois não
era isso o que ele fazia.Só nesse caso havia cinco depoimentos
confirmando a corrupção e o envolvimento do Vaccari, e para muitos
juristas a corroboração de delações cruzadas, isto é, o mesmo relato de
diversas fontes, apoiados em indícios fortes, pode substituir as provas,
mas não foi esse o entendimento da maioria da Turma do TRF 4.
A denúncia contra Lula no caso do triplex do Guarujá, por exemplo, é
feita na base de indícios e delações segundo a defesa, e por isso há a
esperança de que a mesma decisão seja tomada pelos desembargadores do
TRF 4 caso o ex-presidente venha a ser condenado em primeira instância. Contudo, o Ministério Público de Curitiba que atua na Lava Jato
sempre esteve muito confiante pelo prisma jurídico nesse caso, pois
consideram que o quadro de provas é consistente, independentemente de
qualquer colaboração.
De fato, no caso específico há fotos, documentos, a compra de
cozinhas especiais para o triplex e o sítio de Atibaia, além da delação
do próprio dono da OAS confessando que deu o apartamento para o
ex-presidente como pagamento por favores prestados, descontando o valor
de uma conta-corrente da propina.
Fonte: Merval Pereira - O Globo
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