Duas pessoas morrem a cada três dias vítimas de arma de fogo no DF
Levantamento inédito do Samu, a pedido do Correio, mostra que os hospitais do DF receberam 276 vítimas de arma de fogo em 2016, contra 250 no ano anterior, o que representa um aumento de 10,4%
Após um ano em queda, os números de vítimas de arma de fogo voltaram a
subir no Distrito Federal. No ano passado, os hospitais públicos da
capital receberam 276 pessoas com perfuração provocada por tiro. Em
2015, foram 250. Em comparação, o aumento é de 10,4%. As mortes à bala
cresceram 5,5% de um ano para o outro, passando de 486 para 513. A
discrepância entre internações e óbitos se deve ao fato de a maioria das
vítimas de disparo morrerem antes de receber atendimento médico. Os
dados foram levantados pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
(Samu), a pedido do Correio.
A tendência de alta continua em 2017. Só no primeiro quadrimestre
do ano — balanço mais recente —, o Samu socorreu 170 pessoas alvos de
arma de fogo. O índice representa 61% do total registrado em 2016. De
janeiro a abril último, 138 morreram baleados. Com
base nos casos anotados pelas equipes do Samu, entre 2014 e 2016, 894
necessitaram de socorro de emergência após serem baleados. No mesmo
período, 1.630 pessoas morreram após serem alvejadas na capital federal.
Só no ano passado, foram 513. Isso significa que, a cada um dia e meio,
um brasiliense perdeu a vida vítima de arma de fogo. Ou seja, duas
vítimas a cada três dias.
A violência permanece
assombrando os brasilienses. Ao menos três crimes com armas de fogo
ocorreram nas últimas duas semanas, em pontos diferentes do DF. O DJ
Yago Sik, 23 anos, morreu com dois tiros após uma festa no Conic.
Johangel Sckully Ferreira, 20, foi assassinada com um tiro no rosto, na
porta de casa, em São Sebastião. O empresário Lessandro Vilela Borba,
38, não resistiu ao disparo na nuca, no Recanto das Emas.
Familiares
de Johangel se reuniram no Cemitério Campo da Esperança, terça-feira,
para sepultar a jovem, morta domingo. Valdeci Santos, 52 anos, um agiota
conhecido na região, é apontado pelos investigadores como autor do tiro
fatal. Ao chegar à casa da vítima, ele a chamou pelo nome e, quando ela
abriu o portão, disparou à queima-roupa. Ela morreu na hora. “Essa
violência desenfreada tem que acabar. Um parente nosso se tornar alvo de
arma de fogo é uma tragédia. Onde estão as autoridades de segurança,
cadê a compaixão?”, desabafou uma parente de Johangel, que pediu para
não ser identificada.
Desde o crime, pouca é a
movimentação na casa onde a jovem morava, na Quadra 11 do Morro Azul, em
São Sebastião. “Ainda estamos assustados. Não sabemos direito o que
teria motivado essa crueldade”, completou a parente. A família é
resistente à entrevista e o contato até mesmo com vizinhos está ligeiro.
“Queremos evitar comentários. Estamos com medo”, ponderou a mulher.
Johangel deixou uma filha de 5 meses.
Integrante do
Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de Brasília (UnB), Maria
Stela Grossi Porto alerta para a onda de violência. Ela diz haver falhas
na falta de combate ao mercado paralelo de armas e na ausência de
diálogo, que deu lugar a situações extremas para resolver conflitos. “Já
houve pesquisa e estatística suficientes para mostrar esses problemas,
que parecem não preocupar as autoridades públicas”, critica a
especialista.
Maria Stela diz que o poder
público não avançou após a criação do Estatuto do Desarmamento,
sancionado há 14 anos. “Esses índices, embora sejam preocupantes, não
têm feito com que a sociedade se mobilize ou passe a exigir um maior
controle das armas, que o estatuto do desarmamento seja respeitado. Ao
lado dessa discussão, temos outra perspectiva, a defesa de algumas
autoridades ao uso desregrado de armas de fogo”, comenta.
A
Secretaria de Saúde admite a possibilidade de uma subnotificação dos
casos. Isso acontece porque, no banco de dados da pasta, o preenchimento
de códigos, como para arma de fogo, não é obrigatório no Prontuário
Eletrônico. Esse tipo de identificação é secundária ou associada,
ressalta a secretaria, por meio de nota. Além da falha nos cadastros da
Secretaria de Saúde, a Secretaria de Segurança Pública e o Corpo de
Bombeiros não contabilizam os casos. A
Secretaria de Saúde não soube precisar o custo desses atendimentos e os
impactos no orçamento. “As internações em enfermarias e prontos-socorros
têm um custo universal, não sendo detalhado por especialidade. Deste
modo, não temos o dado filtrado”, alegou, também por meio da assessoria
de comunicação.
Ninguém
do Executivo local quis dar entrevista. A Secretaria de Segurança
informou apenas, por meio de nota, que as polícias retiraram das ruas do
DF, nos últimos três anos, 6,6 mil armas de fogo. Neste ano, até junho,
os agentes de segurança apreenderam 1.076 armas — 50,8% do total
recolhido em 2016, quando houve 2.116 apreensões.
Para saber mais
Números de guerra
Um
levantamento das secretarias estadual e municipal de Saúde do Rio de
Janeiro mostra que, de janeiro a março deste ano, 1.198 pessoas foram
socorridas nos hospitais públicos da capital carioca com esse tipo de
ferimento. O número representa 33% dos 3.729 casos de 2016. Em média,
são atendidas 13 pessoas baleadas por dia.
O
Brasil ocupa a 10ª posição no ranking dos países que mais matam com
armas de fogo, de acordo com o Mapa da Violência 2016. Pesquisa da
Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) afirma que o
país teve 44.861 mortes dessa modalidade em 2014, um pouco mais que os
acidentes de trânsito (44.823) e quatro vezes mais que as mortes em
decorrência da aids (12.534).
Fonte: Correio Braziliense
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