Cada um tenha a opinião que quiser sobre
o aborto em si, a descriminação ou mesmo a legalização. O ponto não é
esse. O que há de fundamental a se destacar é o seguinte:
ao tratar da
questão e chamar para si a responsabilidade de tomar uma decisão a
respeito, o STF está usurpando uma atribuição que é do Congresso
Nacional. A porteira por onda passa esse boi pode permitir a passagem da
boiada toda. [o furor legiferante do Supremo, emendando e interpretando virtualmente a Constituição Federal - apesar do texto supostamente emendado continuar escrito preto no branco - é o que tem possibilitado muitas aberrações, entre elas a aprovação do casamento gay, emendando, sem emendar, o texto constitucional, notadamente o artigo 226.]
A matéria está prevista nos Artigos 124 a
128 do Código Penal. Exclui-se o crime apenas em duas circunstâncias:
estupro e risco de morte da mãe. E a quem cumpre mudar tal código? Ao
Congresso. Em 2012, no entanto, o pleno do Supremo avançou sobre a
prerrogativa do Legislativo e emendou, sem emendar, a lei. Deixou de ser
crime também o aborto de fetos ditos anencéfalos.
Em 2016, numa prática verdadeiramente
assombrosa, a Primeira Turma do Tribunal, por iniciativa de Roberto
Barroso, conhecido militante da causa pró-descriminação do aborto,
decidiu que a interrupção da gravidez até a 12ª semana de gestação não é
crime e depende exclusivamente da vontade da mulher. Atenção! O doutor
estava apenas votando a concessão de habeas corpus para uma senhora que
fora submetida a aborto e para o médico, que realizara o procedimento.
A decisão só valia para aquele caso, mas Barroso houve por bem seu proselitismo:
“Em verdade, a criminalização confere uma proteção deficiente aos direitos sexuais e reprodutivos, à autonomia, à integridade psíquica e física, e à saúde da mulher, com reflexos sobre a igualdade de gênero e impacto desproporcional sobre as mulheres mais pobres. Além disso, criminalizar a mulher que deseja abortar gera custos sociais e para o sistema de saúde, que decorrem da necessidade de a mulher se submeter a procedimentos inseguros, com aumento da morbidade e da letalidade”.
“Em verdade, a criminalização confere uma proteção deficiente aos direitos sexuais e reprodutivos, à autonomia, à integridade psíquica e física, e à saúde da mulher, com reflexos sobre a igualdade de gênero e impacto desproporcional sobre as mulheres mais pobres. Além disso, criminalizar a mulher que deseja abortar gera custos sociais e para o sistema de saúde, que decorrem da necessidade de a mulher se submeter a procedimentos inseguros, com aumento da morbidade e da letalidade”.
Muito bem! Desta feita, o que está em
causa é um ADPF — Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental —
que argumenta, em essência, que a proibição do aborto, presente no
Código Penal, violaria garantias constitucionais. É esta, diga-se, a
tese de Barroso. Bem, a ser assim, em nome da igualdade e dos direitos
fundamentais, pode-se revogar qualquer lei no país. A ser assim, o
Supremo se torna, com efeito, o Supremo Legislador. Venham cá: por que
não se pode dizer, por exemplo, que as leis que garantem a propriedade
ferem o princípio da igualdade e da dignidade humana, já que há tantos
no país que não têm nada?
Continua aqui
Blog do Reinaldo Azevedo
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