Folha de S. Paulo
Não por ele ou pelo PT, mas em defesa de um precioso bem público: o Estado de Direito
[pergunta boba, mas, pertinente: Que 'estado de direito' é este? que entre as várias coisas que impõe se destaca o respeito irrestrito a Constituição, se para manter tal 'estado' se viola a Constituição que determina que prova ilícitas não serão anexadas ao processo (o que não está no processo não existe no mundo.
Provas que também não foram devidamente periciadas para confirmação de sua autenticidade.]
O STF examinará, logo mais, as condenações impostas a Lula. Hoje
sabemos, graças à Vaza Jato, que os processos tinham cartas marcadas. O
conluio entre Estado-julgador e Estado-acusador violou as leis que
regulam o funcionamento do sistema de Justiça. A corte suprema tem o
dever de preservar o Estado de Direito, declarando a nulidade dos
julgamentos e colocando o ex-presidente em liberdade.
Lula livre. Evito adicionar o clássico ponto de exclamação porque, sob a
minha ótica, Lula é politicamente responsável pela orgia de corrupção
que se desenrolou na Petrobras.
A corrupção lulopetista nasce de uma tese política elaborada, em versões
paralelas, por José Dirceu e Luiz Gushiken. O PT, no poder, deveria
modernizar o capitalismo brasileiro, encampando o programa que uma
“burguesia nacional” submissa ao “imperialismo” recusava-se a conduzir.
Lula converteu a tese em estratégia, articulando a aliança entre
empresas estatais, fundos de pensão e setores do alto empresariado
privado que reativaria nosso capitalismo de Estado. Numa segunda volta
do parafuso, parte da renda gerada pelo mecanismo financiaria o projeto
de poder, assegurando ao lulopetismo uma maioria parlamentar estável e a
hegemonia perene na arena eleitoral.
O mecanismo corrupto provocou uma erosão nos alicerces da democracia.
Lula e o PT devem ser julgados por isso, mas no tribunal certo, que é o
das urnas. Não creio em bruxas. Do Planalto, Lula avalizou pessoalmente a
colonização de diretorias da Petrobras por agentes do PT, do PMDB e do
PP que aplicaram as regras do jogo da corrupção, distribuindo contratos
ao cartel de empreiteiras e cobrando propinas destinadas tanto a seus
amos políticos quanto a formar patrimônios próprios.
A promiscuidade entre o presidente e as empreiteiras estendeu-se para
além das fronteiras nacionais, gerando contratos corruptos, financiados
pelo BNDES, com governantes amigos na América Latina e na África. Lula
beneficiou-se diretamente do mecanismo, por meio de palestras no
exterior patrocinadas pelas empreiteiras. Nelas, um ex-presidente que
detinha a palavra final no governo da sucessora traficava influência,
trocando seus bons ofícios por remunerações milionárias. Segundo minha convicção, o tribunal dos eleitores não cobre toda a
responsabilidade de Lula. Acho que ele deve responder perante a lei por
uma cadeia de atos de corrupção que lhe propiciaram benefícios políticos
e materiais. Mas, felizmente, [sic] na esfera jurídica, o que eu penso —e o
que você, leitor, pensa— não tem valor nenhum. No Estado de Direito
democrático, juízes independentes ignoram o “clamor popular”, escrevendo
sentenças embasadas na lei e informadas por um processo delimitado por
formalidades que protegem os direitos do réu. Fora disso, ingressamos no
mundo da Justiça politizada, que é o de Putin, Erdogan e Maduro.
Sergio Moro agiu como juiz de instrução italiano, uma espécie de
coordenador dos procuradores —mas no Brasil, onde inexiste essa figura,
não na Itália, onde um juiz diferente profere a sentença. Batman e
Robin. Moro e Dallagnol, comparsas, esculpiram juntos cada passo do
processo, nos tabuleiros judicial e midiático. No Partido dos
Procuradores, milita também a juíza Gabriela Hardt, que copiou a
sentença de Moro para fabricar a do sítio —e que, num trecho original de
sua peça plagiária, trata José Aldemário Pinheiro e Leo Pinheiro, nome e
apelido da testemunha-chave, como pessoas distintas.
Batman, Robin e cia merecem sentar no banco dos réus sob a acusação de
fraudar o sistema de Justiça. Lula livre, não por ele ou pelo PT, mas em
defesa de um precioso bem público, de todos nós, ao qual tantos
brasileiros pobres precisam ter acesso: o Estado de Direito. Que o
ex-presidente seja processado novamente, segundo os ritos legais, e
julgado por magistrados sem partido.
Demétrio Magnoli, sociólogo, artigo publicado na Folha de S. Paulo
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