Eliane Cantanhêde
Sob pressão, STF discute com demais Poderes 'modulação' de decisões incômodas
A sensação em Brasília é de que todos estão, ou estamos, paralisados e
com a respiração suspensa à espera de quarta-feira, quando o Supremo
começa a discutir e pode até concluir o julgamento sobre o que o
Ministério Público e a Polícia Federal podem ou não fazer com dados de
milhares ou milhões de cidadãos na Unidade de Inteligência Financeira
(UIF, ex-Coaf).
Essa decisão diz respeito não só aos milhares de alvos de processos que
fizeram festa com a decisão monocrática do ministro Dias Toffoli, mas
também à força-tarefa da combalida Lava Jato, aos órgãos de investigação
em geral e à própria sociedade brasileira, exausta com a impunidade. Quatro meses depois de parar quase mil investigações, Toffoli repete uma
prática que vai se tornando corriqueira em julgamentos de grande
impacto: a busca de uma tal de “modulação” – que no fim não dá certo.
Fala-se muito em modular, mas na hora “H” não se modula nada. Melhor
exemplo: o drástico recuo, por um voto, na prisão após segunda
instância. Sem meio-termo, a decisão foi pura, direta. E tirou Lula da
prisão.
O que é “modulação”? É a tentativa de votar a favor dos investigados e
contra a vontade da sociedade, mas tentando maneirar e reduzir a
avalanche de críticas. Ou seja: o STF se prepara para decidir contra o
compartilhamento de dados, tão importante para o trabalho do MP e da PF,
mas já pedindo desculpas e amenizando a decisão. Além de dividir
responsabilidades.
No voto sobre segunda instância, Toffoli desistiu de última hora de
buscar uma inviável modulação, mas empurrou o abacaxi para o Congresso,
compartilhando a pressão e as críticas com o outro Poder. Aliás, um
parênteses: em artigo ontem no Estado, o ministro Sérgio Moro bem
destacou que, ao admitir que o Congresso poderia alterar o Código do
Processo Penal e a própria Constituição, o presidente do Supremo admitia
também, automaticamente, que a presunção de inocência não é cláusula
pétrea da Constituição. Logo, está sujeita a “uma conformação diferente”
da decisão do STF.
Assim como a segunda instância dizia diretamente a Lula, mas também a
milhares de condenados e presos, a decisão de amanhã sobre o Coaf diz
respeito a Flávio Bolsonaro, mas igualmente a milhares de sujeitos a
investigações. Se não conseguiu soltar Lula sem favorecer também os
demais, dificilmente o STF vai livrar Flávio sem beneficiar os outros
milhares. [a clareza nos impõe discordar da ilustre colunista;
Lula é um condenado, sentença confirmada pelo STJ e que está temporariamente em liberdade e Flávio Bolsonaro está apenas sendo acusado, sem que haja nenhuma prova, de envolvimento com Fabricio Queiroz, citado pelo extinto Coaf como autor de realização de movimentações bancárias consideradas atípicas - movimentações bancárias, consideradas atípicas, não representam, necessariamente, que sejam ilegais.
Assim, antes de envolver Flávio Bolsonaro com o presidiário Lula - provisoriamente, em liberdade - impõe-se esperar que:
- seja provado que as movimentações atípica de Queiroz são ilegais, criminosas;
- que há ligações, conjugação de vontades entre Flávio e Queiroz no sentido da prática de tais movimentações.
Enquanto isso não ocorre,nada ode ser imputado a nenhum dos dois.]
Apesar de muito difícil, Toffoli tenta uma modulação que evite um efeito
tão abrangente e votos envergonhados. É por isso que ele vem
conversando e ouvindo muito, inclusive Augusto Aras (PGR), Roberto
Campos Neto (BC) e André Mendonça (AGU), enquanto o ministro Gilmar
Mendes se reúne com o secretário e o procurador da Receita.
A intenção é buscar informações e compreender o sistema de troca de
informações da nova UIF, da Receita e do próprio BC, para não apenas e
simplesmente proibir a remessa de dados para o MP e a PF sem autorização
judicial – como decidiu Toffoli originalmente no caso de Flávio. “Serão
normas de organização e procedimento, o que não pode é continuar essa
terra de ninguém”, disse à coluna Gilmar Mendes.
Pode-se concluir que o STF tenta chegar a fórmulas um tanto milagrosas
para a UIF e a Receita compartilharem dados de uns, não de outros, dados
tais, não quais. No caso da segunda instância, não funcionou. Vamos ver
se agora funciona.
Ainda amanhã, o ministro Alexandre de Moraes recebe do deputado Rodrigo
Maia a proposta da Câmara para “modular” o pacote anticrime de Moro e se
antecipar ao Senado, onde as medidas estão na pauta de amanhã na CCJ.
Toffoli já desistiu de brincar de “Grande Irmão” e tudo pode acontecer
nesta quarta. A pressão da sociedade não é em vão.
Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo
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