Vinicius Torres Freire
PIB e situação social do Reino Unido vão mal, mas conservadores ganham de lavada
Bem-estar social e economia não parecem ter sido os motivos da lavada do
Partido Conservador na eleição britânica. “Economia”, de resto, é
conceito amplo demais para servir de motivo de explicação, entre outros
problemas. Seja como for, explicar escolhas políticas tem andado mais difícil do
que de costume nesta década de revoltas e reviravoltas. O nosso Junho de
2013 é um caso exemplar; o Reino Unido dá o que pensar para o Brasil de
2019 e para os Estados Unidos e sua crucial eleição de 2020.
Desde 2010, início da sequência de governos conservadores, a economia do
Reino Unido cresceu à metade do ritmo registrado sob os governos
trabalhistas deste século. A desigualdade de renda aumentou
ligeiramente, mais visível na perda de renda dos 20% mais pobres e no
aumento da renda dos 10% mais ricos. Sob os conservadores, o gasto per capita em saúde pública cresceu 0,6%
ao ano desde 2010, ante 3,3% da média desde o fim da Segunda Guerra. O
gasto por estudante da escola fundamental caiu 8% desde 2010 e ainda
mais no ensino médio. São dados oficiais compilados pela “Health
Foundation” e pelo “Institute of Fiscal Studies”.
A situação obviamente não está boa e os britânicos estão revoltados, em
especial trabalhadores de renda baixa, muitos agora ex-eleitores dos
trabalhistas. Essa revolta, porém, se transforma em voto pelo brexit,
contra imigrantes, em adesão a ideias autoritárias, em desconfiança de
elites tecnocráticas, intelectuais e políticas. É um cenário conhecido e
reconhecível em muitos países do mundo ocidental. Voltaram as “guerras culturais”, o debate de costumes, nacionalismos e
outros mitos mais ou menos monstruosos que pareciam ao menos contidos
desde a catástrofe da Segunda Guerra. Quase sempre os partidos à
esquerda são derrotados quando as batalhas são disputadas nesses campos.
Mas não parecem tão óbvios o motivo da preferência pela direita, da
importância revivida das “guerras culturais” e da desimportância da
discussão político-econômica.
É preciso lembrar que:
a) o aumento da produtividade nas economias avançadas está sendo
capturado pelos mais ricos, nas últimas três ou quatro décadas, com
quase estagnação no salário mediano real, com aumento de desigualdades e
desesperança social;
b) os partidos da centro-esquerda em geral foram perdendo a identidade
desde o começo dos anos 1990, virando sensaborias políticas e elitismos
tecnocráticos: lembrem-se das Terceiras Vias, a versão zumbi da
social-democracia.
Ou seja, as “guerras culturais” ocupam o espaço esvaziado de programas
de esquerda, em particular daqueles que cheirem a naftalina dos anos
1970. Os guerreiros culturais oferecem explicações ou conforto para o
ressentimento dos desvalidos e largados da economia do século 21, quando
não criam diversionismos loucos e autoritários.
A esquerda não tem o que dizer ao povo miúdo nas guerras culturais ou
econômicas. O que a isolada esquerda no Brasil tem a dizer ao crescente
precariado, a outras massas de trabalhadores sem organização e aos
“autônomos” em geral?
Essas pessoas desconfiam do Estado, que cobra imposto, azucrina ou
impede o pequeno negócio ou bico, confisca mercadorias, leva propina,
espanca, mata ou deixa que o traficante ou miliciano matem e roubem.
Estado que, apesar desse policiamento fiscal ou terminal, não oferece
escola ou hospital decentes.
A esquerda perdeu o trem ou o Uber do recomeço da história.
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