O bate-boca do ministro Alexandre de Moraes no
aeroporto internacional de Roma, transformado durante os últimos três
meses e meio em “atentado contra o estado democrático de direito”, tem
tudo para se tornar um dos momentos mais exóticos no esforço permanente
do STF
em criar um Brasil sem lei.
A história começou muito mal, com acusações
sem qualquer prova de que Moraes tinha sofrido uma agressão física –
que também poderia ter sido verbal, ou ter envolvido o deslocamento de
um par de óculos, ou ter começado com uma “atitude hostil” em relação ao
ministro e o seu filho.
De lá para cá tornou-se cada vez pior –
principalmente porque as imagens gravadas pelo serviço de vigilância do
aeroporto não mostravam agressão nenhuma.
Foram anunciadas pela facção
pró-Moraes como a prova material e indiscutível do ataque que alega ter
sofrido. Viraram o contrário.
Em vez de serem divulgadas para o público e
provarem a versão do ministro, foram colocadas em sigilo pelo STF.
Mas
não deveria ser o contrário? Deveria ser, se a gravação mostrasse algum
tipo de agressão física. O problema é que ela não mostra nada.
É
uma lei da vida que um erro, se não for eliminado, tem dentro de si a
semente de outro erro, e daí de mais um, e assim por diante.
A decisão
inicial de condenarem o acusado a qualquer custo, como “exemplo” do
castigo que aguarda os desafetos do STF, é um clássico nesse tipo de
coisa.
Em vez de parar as perdas logo no começo, foram investindo mais e
mais num cavalo ruim; acabaram, é claro, dobrando o prejuízo.
O último
desastre é a decisão de se colocar o próprio Moraes como assistente de acusação
no caso em que alega ser vítima – e do qual, para todos os efeitos
práticos, vai ser juiz. Isso simplesmente não existe na lei brasileira.
Não se admite o assistente de acusação na fase do inquérito. O inquérito
é trabalho da polícia, e não de quem é encarregado de acusar – o
Ministério Público.
No caso, passados 100 dias do incidente em Roma, a
Polícia Federal não conseguiu apurar nada; em consequência, ainda não há
nem sequer um processo contra os acusados, e nem acusação formal na
justiça. Como se pode ser assistente acusação, se a acusação não foi
feita?
“Não se tem notícia de precedente de admissão de assistência à acusação na fase inquisitorial”, diz a PGR no recurso que apresentou contra a decisão em favor de Moraes.
Segundo os procuradores, trata-se de um “privilégio pessoal” que não é
aceito para nenhuma outra autoridade – nem o presidente da República.
A
PGR pede também o fim do sigilo das imagens do aeroporto de Roma. “Não
se pode admitir a manutenção do sigilo fragmentado da prova”, afirma o
recurso. É obvio que não. Como o Ministério Público pode fazer o seu
trabalho corretamente, se há “provas secretas”?
E como o público vai
entender o que está acontecendo?
Mas é essa a situação que o STF criou
no Brasil.
Seus ministros deram a si próprios a autorização para violar a
lei e subverter o sistema de justiça, quantas vezes quiserem, em favor
do que consideram o “bem comum”. Estão construindo uma anarquia.
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo
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