Opinião‘Estado paralelo’ é uma realidade em vastas porções do Rio e cada vez mais no Brasil
O
fenômeno da máfia pode ser sintetizado em uma fórmula: “a polícia dos
criminosos”. Transitando na interface entre sociedades desservidas pelo Estado
e organizações criminosas, as máfias vendem proteção às primeiras e arbitragem
às segundas. Nessa posição privilegiada, os mafiosos expandem seu poder
cooptando negócios legítimos para encobertar atividades criminosas e lavar seu
dinheiro, ao mesmo tempo que se valem do mercado negro para comercializar
serviços às populações marginalizadas. O fenômeno das milícias tem todas essas
características com uma agravante: não são apenas a “polícia dos criminosos”,
mas os “criminosos da polícia”.
[a matéria não destaca que o 'estado paralelo' é reforçado pela existência, de fato, do estado independente, classificação adequada a certas áreas do Rio de Janeiro, nas quais a polícia não pode agir livremente e com a rapidez que uma efetiva ação policial exige.
Recente decisão do Supremo Tribunal Federal, inicialmente monocrática, impede que a polícia ingresse em áreas conflagradas, algumas favelas, para ações de combate ao crime - antes da iniciar a operação, existe um demorado protocolo de notificação e justificação ao MP, Justiça, o que enseja além da demora, o risco de vazamento (a demora e/ou o vazamento prejudicam a eficácia e o êxito da medida, favorecendo o crime).
Extrapolar os meios convencionais de combate ao crime, sugerido no último parágrafo, é de difícil e até mesmo impossível implantação - além das restrições impostas às ações de combate ao crime, há a entendimento implantado de forma gradativa e inexorável de que a polícia sempre está errada. Se tratando de grupo operacional especial a rejeição é ainda mais forte - o abate de um bandido tem sempre como principal suspeito à polícia.
Quando a vítima é um inocente as acusações contra a polícia são ainda mais fortes - esquecem que essa cultura de responsabilizar agentes de segurança, fortalece os bandidos - quando querem a polícia fora de um local ou constrangida, moralmente linchada, é só matar um inocente. O principal suspeito do crime, na maior parte das vezes partem para a acusação, é um agente das forças de segurança.]
Um
levantamento da Universidade Federal Fluminense e da Universidade de São Paulo
sobre o território da cidade do Rio de Janeiro estima que 55,7% dele é
controlado pelas milícias; 15,4%, pelo narcotráfico; e 25,2% estão sob disputa.
Ou seja, apenas 1,9% não estaria sob o jugo do crime. Há
mais de um ano a Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança
Pública e Direitos Humanos tem promovido debates com pesquisadores, policiais,
promotores, jornalistas, ativistas e especialistas em dados sobre o controle
territorial de grupos armados.[os ativistas não merecem credibilidade devido a evidente e obrigatória parcialidade, quanto aos especialistas a pouca credibilidade que possuíam até o inicio da pandemia, foi explodida por seus chutes - a notória e sempre presente incompetência, somada ao desejo de agradar ao órgão de imprensa que os entrevistava, resultou nos especialistas em nada.] Os resultados apresentados em uma nota
técnica mostram que a dinâmica da milícia e do tráfico é um
fenômeno em acelerada mutação.
As
milícias podem ser definidas originariamente como “antagonistas do tráfico”.
Mas, uma vez consolidado o mercado de “proteção”, elas se expandem rapidamente
em dois sentidos: a diversificação das atividades econômicas e a infiltração em
instâncias regulatórias. Com o tempo, estabelece-se a mais perversa das
simbioses: por um lado os milicianos passam a cobiçar os negócios do
narcotráfico e, por outro, os traficantes assimilam as estratégias das
milícias. “Há
registro de atuação das milícias em serviços de transporte coletivo, gás,
eletricidade, internet, agiotagem, cestas básicas, grilagem, loteamento de
terrenos, construção e revenda irregular de habitação, assassinatos
contratados, tráfico de drogas e armas, contrabando e roubo de cargas,
receptação de mercadorias e revenda de produtos de diversos tipos e
proveniências”, aponta a nota.
Além
disso, “o vínculo original das milícias com elites política e econômica locais
se desdobra rápida e perigosamente em um outro tipo de conexão, dessa feita com
instâncias do Estado”. Na polícia, “há cada vez mais indícios de indicações
para cargos de comando, nomeação para chefia de batalhões, definição de focos
prioritários de operações policiais e desenhos abrangentes de abordagem”.
Além
das forças policiais, as milícias estão se infiltrando nos Poderes Executivos e
nas Casas Legislativas. Segundo a Polícia Federal, há riscos para o processo
eleitoral em pelo menos 18 Estados, em especial aqueles com altos índices de
violência, serviços públicos precários e corrupção policial. No Rio de Janeiro,
milicianos são recorrentemente condecorados pelo poder público e guardam
relações estreitas com autoridades. Como se sabe, há indícios nesse sentido em
relação ao próprio presidente da República e seus familiares.
Assim,
em contraste com o crime organizado tradicional, as milícias transitam com
muito mais liberdade entre a legalidade e a ilegalidade – entre o submundo, a
sociedade civil e o poder público –, diversificando e expandindo seus negócios
com muito mais rapidez. A
venalidade das milícias ultrapassou a dimensão da segurança pública e ameaça
perverter o tecido civil e o próprio Estado. A rapidez e a diversidade
características da sua expansão exigem uma resposta igualmente rápida e
diversificada. Além de uma atualização da legislação, é preciso extrapolar os
meios convencionais de combate ao crime e investir em grupos especializados,
novas táticas de inteligência e pesquisas. O “Estado paralelo” já é uma
realidade em vastas porções do Rio de Janeiro e cada vez mais no Brasil. Sem
uma repressão ampla, coordenada e implacável, há o risco de uma nova fase: a subversão
do Estado de Direito em “Estado do Crime”.
Opinião - O Estado de S. Paulo - 13 dezembro 2020