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quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Cíntia Chagas: ‘Estamos vivendo uma ditadura da linguagem’ - Revista Oeste

Cristyan Costa

Professora afirma que o dialeto não binário idiotiza as pessoas e critica o ataque do movimento negro a expressões supostamente racistas


Formada em letras pela Universidade Federal de Minas Gerais, a professora Cíntia Chagas se tornou conhecida graças ao modo peculiar de ensinar português, com um método que une histórias e as regras gramaticais. Ela foi demitida de dez instituições de ensino por sua técnica inusitada. Foi aí que decidiu abrir seu próprio cursinho, que faz sucesso nas redes sociais e no YouTube.
 

A professora de português Cíntia Chagas | Foto: Divulgação

 A professora de português Cíntia Chagas - Foto: Divulgação

Também levou os ensinamentos que transmitiu em sala de aula para os livros Sou Péssimo em Português, que se tornou best-seller, e Um Relacionamento Sem Erros (de Português). Defensora da norma culta, Cíntia se manifesta contra a linguagem neutra. “Emburrece as pessoas”, diz. Sobre os ataques de militantes a palavras e expressões supostamente racistas, ela é taxativa: “Alguns argumentos simplesmente não se sustentam”.

Confira os principais trechos da entrevista.

O governo vetou o uso da linguagem neutra em projetos financiados pela Lei Rouanet. Como você avalia isso?
Trata-se de uma decisão acertada. Caso contrário, os pagadores de impostos estariam custeando iniciativas de caráter ideológico, que destoa do que é correto e do pensamento da maioria. Todos os projetos culturais financiados pelo Estado têm de ser o mais neutro possível. A iniciativa do governo deu alívio para o país, sobretudo no momento em que uma emissora poderosa, como a Globo, anuncia que vai pôr a linguagem neutra em sua nova novela, o que é um absurdo.
 
É possível rastrear a origem da linguagem neutra?
A origem ainda está sendo debatida. Sabe-se que os defensores desse dialeto são as chamadas pessoas não binárias”, que correspondem a 1,2% da população, os militantes da ideologia de gênero e políticos que usam minorias para fazer barulho na imprensa e angariar votos. 
Além disso, a linguagem neutra tem o apoio de professores universitários que são militantes de causas de esquerda. Há relatos de alunos expondo e-mails dos docentes com os dizeres “querides alunes”. Isso é perigoso porque sabemos que os estudantes têm apreço e admiração pelos educadores. Dessa forma, fica mais fácil induzir os jovens a defenderem a linguagem neutra. A soma do sentimentalismo que adorna o dialeto não binário com a admiração que os alunos têm por seus professores é a combinação perfeita para difundir algo que só vai destruir a língua portuguesa.

“Querer impor a linguagem neutra e pautas similares é puro elitismo”

Os defensores desse novo jeito de falar sustentam que ela é inclusiva. Isso procede?
De maneira nenhuma. A linguagem neutra exclui 43 milhões de disléxicos no Brasil devido aos “pronomes neutros”. Portanto, impõe-se mais uma barreira a um público que já sofre com dificuldades de aprendizagem. Os surdos também saem prejudicados, visto que muitos deles precisam fazer leitura labial para compreender as palavras. Não é razoável cobrar dessas pessoas o entendimento de “todes”, “ili”, “dile”, entre outros. Os cegos são outro grupo que sai marginalizado. Eles leem através de programas de computador. Teremos de atualizar os softwares de acessibilidade? Por fim, a linguagem neutra exclui uma maioria gritante, que é contra essa aberração linguística. Não há outra forma de caracterizar o dialeto não binário. Aberração linguística foi a expressão que a Academia Francesa de Letras utilizou para definir a linguagem neutra ao proibi-la no país.
 
Há um movimento forte para inserir a linguagem neutra em empresas. Como você enxerga essa tentativa?
Muitas vezes, a iniciativa privada pouco se importa com os não binários. Um CEO até discorda, mas cede aos apelos da equipe de marketing porque quer evitar a cultura do cancelamento. Muitos surfam na onda para ser politicamente corretos e ganhar pontos com a imprensa. Então, se no momento é legal falar “todes”, vamos aderir, pensam eles. Lembro-me de um caso envolvendo O Boticário. Certa vez, o CEO da companhia disse que trocou o termo Black Friday por Beauty Week porque alguns negros poderiam se sentir ofendidos. Ao se justificar, o executivo admitiu não saber a origem do possível preconceito com a “Semana Negra”, porém optou pela mudança por via das dúvidas. Isso tudo mostra que estamos vivendo uma ditadura da linguagem. Parece que voltamos à Idade Média. Se naquele tempo havia livros que eram proibidos, agora são palavras e expressões. Onde fica a liberdade das pessoas? Primeiro, esse pessoal domina o que falamos, depois o que pensamos e, por fim, como agimos.
 
A escola e as universidades estão atentas para esse problema?
Infelizmente, não. Na sala de aula, os defensores da linguagem neutra juram que querem apenas inserir uma nova variante da língua, sem desmerecer a norma culta. Contudo, sabemos que isso abre brechas para problemas de leitura e de escrita, principalmente em um país com problemas graves na educação. O dialeto não binário também pavimenta o caminho para discutir a ideologia de gênero nas escolas. Essa pauta diverge do que pensa a maioria dos pais. Deveríamos seguir o exemplo da França. O ministro da Educação daquele país proibiu o uso da linguagem neutra nas escolas, nas universidades e em instituições públicas. No Brasil, a atitude dos governos ainda é tímida, mas está ocorrendo. Recentemente, Rondônia impediu o avanço do dialeto não binário, além de Santa Catarina. Isso é uma guerra ideológica e política. Ser contra a linguagem neutra é defender a língua portuguesa, a educação, a escrita e a leitura. [A Constituição Federal em seu artigo 13, determina: "Art. 13. A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil.".]
 
Podemos dizer que vivemos em um momento de “patrulhamento vocabular”?
Totalmente. Hoje, não se pode mais falar a palavra “judiar” porque no dicionário está escrito “tratar como os judeus foram tratados”. Ao perguntar para judeus que conheço se eles se sentem ofendidos com essa palavra, escuto um “não”. Em alguns casos, evitar esse termo é compreensível, em razão do passado envolvendo o Holocausto e caso se esteja diante de um judeu mais ortodoxo que possa se sentir mal. Todavia, dificilmente alguém que fala “judiação” está realmente querendo ofender judeus. Com o passar do tempo, a tendência é que diminua o preconceito que possa haver sobre determinadas palavras. Logo,  torna-se um exagero banir o uso delas. Há políticos que se apropriam de minorias para fazer barulho. Às vezes, um público que estaria se sentindo discriminado não está, de fato, se importando com isso. Vivemos um momento preocupante.

“’Tempo negro’ remete à cor preta, ao sombrio, ao escuro. Não tem nada a ver com discriminação”

O movimento negro chamou de racistas expressões, como “a coisa está preta”. Como você vê esse ataque?
Enxergo como hipocrisia. Não pelo negro, mas, sim, por quem usa essas pessoas para aparecer. Quando falo que “a situação está preta”, quero dizer que não estou enxergando uma solução. Preto é antítese de branco. Soluções remetem ao claro e ao transparente. Estamos falando de cores. No ano passado, o jornalista Amaury Junior escreveu em uma rede social que “estamos vivendo tempos negros”, devido à pandemia. Caíram matando em cima dele, incluindo uma cantora famosa. Eu o defendi argumentando o seguinte: “Tempo negro” remete à cor preta, ao sombrio, ao escuro. Não tem nada a ver com discriminação com negros. As pessoas que estão por trás desses ataques não são burras. Por hipocrisia, usa-se isso para gerar alarde. No caso de políticos, a estratégia é conseguir novos eleitores e votos.
 
Onde surgiu essa “cartilha antirracista”?
Entendo que essa cartilha surgiu no meio de militantes que têm anseio político. Muitas palavras que estão “proibidas” nessa espécie de “documento” nem sequer deveriam estar lá, como “denegrir”, cuja origem é do latim “denegrare”, que significa manchar. É óbvio que há expressões que são preconceituosas, como “eu não sou tuas negas”. Isso é uma ofensa. As pessoas não têm de falar assim. Caso ocorra, a Justiça está aí. O que me incomoda é a hipocrisia e a mentira de constarem nessa cartilha expressões que não são preconceituosas.
 
O que é o chamado “preconceito linguístico”, que os adeptos do politicamente correto tanto falam?
Preconceito linguístico é a ideia segundo a qual não há certo nem errado na língua portuguesa. O que existe é o adequado e o inadequado. Para os defensores dessa teoria, falar “nóis vai” não está errado porque, no contexto de algumas pessoas, seria correto. Nesse entendimento, quem corrige o indivíduo à margem da norma culta se torna um carrasco e passa a difundir “preconceito linguístico”, que remete às desigualdades econômicas e sociais do país. Nada disso procede. Essa história de preconceito linguístico emburrece as pessoas. O gramático Evanildo Bechara indaga: se as escolas se eximirem de defender, com unhas e dentes, a norma culta, quem há de fazer? Portanto, é papel dos educadores preservar a língua portuguesa como ela é. A partir do momento em que se rebaixa a norma culta a apenas uma variante entre várias, como a linguagem neutra, criamos futuros adultos despreparados para fazerem leituras sofisticadas. A leitura nos moldes da norma culta estimula o raciocínio e proporciona à pessoa o desenvolvimento de pensamentos complexos.
 
Com todos esses ataques, quais peculiaridades a língua portuguesa vai perder?
Vai perder a sua construção morfológica. Porque em vez de falar “todos”, direi “todes”; em vez de “ele”, falo “ili”; em vez de “dele”, falo “dile”. Daqui a pouco não vai se poder falar mais nada. Resumidamente, é a destruição da língua como a conhecemos.
 
O que fazer para impedir a deterioração da língua portuguesa?
Em primeiro lugar, proibir a linguagem neutra no Brasil nas esferas municipal, estadual e federal. Em segundo lugar, os pais precisam atuar em harmonia. Eles precisam perceber que são importantes nessa luta e cobrar das escolas o fim dessa prática. Em terceiro lugar, a união dos professores que amam a norma culta
Querer impor a linguagem neutra e outras pautas similares é puro elitismo. Esse tipo de assunto, por exemplo, não está sendo discutido nas favelas. Aprender a língua portuguesa é um direito nosso, assegurado pela Constituição.

Leia também “Os mais recentes ataques da linguagem neutra” 

 

Cristyan Costa, colunista - Revista Oeste


domingo, 14 de novembro de 2021

Hackers disparam e-mails por um sistema do FBI - Artur Piva

 Tecnologia - Revista Oeste

As mensagem foram enviadas no sábado 

No sábado 12, hackers invadiram um servidor do FBI e enviaram e-mails para milhares de pessoas e empresas com um falso aviso de ataque cibernético. O órgão norte-americano declarou estar “ciente do incidente envolvendo e-mails falsos de uma conta de e-mail @ic.fbi.gov e afirmou que “o hardware impactado foi retirado rapidamente do ar depois da descoberta do problema”.

[pela abundância de relatos, alguns  acima linkados, se conclui que o único sistema de informática a prova de invasões por hackers é o do Tribunal Superior Eleitoral. A imprensa por várias vezes noticiou invasões, mas, pelas declarações oficiais foram inocentes invasões que não causaram nenhum prejuízo.]

A organização europeia Spamhaus, especializada no assunto, relatou que os e-mails eram de duas séries a partir de um endereço oficial utilizado por agências governamentais. “Urgente, seus sistemas estão em risco”, estava escrito em algumas mensagens enviadas em nome do grupo responsável por detectar ciberataques do Departamento de Segurança Nacional. Elas advertiam ainda que os destinatários estavam sob o ataque “sofisticado” de um grupo conhecido por praticar extorsões.

Os e-mails estavam “causando muita perturbação porque os cabeçalhos são reais, eles realmente estão vindo da infraestrutura do FBI”, postou a Spamhaus em sua página no Twitter.

Na opinião de Austin Berglas, um ex-agente especial assistente encarregado da filial cibernética do escritório do FBI em Nova York, o incidente pode ter sido uma demonstração. “Poderia ter sido só um grupo ou indivíduos procurando obter alguma credencial de rua para participar de fóruns subterrâneos”, explicou. “Eu pensaria que seria algum tipo de grupo criminoso ou algum tipo de grupo ‘hacktivista'”.

LEIA TAMBÉM: 

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Revista Oeste

 

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Barroso se declara impedido e Rosa recebe ação de Allan dos Santos no STF

Ministro foi alvo de ameaças do blogueiro bolsonarista, que levaram o Ministério Público Federal a denunciá-lo na quarta, 18 

A ação protocolada pelo blogueiro bolsonarista Allan dos Santos no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a quebra de seus sigilos bancário, telefônico e telemático (de mensagens e e-mails) pela CPI da Pandemia mudou de mãos no Supremo nesta quinta-feira, 19. Santos é dono do blog Terça Livre, alinhado ao presidente Jair Bolsonaro.

Alvo de ameaças de Allan dos Santos que levaram a uma denúncia do Ministério Público Federal contra o blogueiro nesta quarta, 18, o ministro Luís Roberto Barroso declarou-se impedido no caso, que foi redistribuído à ministra Rosa Weber. No último dia 13, Barroso havia sido sorteado relator do mandado de segurança protocolado pela defesa de Santos. A declaração de impedimento de Barroso foi dada por ele em um despacho também nesta quarta, com base no artigo do Código de Processo Civil que prevê a declaração de suspeição de juízes.

A denúncia do MPF contra Allan dos Santos acusa o blogueiro dos crimes de ameaça e incitação ao crime contra Barroso, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Os delitos, dizem os procuradores, foram cometidos na divulgação de um vídeo intitulado “Barroso é um Miliciano Digital”, em novembro de 2020, em que Santos destila ódio e tom ameaçador contra o ministro.

“Tira o digital, se você tem culhão! Tira a p**** do digital, e cresce! Dá nome aos bois! De uma vez por todas Barroso, vira homem! Tira a p**** do digital! E bota só terrorista! Pra você ver o que a gente faz com você. Tá na hora de falar grosso nessa p****!”, atacou o blogueiro aliado do presidente Jair Bolsonaro.

O próprio Luís Roberto Barroso apresentou uma representação ao Ministério Público para adoção de medidas cabíveis. Para o MPF, o vídeo “superou os limites do razoável na livre expressão de pensamento e opinião e intimidou a vítima”.  No pedido ao STF que agora será analisado por Rosa Weber, Allan dos Santos afirma ser alvo de “atos abusivos e ilegais” da CPI da Pandemia nas quebras de seus sigilos, pede a anulação das medidas e a inutilização de todo o material recolhido.

Até o momento, a CPI já recebeu das operadoras Oi e Vivo dados do sigilo telefônico do blogueiro, e informações de sigilo bancário dele pelos bancos Bradesco, Itaú e Ourinvest, pelas plataformas de pagamento PicPay e PayPal e uma casa de câmbio.

Maquiavel, coluna - VEJA

 

 

sexta-feira, 2 de julho de 2021

COMO O DIABO GOSTA - Percival Puggina

E como gosta!

Aprecio o senso de humor daqueles que, em meio aos tapetes e estofados do poder, afirmam estarem as instituições funcionando normalmente. Às vezes eu os imagino reclinados num triclinum (sofá romano), erguendo um cacho de uvas sobre a cabeça e trazendo-as à boca diretamente do cacho. Na verdade, uma sátira do que fazem com o Brasil.

As instituições funcionam como o diabo gosta. O diabo ama a corrupção, os corruptos estão por toda parte e o Supremo leva jeito para lidar com eles. 
O diabo acolhe no seu reino a bandidagem, cuida de sua formação, sopra-lhe nos ouvidos todas as tentações. 
E o Congresso, caiam-lhe em cima os xingamentos e os e-mails, chorem viúvas e órfãos, não vota a prisão após condenação em segunda instância. O diabo odeia a polícia, o promotor, o juiz. 
E as instituições fazem tudo para neutralizar seus trabalhos. O diabo foge da cruz e as instituições riem de quem a menciona
O diabo cultiva a preguiça e as instituições fogem do trabalho adicional. 
O diabo e as instituições confiam com fé cega nas urnas eletrônicas que, de modo prudente e zeloso, desmaterializam nossos votos.

Nas condenações de Lula, o povo viu as provas, tanto quanto vovô viu a uva, mas o STF deu Mandrake nelas e as anulou, todas, de uma vez só. Agora, para crime velho, só vale prova novíssima. O povo quer que o governo cumpra seu programa e disponha de mais recursos para o atendimento da sociedade, mas as instituições cuidam de si mesmas, dos partidos, de seu custeio e de suas campanhas eleitorais. O diabo, claro, ri à toa.

Sinceramente, eu podia passar a noite alinhando nossas contrariedades ante o mau funcionamento das instituições que nada ou quase nada fazem daquilo que a maioria da população quer, e em favor do quê se manifestou nas urnas e nas ruas.

Retoma-se no Brasil a temporada de crises, encrencas e injusta repartição dos prejuízos gerais. Pergunto, nossas crises são causadas:

  1. pelos agentes econômicos?
  2. pelo povo trabalhador?
  3. por alguma potência estrangeira?
  4. por fenômenos naturais?
  5. por fenômenos sobrenaturais?
  6. por falta de sorte, ou por acaso?
Ou são ocasionadas pela política segundo nos foi imposta por uma Constituição cujo caráter democrático se resume em conferir ao povo o direito de votar e se resignar por quatro anos? Expressar indignação?  Bem, posso entender errado o que ando lendo e vendo, mas parece que a crítica a políticos, em especial ao presidente, está liberada. Já o STF só aceita a crítica reverente, com data vênia e de acordo com a verdade segundo a veem seus ministros. 
Quem chegou ao poder sem voto se vê como a cereja da torta da democracia.  

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Pandemia nos EUA: O que revelam os e-mails de Anthony Fauci

Gazeta do Povo

Pandemia: o que você precisa saber sobre os e-mails do Dr. Fauci

Milhares de e-mails envolvendo o infectologista Anthony Fauci - diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) dos EUA e consultor da Casa Branca para a pandemia - e Francis Collins - chefe dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos EUA - foram publicados após serem obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação do país norte-americano. Milhares de páginas, algumas delas com grandes trechos eliminados para manter a confidencialidade, estão disponíveis no site BuzzFeed e são uma espécie de teste de Rorschach.

Tendo escrito recentemente o artigo "A Queda do Santo Anthony Fauci", li muitos desses e-mails e achei que eles são bastante condenatórios tanto para Fauci quanto para a resposta americana à pandemia. Mas, obviamente, o Washington Post vê neles um homem que está simplesmente sobrecarregado pelo que está acontecendo ao seu redor e que trabalha o tempo todo para manter o fluxo de informações.

Vazamento de laboratório
Nós temos alguma pista sobre a hipótese de que o vírus vazou de um laboratório nesta coleção de documentos? Bem, sim. Temos evidências que podem ser interpretadas de várias maneiras.  Por exemplo, um e-mail de 21 de janeiro de 2020 de Kristian G. Anderson procura "pistas para o surto" e não descarta um vazamento de laboratório. Mas, desde então, Anderson e sua equipe se tornaram muito mais céticos em relação à hipótese do vírus criado em laboratório. Peter Daszak, o líder da EcoHealthNYC e um defensor da pesquisa sobre ganho de função, agora tem defendido o artigo produzido pela equipe de Anderson.

Uma troca de e-mail entre Fauci e Collins ocorrida em 2 de fevereiro de 2020 faz referência a um artigo sensacionalista do blog ZeroHedge que exagerava temores de que inserções de HIV mostram que a Covid-19 é uma arma biológica criada artificialmente. Fauci pede para continuar a conversa por telefone. Este é o artigo que fez com que o ZeroHedge fosse banido do Twitter.

Um e-mail de 17 de fevereiro de 2020, de Collins para Fauci, tem um link para uma matéria da Fox News sobre a ideia de um vazamento de laboratório. A resposta de Fauci foi totalmente omitida no documento público. O assunto do e-mail é "conspiração ganha impulso", o que talvez indique que os dois estavam tratando essa ideia como tal. Mas outros e-mails nos quais essa teoria surge mostram o interesse dos participantes em parar com a conversa por e-mail e continuar em telefonemas.

Uma enxurrada de perguntas de jornalistas e de usuários do Twitter está chegando aos interlocutores de Fauci para determinar o significado dos e-mails deles e fornecer um contexto mais amplo para compreendê-los. Existem muitos e-mails que podem parecer incriminadores à primeira vista, mas têm explicações inocentes. Por exemplo, um e-mail de 4 de fevereiro de 2020, de Trevor Bedford, um cientista da Fred Hutch, parece dizer que certas evidências oferecidas sobre as hipóteses de surgimento natural ou de vazamento de laboratório são inconclusivas, embora ele descarte um cenário em que o vírus foi criado em laboratório. Ele então sugere ao seu interlocutor que eles mudem para "meios de comunicação mais seguros".

Questionado sobre isso no Twitter, Trevor disse temer vazamentos seletivos para a imprensa, ou possivelmente a espionagem da inteligência chinesa. Isso é razoável.  No entanto, também temos um e-mail de Daszak - cuja própria empresa subcontratou o Instituto de Virologia de Wuhan - enviado a Fauci em fevereiro em que ele agradece ao infectologista por emprestar sua credibilidade ao se pronunciar contra a teoria do vazamento de laboratório. Uma parte desse e-mail foi omitida. Daszak já falava incansavelmente contra a teoria do vazamento de laboratório antes que a OMS o designasse, com o consentimento da China, para a equipe que investigou as origens do vírus.

Ainda assim, mesmo com todos os incentivos do mundo para encerrar a hipótese de vazamento de laboratório, o diretor da OMS não a descartou. Sua opinião sobre este e-mail dependerá inteiramente de como você vê as opiniões de Daszak, se acredita que elas são genuinamente sustentadas ou não. Acho que o e-mail mais interessante sobre a questão é o de Hugh Auchincloss para Fauci em 1º de fevereiro de 2021, no qual parece que o NIH está tentando determinar por si mesmo se "temos laços distantes com esse trabalho no exterior". Fauci responde mais tarde dizendo como é essencial que ele e Hugh falem ao telefone naquela manhã e que Hugh terá tarefas a cumprir.  Isso foi enviado poucas horas depois de Anderson sugerir pela primeira vez a Fauci que havia características no vírus que "(potencialmente) parecem projetadas".

Máscaras, tratamentos
Aqui está uma questão em que eu realmente acho que o registro privado fará a diferença em nossa compreensão dos eventos. Em 5 de fevereiro de 2020, Fauci envia um e-mail em que desaconselha o uso de máscaras e faz a recomendação de que o tipo de máscara que se compra em farmácias "não é muito eficaz para impedir a entrada de vírus, que são pequenos o suficiente para passar pelo material". Esta conclusão só poderia ter sido reforçada quando os cientistas convergiram para a conclusão de que a Covid-19 é transmitida por aerossóis. Isso foi consistente com as declarações que Fauci fez em público na época, mesmo no programa de televisão 60 Minutos, de que as máscaras podiam ser prejudiciais.

Mais tarde, quando passou a adotar uma posição pró-máscara, Fauci afirmou que nunca aconselhou ao público que as máscaras não podiam ajudar, apenas que eles não deveriam comprá-las. Isso não era verdade. Ele disse que deu este conselho para economizar equipamentos de proteção individual para os trabalhadores da linha de frente. Embora tenhamos visto muitos casos em que autoridades de saúde pública mentiram deliberadamente para o público para manipulá-los em direção a um resultado - uma prática que considero moralmente repulsiva e politicamente inconsistente com o autogoverno - não encontramos evidências de que houve um esforço deliberado e consciente para proteger os suprimentos de EPI com essa mentira. (Contudo, vimos um dos colegas chineses de Fauci pedindo desculpas por ter sido citado na Science chamando a posição de Fauci sobre as máscaras de "um grande erro".)

Em 1º de março de 2020, Fauci recomenda o uso de máscaras N95, ao explicar que a transmissão do coronavírus é semelhante à da gripe, mas que ocorre mais em forma de aerossol do que de gotículas. A recomendação que ele faz sobre as máscaras N95s faz sentido com sua objeção anterior sobre máscaras compradas em farmácias, e está de acordo com estudos que mostram que alguns dos tipos de máscara popularmente usados ​​podem na verdade aumentar a disseminação de gotículas.

Em 31 de março de 2020, Fauci está defendendo as máscaras menos eficazes com base em "alguns dados do NIH que indicam que o mero falar sem tossir produz aerossóis que se dispersam por até mais de meio metro". Fauci conclui: "Se for esse o caso, então talvez o uso universal de máscaras seja a a ação mais prática a ser adotada." Não tenho certeza se isso é realmente verdade, já que, na melhor das hipóteses, as máscaras de tecido redirecionam ligeiramente os aerossóis que transmitem Covid-19.

No entanto, Fauci ocasionalmente dizia coisas como, por exemplo, como ele queria que as máscaras "fossem um símbolo" para o tipo de medida que você deveria tomar. Ou seja, ele parecia trair a visão que tinha sobre a utilidade médica das máscaras ao se apoiar fortemente em sua utilidade psicológica. E espero que a defesa das máscaras de tecido compradas em loja vá para esse campo. Talvez eles digam que é verdade que o vírus passa facilmente pela máscara, mas que a máscara faz algum trabalho de redirecionamento e que essa pequena utilidade se combina com seu uso como um lembrete físico constante do comportamento para mitigação da Covid, como o distanciamento social para diminuir a propagação.

Para mim, uma dos diálogos mais interessantes vem do Dr. Josh Backon, da Universidade Hebraica, que ficou furioso porque Fauci estava minimizando o uso de medicamentos baratos e bem testados, como cloroquina e ivermectina, para tratar Covid-19. Backon enviou um e-mail inicial propondo a lógica por trás desses tratamentos e, mais tarde, enviou o e-mail novamente com um link para um estudo que fundamentava suas afirmações, com a breve provocação: "Continue me ignorando". Fauci recusou a provocação, dizendo: "Você não está sendo ignorado", e prometeu que alguém daria uma olhada em sua pesquisa.

Imprensa
Em seguida, houve um longo e-mail elogioso de Mark Zuckerberg agradecendo Fauci por sua liderança durante a pandemia e oferecendo ajuda para divulgar boas mensagens. Um desses e-mails faz algum tipo de apelo final a Fauci, que foi cortado do documento, e se oferece para discutir por telefone.

Veja Também: O novo coronavírus escapou do laboratório? As evidências que reforçam esta hipótese
 Cientistas de Wuhan buscaram tratamento em hospital um mês antes do 1º registro da Covid

Existem tantos pequenos detalhes para serem descobertos, que é hilário. Um dos meus favoritos até agora é do jornalista veterano Donald McNeil, do New York Times, que escreve a Fauci para elogiar a decência e o heroísmo do cidadão comum chinês diante da Covid, em comparação aos porcos americanos egoístas. Isso é apenas a romantização de um país estrangeiro para denegrir seus próprios concidadãos, e é uma visão de mundo juvenil. Um ponto a favor de Fauci é que ele estava pelo menos um pouco perturbado pela "febre de Fauci".

De qualquer forma, como a maioria das grandes divulgações de dados que sofrem remoções cuidadosas, o tesouro dos e-mails de Fauci não tem provas cabais de irregularidades. Você poderia argumentar, como eu e outros fizemos, que Fauci tinha certos preconceitos e pré-disposições que foram profundamente inúteis em sua liderança na resposta à pandemia - e você encontrará evidências disso aqui. Ele tinha uma tendência muito forte contra os medicamentos existentes e a favor dos novos e experimentais. Ele tem sido inconsistente com relação às máscaras e claramente estava disposto a dizer coisas em público que ele achava que "ajudavam" na resposta, mesmo que não fossem estritamente verdadeiras.

Gazeta do Povo - Michael Brendan Dougherty - National Review

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Lula e o gostinho de liberdade



À espera de nova condenação

[algumas horas  fora da cela, após 222 dias de jaula] 



Recolhido desde 7 de abril último a uma cela da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, Lula provará, esta tarde, o que mais poderá se parecer com uma sensação de liberdade quando for tirado de lá para ser interrogado no prédio da Justiça Federal pela juíza Gabriela Hardt, sucessora de Sérgio Moro no comando da Lava Jato.


Terá direito a tudo que se reserva a uma celebridade. A segurança do prédio e ao longo do percurso de cinco quilômetros será reforçada, o trânsito interditado, escolta especial da Polícia Federal, e um número desconhecido de atiradores de elite postados no alto de prédio para prevenir um eventual atentado.

O interrogatório é a última etapa do processo que Lula responde sobre a real propriedade do sítio de Atibaia, no interior de São Paulo, O Ministério Público o acusa de ser o verdadeiro dono do sítio, reformado pelas construtoras Odebrecht e OAS a título de pagamento de propina. Lula jura que é inocente. Até advogados dele admitem que esse seja o processo que mais os preocupa dado ao acúmulo de indícios, evidências e provas que contrariam a tese da defesa. Mesmo assim insistem que o sítio está registrado em nome de terceiros, e que Lula e sua família só o utilizavam por uma deferência dos donos, seus amigos.

Na semana passada, em depoimento à juíza Hardt, o ex-presidente da Odebrecht, Marcelo, complicou ainda mais a situação de Lula. Ele mostrou e-mails trocados com executivos da empresa na época em que o sítio estava sendo reformado. Os e-mails dão conta de que Lula sabia da reforma e do uso de dinheiro de propina para pagá-la.

Hardt tem fama de ser mais dura do que Moro em suas sentenças. É provável que ela condene Lula mais uma vez. Da primeira, Lula foi condenado a 12 anos e um mês de prisão no caso do tríplex da praia de Guarujá, reformado de graça pela OAS. A condenação tornou-o inelegível até 2016 quando completará 81 anos de idade.


  [Parte do dispositivo de segurança que será usado para garantir a ORDEM PÚBLICA ao conter bandidos que pretendem apoiar o presidiário Lula] (FOTO WERTHER SANTANA/ESTADÃO)




domingo, 21 de maio de 2017

“Iolanda”, a agente por trás da presidente

Dilma enigmática – agora se sabe! – falava por códigos. Desvendaram seus recônditos segredos logo aqueles a quem ela deve o sonho de dois mandatos consecutivos na presidência da República: o marqueteiro “Feira”, João Santana, e sua mulher, gerentona de caixa dois, Mônica Moura, que atende pela alcunha de “Xepa”. No universo de códigos e dribles para atuar nas sombras, a deposta presidente Dilma assumiu o codinome de “Iolanda”.

Em homenagem (imagine só!) a esposa do ex-presidente na Ditadura, o General Artur da Costa e Silva. Faz sentido. Talvez justificável pelo pendor de dona Yolanda, a Dilma, por agir ilegalmente nos porões do Planalto. Sigilo para bolar esquemas informais de comunicação, criação de dois emails secretos para avisar possíveis investigados da proximidade da polícia, cobrança de recursos paralelos na sua campanha eleitoral e ciência sobre a funcionalidade do esquema que irrigou criminalmente as candidaturas petistas, inclusive a sua, estavam no radar da agente especial que cumpria em simultâneo expediente de presidente.

Yolanda armou no Planalto um QG de práticas nada republicanas, embora sempre garantisse que nunca faria isso. Direto de lá, esparramada nas cadeiras da biblioteca do Palácio, tal qual uma Mata Hari da política brasileira, disparava mensagens de natureza, no mínimo, impróprias à liturgia do cargo que ocupava. Antecipava aos amigos diletos o risco de terem a prisão decretada. Foram os próprios que confessaram o delito com a participação inestimável de dona “Iolanda”, a Dilma.  Ela tinha plena noção do dinheiro sujo que corria a rodo para bancar suas vitórias e programas eleitorais empastelados com um verniz de promessas falsas – cujo intuito era engabelar as massas. Aos criadores da versão edulcorada de “Dilminha, Paz e Amor” caberia por parte dela, de fato, uma fidelidade e gratidão irrestritas. Mas como presidente, em pleno exercício de suas funções, não há como cogitar tamanha devoção que a levou a distribuir no varejo da patota informações vitais de segurança. Foi coisa digna de espiã de Estado. Nunca de mandatária.

Estão claras, evidentes, as ações de Dilma/Iolanda para obstruir a Justiça nesse aspecto. Por muito menos, vários de seus asseclas foram parar atrás das grades, enquanto ela continua a agir, quiçá praticando atos tão ou mais escabrosos. Tome-se, por exemplo, o diálogo travado em uma das inúmeras mensagens da então presidente que vieram a público. Diz Iolanda, a Dilma espiã: “O seu grande amigo está muito doente. Os médicos consideram que o risco é máximo, 10. O pior é que a esposa que sempre tratou dele, agora está com câncer e com o mesmo risco. Os médicos acompanham os dois, dia e noite”.

Dada a senha, “Feira” e “Xepa” entenderam de pronto. Tinham entrado na alça de mira. Dilma buscou socorrê-los assim como o fez, por meio de “Bessias”, ao ex-presidente e tutor, Lula, quando lhe enviou uma nomeação antecipada para o ministério, de onde lhe seria garantida a imunidade, livrando-o das garras dos tribunais. Dilma, a Iolanda, não há como negar, é de uma generosidade e desprendimento extremos em relação aos amigos. Inacreditável que de dentro dos gabinetes do Palácio tenha tido o desplante de praticar tamanha ignomínia.

O casal de marqueteiros, por sua vez, em depoimentos que deram há alguns dias aos procuradores, no bojo das investigações da Lava-Jato, trataram de despir a esfinge solecista. Daqui para frente, quem sabe, será possível decifrar o que ela queria dizer quando tratava de “fabricar vento”, de “louvar a bola” porque ela “é o símbolo de nossa evolução” ou de criar as “mulheres-sapiens”, metáforas da mesma lavra, não alcançáveis por nós, pobres de vocábulos e interpretações. Talvez venha daí a melhor das contribuições de “Feira”, “Xepa” e “Iolanda”: explicar a fundo o que há por trás dessa transviada linguagem de expressões, sinais e menções que configuraram crimes os mais variados.

Desde que Dilma foi desmascarada pela dupla de seus criadores, nunca mais frases corriqueiras como “gostei do vinho indicado” ou “veja aquele filme” terão o mesmo significado. Eram comentários fictícios, alertas em forma de mensagens, para checar emails, mudar contas da Suíça para Cingapura, coisas normais no mundo da bandidagem. Nesse pormenor, Mata Hari era fichinha diante de Iolanda.

Fonte: IstoÉ - Carlos José Marques, diretor editorial  




quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Só investigação esclarecerá ‘lobby’ de Lula

E-mails apreendidos na sede da Odebrecht reforçam denúncias de que o ex-presidente se empenhou mais do que o aconselhável na defesa da empresa

[curioso é que o ex-seminarista de 'missa negra', Gilberto Carvalho, pau mandado de Lula, considera desonestidade e má fé acusar Lula.
Lula se vendeu e usou a influência do cargo para se tornar bilionário. O Cara é analfabeto, morava em uma casa de 40m2 e agora se tornou uma das maiores fortunas do Brasil.
Desafio Lula a somar, centavo a centavo, o que ela ganhou honestamente em toda sua vida e ver se o resultado representa um milésimo do que ele possui.
Sem contar os filhos, especialmente o 'fenomenal' Lulinha.
Gilberto, o pior é que tem outras coisas ligando você ao Lula, inclusive o cadáver ainda insepulto do ex-prefeito Celso Daniel e você sabe que essas coisas é só começar a investigar e mais sujeiras serão descobertas.
Portanto, se cuida. As coisas escusas são descobertas aos poucos - antes apenas se pensava em Lula ter alguma culpa, hoje ele é citado nominalmente.
É até interessante que ele processe os que o acusam, assim os acusadores poderão declarar nos tribunais e na imprensa o que sabem.
Um e-mail vazado aqui, outro acolá, uma delação ali, um patrimônio incompatível com a renda. Isso se constitui o que é chamado 'conjunto probatório'.]
Admita-se que no presidencialismo brasileiro, em que o poder da caneta do chefe do Executivo é imenso, proporcional à capacidade que tem o Estado de favorecer empresas bem relacionadas em Brasília, Lula não tenha sido o primeiro a passar pelo Planalto em meio a nuvens de suspeição.

A diferença é que, com o tempo, os rumores se transformaram em indícios, fortalecidos com a apreensão pela Polícia Federal, em junho, na sede da Odebrecht, em São Paulo, de e-mails que indicam intromissão de uma empresa privada em atos de Estado. E, por parte de Lula e também Dilma, uma indesejada permissividade no relacionamento com executivos da empreiteira. A começar pelo próprio Marcelo Odebrecht, preso em Curitiba, na Operação Lava-Jato.

Não se discute que governos de países em que há empresas que disputam concorrências no exterior atuam para que licitações sejam arrebanhadas por compatriotas. Mas deve haver uma linha divisória entre os interesses de Estado e de empresas privadas, além de cuidados para que governantes não sejam vistos como lobistas, geralmente bem remunerados. O discurso de defesa de Lula vai nesta direção: o ex-presidente nada mais fez do que, como vários chefes de Estado, atuar no exterior a fim de trazer negócios para o Brasil.

Alguns dos e-mails transmitidos pela Odebrecht, até do próprio Marcelo, na prática converteram o Planalto numa espécie de escritório avançado da empreiteira. Com interesses em Angola, por exemplo, nas proximidade de uma visita do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, ao Brasil, Marcelo pediu a Lula que enaltecesse o papel de José Eduardo como “pacificador e líder nacional”, e lembrasse a atuação de empresas brasileiras em Angola, em especial a sua. Não deve ter sido coincidência que, no dia seguinte, ao recepcionar José Eduardo, Lula, em discurso, afirmou que o colega soubera “liderar Angola na conquista da paz.”

A julgar pelos e-mails divulgados, parece haver farto material em que Lula é instruído a defender interesses comerciais da empreiteira em seus contatos com dirigentes estrangeiros. Tudo fica ainda mais apimentado com um e-mail de resposta a um executivo da empreiteira em que o então ministro do Desenvolvimento Miguel Jorge garante que o “PR” (presidente da República) “fez o lobby”. Tratava-se de defender junto ao governo da Namíbia o consórcio brasileiro da qual a Odebrecht participava na disputa pela construção de uma hidrelétrica. 

Esta clara ingerência da Odebrecht no Planalto se soma a tudo o que foi descoberto até agora pela Lava-Jato e serve de forte justificativa para que haja séria investigação sobre este “lobby”. Não pode pairar a suspeita de que o Brasil virou uma republiqueta de banana em que um telefonema libera bilhões do BNDES, em nome dos “interesses nacionais”.

Fonte: Editorial - O Globo