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domingo, 6 de agosto de 2023

Leite defende bloco Sul-Sudeste lançado por Zema, e governadores do NE falam em ‘estímulo à cisão’

Governadores do Norte e do Nordeste criticam declarações de colega mineiro ao Estadão, enquanto Eduardo Leite reforça defesa por mais equilíbrio para Sul e Sudeste

O anúncio pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), em entrevista ao Estadão, de uma frente para “protagonismo” das regiões Sul e Sudeste colocou de lados opostos os gestores estaduais do Norte e Nordeste e os colegas das outras regiões. 
O nome do governador mineiro foi o tema de política mais comentado do País no Twitter.

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), saiu em defesa da frente anunciada por Zema. O tucano foi um dos líderes apontados pelo mineiro como potencial candidato à Presidência nas próximas eleições. De acordo com Leite, o que o grupo quer é agir por mais equilíbrio na reforma tributária e não “discriminar” nenhuma região. “Nunca achamos que os Estados do Norte e Nordeste haviam se unido contra os demais Estados. Ao contrário: a união deles em torno de pautas de seus interesses serviu de inspiração para que, finalmente, possamos fazer o mesmo, nos unirmos em torno do que é pauta comum e importante aos estados do Sul e Sudeste”, disse o governador gaúcho à reportagem.

Zema afirmou que os governadores do Sul e do Sudeste querem mais “protagonismo” na política e na economia e vão agir em bloco para evitar perdas econômicas contra as outras regiões. Além disso, o governador de Minas estimulou o lançamento de um candidato de direita do grupo à Presidência nas eleições de 2026. “Ficou claro nessa reforma tributária que já começamos a mostrar nosso peso. Eles queriam colocar um conselho federativo com um voto por Estado. Nós falamos, não senhor. Nós queremos proporcional à população. Por que sete Estados em 27, iríamos aprovar o quê? Nada. O Norte e Nordeste é que mandariam. Aí, nós falamos que não. Pode ter o Conselho, mas proporcional. Se temos 56% da população, nós queremos ter peso equivalente”, afirmou Zema ao Estadão.

“Está sendo criando um fundo para o Nordeste, Centro-Oeste e Norte. Agora, e o Sul e o Sudeste não têm pobreza? Aqui todo mundo vive bem, ninguém tem desemprego, não tem comunidade? Tem, sim. Nós também precisamos de ações sociais. Então Sul e Sudeste vão continuar com a arrecadação muito maior do que recebem de volta? Isso não pode ser intensificado, ano a ano, década a década”, emendou o governador. “Já decidimos que além do protagonismo econômico que temos, porque representamos 70% da economia brasileira, nós queremos – que é o que nunca tivemos – protagonismo político”, concluiu.

Já o governador da Paraíba e presidente do Consórcio Nordeste, João Azevêdo (PSB), afirmou que Zema cometeu equívocos e foi “infeliz” nas declarações. Para Azevêdo, o governador mineiro estimula uma divisão entre as regiões no País e não deve ter o apoio dos demais gestores estaduais na mobilização. [OPINIÃO: a leitura atenta da entrevista deixa claro que NÃO se trata de uma divisão política entre as regiões e sim de uma OPÇÃO pelo PROGRESSO, pelo CRESCIMENTO, por MELHORES CONDIÇÕES DE VIDA PARA OS BRASILEIROS.
Já o Norte e Nordeste em sua maioria OPTOU, ao votar no desastre petista,  pela MISÉRIA, pelo ATRASO, pela CORRUPÇÃO, pela ROUBALHEIRA. 
Só um exemplo: o Maranhão ocupa, há vários anos, o posto de ESTADO MAIS ATRASADO DO Brasil e os cinco piores IDH são o dos estados de Alagoas, Maranhão, Piauí, Paraíba e Sergipe. Não é DISCRIMINAÇÃO e sim FATO: Nos cinco estados Lula venceu.]
 
(...)

De acordo com Zema, as regiões Sul e Sudeste têm mais de 50% da população e são as que mais produzem, mas não recebem o mesmo retorno quando o assunto envolve benefícios financeiros e políticos. Uma das frases que mais incomodou lideranças do Nordeste foi comparar o processo a “dar um tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixar de lado as que estão produzindo muito”, nas palavras do governador de Minas.

(...)

A fala de Zema também foi criticada por um colega do Sudeste, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), outro aliado de Lula. “Sobre a entrevista do Governador Zema (MG) para o jornal Estado de SP, é importante deixar claro que é sua opinião pessoal. O ES participa do Cosud (Consórcio de Integração Sul e Sudeste) para que ele seja um instrumento de colaboração para o desenvolvimento do Brasil e um canal de diálogo com as demais regiões”.

ÍNTEGRA DA MATÉRIA


O Estado de S. Paulo 
 
 

sábado, 18 de março de 2023

Não existe imunidade parlamentar no Brasil - Revista Oeste

Silvio Navarro

Patrulha da esquerda, imposição do politicamente correto e superpoderes do Judiciário minam a liberdade no Congresso

 Deputado federal Nikolas Ferreira | Foto: Reprodução Redes Sociais

Deputado federal Nikolas Ferreira | Foto: Reprodução Redes Sociais 
 
No último dia 8 de março, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) subiu à tribuna da Câmara usando uma peruca loira. A sessão era comandada por representantes da ala feminista da Casa, filiadas a partidos de esquerda, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Campeão de votos nas últimas eleições, conhecido pelo estilo provocador, o jovem parlamentar resolveu tocar num dos temas mais sensíveis para a agenda dos “progressistas”: a ideologia de gênero.

“Hoje, no Dia Internacional da Mulher, a esquerda disse que eu não poderia falar, porque não estava no meu local de fala”, disse. “Então, eu solucionei esse problema. Hoje eu me sinto mulher, a deputada Nikole”.

As imagens do plenário mostram que a repulsa da esquerda começou antes mesmo de o deputado começar o discurso. Três minutos depois, ele já havia sido fuzilado nas redes sociais pela patrulha ideológica da esquerda. Uma integrante do programa Big Brother Brasil resolveu causar tumulto num voo, ao descobrir que ele estava a bordo. Os portais de notícias da velha imprensa sentenciaram que Nikolas deveria responder pelo crime de transfobia — que não existe em lei e foi equiparado ao racismo por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).

A menina-prodígio da esquerda, Tabata Amaral (PDT-SP), apoiada pelo empresário Jorge Paulo Lemann, comandou a gritaria na internet. O líder do Psol, Guilherme Boulos (SP), foi tirar a história a limpo cara a cara no plenário. O Psol acionou o Supremo. Nikolas ainda vai responder a um processo no Conselho de Ética por quebra de decoro parlamentar.

O que, afinal, irritou tanto a esquerda na fala do mineiro? Ele disse que as mulheres estão perdendo espaço para os homens que se sentem mulheres. “Ou você concorda com o que eles estão dizendo, ou, caso contrário, você é um transfóbico, homofóbico e preconceituoso”, disse.

No ápice da fala, já com a campainha acionada pela gaúcha Maria do Rosário (PT), que dirigia a sessão, deu um exemplo que acontece diariamente em vários estabelecimentos comerciais do país. “Defendo a liberdade de um pai recusar que um homem de 2 metros de altura, um marmanjo, entre no banheiro junto com sua filha sem você ser considerado um transfóbico”, disse. Ou ainda na participação de homens biológicos que desequilibram as disputas esportivas femininas.

Pressionado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que raramente se manifesta nas redes sociais, correu para o Twitter.


O jornal Folha de S.Paulo publicou uma charge na qual caracteriza o deputado como um personagem assassino — em nome da liberdade de expressão.

Ilustração: Reprodução/Folha de SP

O desfecho do caso de Nikolas ainda é incerto, tanto na Câmara quanto no Supremo, que analisa processos contra parlamentares por causa do foro. Mas o episódio joga luz para um problema crescente no Brasil: embora o texto constitucional seja claro, nos últimos anos, a imunidade parlamentar só existe no papel.

Diz o artigo 53 da Constituição, sem rodeios: “Os deputados e os senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

Interferência do Supremo
Quando um visitante chega a Brasília, para um tour guiado pelo Congresso Nacional, uma placa na entrada da Câmara dos Deputados diz: “Bem-vindo à Casa do povo”
Ali estão 513 parlamentares eleitos para representar todos os segmentos da sociedade. Logo, numa democracia plena, em tese, se a ideologia de gênero é um tema importante para o mundo atual, o foro para debatê-la deveria ser justamente a tribuna da Câmara, as comissões temáticas e até uma frente parlamentar dedicada ao assunto.

Mas tudo isso em tese. Porque a erosão da inviolabilidade parlamentar no Brasil também se deve porque outro artigo constitucional deixou de valer nas últimas décadas. Diz o artigo 2º: “Os Poderes da União são independentes e harmônicos entre si”. Refere-se ao Legislativo, Executivo e o Judiciário. Contudo, é o Supremo quem manda — prender, inclusive. E também quem decide o que pode ou não ser dito nas redes sociais ou em entrevistas.

A única exceção ocorreu em 2016, quando Renan Calheiros (MDB-AL) disse que não cumpriria uma decisão do ministro Marco Aurélio Mello para se afastar da presidência da Casa. Mas outros parlamentares não tiveram a mesma sorte: por exemplo, Eduardo Cunha (RJ), Aécio Neves (MG) e Delcídio Amaral (MS) tiveram os mandatos suspensos imediatamente.

Fotos: Wikimedia Commons
A prisão de Daniel Silveira foi amplamente revisitada por Oeste nos últimos meses. A inviolabilidade do mandato parlamentar foi desrespeitada. A prisão será lembrada no curso da história pelo ineditismo: o flagrante perpétuo. Ele foi punido pela publicação de um vídeo — de péssimo gosto — na internet com ataques ao Supremo. Os termos “quaisquer opinião ou palavras”, presentes no trecho da Constituição para assegurar ampla liberdade aos parlamentares, foram ignorados pelo Supremo.

O governo Lula tenta aproveitar a censura do Supremo no período eleitoral contra conservadores e liberais para cumprir o sonho da tutela definitiva dos meios de comunicação no país

No aspecto jurídico, o caso foi piorando ao longo dos meses: a Polícia Federal foi enviada à Câmara dos Deputados para instalar uma tornozeleira no deputado. Depois, em fevereiro, Alexandre de Moraes mandou prendê-lo outra vez, por uso irregular dela. Detalhe: Silveira foi beneficiado por um indulto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro. Mas o ministro decidiu ignorar o indulto, até que ele seja analisado pelo plenário da Corte, o que não tem data definida para ocorrer.

Segundo a última decisão de Moraes, Silveira deve cumprir pena em regime fechado, “por crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito”. O mau uso da tornozeleira foi classificado como “completo desrespeito e deboche” ao STF. Por fim, o agora ex-deputado terá de pagar uma multa no valor de R$ 4,3 milhões, dinheiro que ele já afirmou não ter guardado nem como levantar.

No ano passado, dezenas de parlamentares que apoiavam a reeleição de Jair Bolsonaro foram proibidos de dar opiniões em suas redes sociais, por decisão de Moraes. 
Eles foram punidos por comentar determinados temas censurados pelo STF. Na época, Bia Kicis (PL-DF) tentou argumentar usando a Constituição.

“Quando se censura um parlamentar não se trata apenas de censura — o que já é grave e inconstitucional —, mas de interferência na própria atividade parlamentar, o que é um atentado à democracia e à separação dos Poderes”

O futuro das redes sociais no Brasil parece ser o tema da vez. O governo Lula tenta aproveitar a censura do Supremo no período eleitoral contra conservadores e liberais para cumprir o sonho da tutela definitiva dos meios de comunicação no país, como ocorre nas ditaduras de esquerda. 
O Supremo, contudo, mantém as rédeas sobre o tema — além de Alexandre de Moraes, os ministros Gilmar Mendes e Luiz Roberto Barroso estão à frente da operação. O resultado é incógnito.

O fato é que, no dia 8 de março, a fala mais alardeada contra Nikolas foi a de Tabata Amaral, “em nome de todas as mulheres”. Disse ela: “É um homem que, no Dia Internacional da Mulher, tirou o nosso tempo de fala para trazer uma fala preconceituosa, criminosa, absurda e nojenta”. Curiosamente, Tabata recorreu justamente à inviolabilidade — seletiva — do mandato para justificar sua ira. “A transfobia ultrapassa a liberdade de discurso, que é garantida pela imunidade parlamentar.”

A imunidade parlamentar, conforme um dia já definiu a Constituição, não existe mais no Brasil.

Leia também “Cortina de fumaça”

Silvio Navarro, colunista - Revista Época

 

terça-feira, 15 de março de 2022

VOTO POPULAR - IMPEACHMENT DADO PELA CIDADANIA - Percival Puggina

Tudo bem, já vivemos períodos melhores, já tivemos políticos melhores e o século XXI está marcado pela má qualidade média de nossas representações parlamentares. Mas a Câmara Alta da República, o Senado Federal, façam-me o favor...! A Casa dos mais experientes virou abrigo dos mais espertos e dos conchavos. 

São duras estas palavras? São, mas não há lugar para palavras macias em minha opinião. Aliás, se um dia eu quisesse ouvir conversa mole e desistir do Brasil, assistiria a TV Senado.

Desde 2003, nossos senadores escolheram em sequência, os seguintes presidentes para representá-los e dirigi-los: José Sarney, Renan Calheiros (duas vezes), Garibaldi Alves Filho, José Sarney (mais duas vezes), Renan Calheiros (mais duas vezes), Eunício Oliveira, Davi Alcolumbre e Rodrigo Pacheco.

Desculpem senhores senadores, mas algo assim não acontece por acaso. Essa lista fornece o roteiro de uma tragédia moral. Estão aí as pegadas coletivas. Elas não abrem uma trilha, proporcionam, isto sim, uma avenida para irmos até a necessária conclusão: nem os senhores senadores se levam a sério. 

O Brasil poderia ter um número maior de petistas, comunistas e consectários. Poderia conviver com mais universidades a serviço de si mesmas e de estapafúrdias ideologias. Poderia ter ainda maior corporativismo, mais bandidolatria, mais ativismo judicial, mais impunidade. Poderia. E mesmo assim, haveria esperança, se tivéssemos um Senado que fizesse por merecer o apreço da sociedade. Estaria cumprindo seu dever perante a nação. Ali, a política faria soar o clarim das mudanças, dos princípios, dos valores, do amor ao Brasil e seu povo.

No entanto, acantonados na longevidade de seus mandatos, exceção feita a escassas e honrosas exceções, nossos senadores vivem como se não houvesse amanhã. Abastecem-se na democracia, mas rejeitam os anseios nacionais. Fortalecem-se no poder da própria instituição, mas conspiram para fazer dela seu paraíso privado. Nunca a “busca da felicidade”, enfatizada por Thomas Jefferson, esteve tão bem saciada, quanto no Senado Federal brasileiro.

Na última sexta-feira, 9 de março, o senador Rodrigo Pacheco, o omisso, tomou a iniciativa de criar uma comissão para propor uma nova lei de impeachment. 
Logo ele, que está sentado sobre todos os processos de impeachment entregues à Casa resolve exibir interesse por tão relevante tema! E adota uma providência cujo efeito natural é sustar todas as denúncias existentes posto que o Senado produzirá nova lei para regulamentar a questão. Reina a paz nos cemitérios da democracia.
 
A tal comissão tem 11 membros, cinco ligados ao Poder Judiciário, cinco juristas ou advogados e o ex-senador Antônio Anastasia, hoje ministro do TCU. A juristocracia vive dias de glória e esplendor. 
Quem dentre os 11 tem independência absoluta, entende o sentimento nacional e conhece o clamor popular?

Não bastasse isso, o presidente da comissão, escolhido a dedo pelo omisso senador Pacheco, atende pelo nome de Ricardo Lewandowski. Sim, ele mesmo, o ministro do STF que fatiou a pena da ex-presidente Dilma, preservando-lhe os direitos políticos. [a decisão do supremo ministro foi sabiamente revogada pelo sábio eleitorado mineiro, que chutou, via não votando na ex-presidente, já 'escarrada' da presidência.] Alguém acredita que essa comissão vai propor algo para favorecer a instauração de impeachment contra membros de poder?

Bem, o voto popular não deixa de ser uma forma tardia de impeachment. Tudo contribui para tornar ainda mais relevante a eleição de outubro. Cabe à nação ser, nas urnas, o que seus representantes não têm sido nos espaços de poder. 

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


terça-feira, 26 de outubro de 2021

Tráfico de pessoas - 'Me colocaram num quarto com outros 12, e a empresa disse que tínhamos que agradecer', diz vítima

O Globo -
Arthur Leal

Crime tem como base a corrupção, como alvo pessoas em situação de vulnerabilidade e como produto final outras violações aos direitos humanos

Fazenda de Goiás em que na semana passada 116 pessoas de várias partes do país, inclusive cinco crianças, foram resgatadas Foto: PRF/Divulgação / PRF/Divulgação
Fazenda de Goiás em que na semana passada 116 pessoas de várias partes do país, inclusive cinco crianças, foram resgatadas Foto: PRF/Divulgação / PRF/Divulgação
 Crime que tem como base a corrupção, como alvo pessoas em situação de vulnerabilidade e como produto final outras violações aos direitos humanos, o tráfico de pessoas é hoje invisível num país de grande extensão territorial como o Brasil, em que há intenso deslocamento entre pessoas de regiões diferentes, além de uma fronteira seca de 17 mil quilômetros. A subnotificação marca esse “mercado de gente” que acaba, quando vem à tona, levando a inquéritos que apuram crimes correlatos, como trabalho análogo à escravidão e exploração sexual.

Os dados são raros. Em um dos poucos levantamentos sobre o crime, há a informação de que, do início de 2020 a outubro deste ano, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos recebeu 274 queixas de violações envolvendo o tráfico de pessoas, nacional ou internacional. Enquanto isso, relatos de trabalho análogo à escravidão passaram de 3 mil.

Mas os dois crimes, muitas vezes, andam juntos. Em histórias como a do mineiro L.S., de 31 anos, morador de Araçuaí (MG), que percorreu quase 2 mil quilômetros de ônibus porque arrumou um emprego, no Mato Grosso do Sul, que lhe acenou com um futuro melhor do que a vida que deixou para trás, deteriorada pela crise econômica. Em vez disso, se deparou com uma casa que não tinha nada além de paredes, onde permaneceria longo período em sofrimento: — Quando cheguei, me cederam um espaço onde eu não tinha cama nem tinha colchão. Não tinha geladeira nem fogão — contou L. — Eles davam marmita e no final do trabalho, quando a gente recebia, descontavam o valor. O que recebíamos era só para pagar o prato de comida.

Penas brandas
Na prática, essa linha difusa que o tráfico de pessoas estabelece com outros delitos contribui para condenações dos acusados a penas mais brandas. Dados da Organização Internacional para as Migrações da ONU, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, mostram que, entre 2010 e 2020, haveria pelo menos 612 decisões judiciais envolvendo tráfico de pessoas, nos âmbitos estadual, federal e em cortes superiores. Os números vêm da análise dos sistemas Datajud, do CNJ, e do portal JusBrasil. Já o Ministério Público Federal (MPF) fala em cerca de 160 processos ou inquéritos policiais em andamento hoje. Numa amostragem dos últimos cinco anos, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais apareceu liderando a lista de decisões judiciais sobre esses casos.

A defensora pública da União Natália von Rondow, que atua no apoio às vítimas do crime de tráfico de pessoas, reforça a importância de que crimes como estes sejam reconhecidos como tal para a aplicação de penas mais duras: — Temos uma subnotificação muito grande. Muitas vezes, a polícia ou mesmo a Justiça não têm o olhar voltado para a detecção do tráfico de pessoas. Outros crimes são vistos, mas dentro deles não é identificado o pano de fundo.

Na pandemia, devido às restrições sanitárias, o fluxo de imigrantes ilegais se agravou. Natália, que esteve este ano em acampamentos em Pacaraima, Roraima, conta que os venezuelanos que chegaram ao Brasil, assim como moradores de outros países vizinhos, viraram alvo ainda mais fáceis de aliciadores: — Muitos imigrantes venezuelanos não conseguiam pedir refúgio ou sequer pedir regularização migratória. Isso criou um verdadeiro “estoque” de pessoas indocumentadas, invisíveis, e dispararam os casos de tráfico de pessoas em Pacaraima. [defendemos que cada país deve dar atenção especial aos seus naturais - nos parece sem sentido que um brasileiro nato  fique desempregado, e desamparado para favorecer um estrangeiro;
quanto ao tráfico de pessoas e trabalho análogo a escravidão, deve ser reprimido independentemente da nacionalidade das vítimas e dos criminosos.]

Pelo Código Penal, o tráfico de pessoas consiste em aliciar, transportar ou acolher pessoas mediante violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: remoção de órgãos, submissão e condição análoga à escravidão; adoção ilegal ou exploração sexual. As penas variam de 4 a 8 anos de prisão, além de multa. A punição pode ser aumentada em um terço se as vítimas forem crianças e adolescentes, pessoas retiradas de seu país de origem ou se o delito tiver participação de agentes públicos. Se somado o crime de trabalho análogo à escravidão, a pena poderia duplicar o tempo de prisão, em caso de condenação.

Para a procuradora-regional da República Stella Scamparini, que atua nessas questões, as notificações são incompatíveis com a realidade do país e as contingências econômicas. — É impossível um país como o nosso, de tamanho continental e com tantos países vizinhos, ter números tão pequenos de tráfico de pessoas. É preciso colocar isso em debate — afirma.

Scamparini também ajudou a elaborar uma nota técnica do MPF que orienta juízes a passarem a reconhecer a participação de agentes públicos como facilitadores deste crime. Hoje, segundo o ofício, eles acabam julgados fora de contexto, na esfera da corrupção, e desta forma, não são punidos como deveriam. — Não existem essas organizações criminosas sem que haja corrupção —completa Stella. — É um problema que não é novo e não é só do Brasil. Se não combatermos os facilitadores, não vamos ter resultado.

Num quarto com 12
O venezuelano D., de 59 anos, é uma dessas vítimas. Em 2019, ele fez a difícil escolha de deixar a mulher e os filhos para trás e ir, com outros sete colegas, até a fronteira com o Brasil em Pacaraima, onde soube que uma empresa de transporte de cargas, a Transzape, estava recrutando imigrantes para trabalhar em sua filial em São Paulo. Após tirar os documentos no Brasil, foi até Cordeirópolis, com ajuda da Operação Acolhida, do Exército. Logo ao chegar, percebeu que havia algo errado. - Me colocaram num quarto com outros 12 estrangeiros. O cubano que veio comigo teve de morar  no caminhão, porque não tinha como sua esposa e a filha pequena ficarem num quarto cheio de homem. Fui questionar os responsáveis e eles disseram que tínhamos que agradecer — relata.

No alojamento, o grupo dividia dois pães e margarina no café da manhã. Durante todo o tempo, representantes da empresa prometiam que as coisas melhorariam e intimidavam quem ameaçasse fazer denúncia. Ele ficou nessas condições por um ano, trabalhando de domingo a domingo, sem tirar folga ou receber qualquer remuneração. Dirigia sem carteira de habilitação e ainda era cobrado por pedágios, combustível, multas e arranhões no caminhão. — Eles diziam: “você só precisa trabalhar, mais nada”. Vários motoristas não aguentaram e foram embora. Fiz das tripas coração para trazer minha família , mas a situação só piorou com a pandemia — conta D., que se juntou a mulher e filhos em Atibaia (SP).

O GLOBO procurou a Transzape, que não retornou o contato. O Ministério Público do Trabalho, desde maio deste ano, investiga as denúncias de vários trabalhadores contra a empresa transportadora por irregularidades como a descrita por D. O GLOBO apurou que o inquérito surgiu após uma visita do MPT e do Ministério do Trabalho e Previdência à matriz da empresa em Tubarão, Santa Catarina, que também havia sido alvo de reclamações.

Questionada sobre o tratamento dado aos migrantes venezuelanos pela Operação Acolhida, a Casa Civil do governo federal afirmou que levanta o histórico das empresas antes de repassar as vagas e os responsáveis são obrigados a assinar uma declaração de que não compactuam com a exploração de mão de obra em condições análogas à escravidão. Ainda segundo a pasta, ao chegar, eles são orientados a procurar a rede de assistência social local, caso tenham qualquer dificuldade. A Casa Civil reforça que as fiscalizações são periódicas.

Enganados por parente
Entre processos levantados pela ONU, há casos de exploração do trabalho e sexuais. Uma família de três bolivianos foi mantida num quarto sem ventilação em São Paulo, com outras pessoas, e obrigada a trabalhar por até 13 horas por dia costurando roupas em troca de R$ 0,50 a R$ 2 a peça. Durante a investigação, descobriu-se que o acusado era parente dos bolivianos, o que seria agravante da pena. Em outro caso, mulheres eram levadas do Acre para a Bolívia para prostituição e acesso facilitado à faculdade de medicina. As jovens passaram anos em cativeiro, trabalhando para o dono de uma boate identificado por elas como Dom Marcos.

Há uma semana, O GLOBO mostrou que a Polícia Federal encontrou 16 paraguaios em cárcere privado no subsolo de uma fábrica clandestina de cigarros no Rio Grande do Sul. Também na semana passada, 116 trabalhadores de várias partes do país foram resgatados da rotina de trabalho análoga à escravidão em uma fazenda de Água Fria de Goiás. Entre eles, cinco crianças.

Brasil - O Globo

 

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

A frente ampla e a margem de manobra de Bolsonaro - Alon Feuerwerker

Análise Política

As pesquisas convergem para duas constatações sobre 2022. O presidente Jair Bolsonaro permanece competitivo e tem uma reserva para ir ao segundo turno. Claro que nas condições normais, e atuais, de temperatura e pressão. Por outro lado, todos os levantamentos indicam um segundo turno duríssimo para ele. As margens hoje sobre os desafiantes são estreitas, além do que seria saudável para um incumbent, como dizem os americanos.

O estilo e a linha do presidente, sabe-se, têm dois efeitos. Garantem a fidelidade de um núcleo duro,
mas também estimulam a aproximação entre os potenciais adversários. Este segundo movimento hoje acontece numa velocidade compatível com a era digital. A dúvida? Qual será a capacidade de o desafiante escolhido no primeiro turno agrupar o antibolsonarismo no segundo.

Trata-se do repisado tema da “frente ampla”. O benchmark mais abrangente é a coalizão formada na transição para a Nova República em 1985. O caso histórico bem conhecido do deslocamento para o oposicionismo de personagens que haviam apoiado a deposição de João Goulart em 1964. Na estocada final, um pedaço inteiro do governista PDS (antes Arena) juntou-se ao PMDB (antes MDB) com a marca de Frente Liberal. Depois viraria partido (PFL, hoje Democratas).

Mas ali foi a culminância de uma caminhada de duas décadas, na qual a esquerda e os progressivamente convertidos foram se aproximando ao longo de sucessivas eleições e movimentos político-sociais antirregime. Dois (quatro?) anos não são vinte. Ainda que, como foi dito, a velocidade seja bem maior no mundo da internet. E tem outro aspecto, ainda mais significativo. Ali havia um acordo: todos os grupos oposicionistas aceitavam-se na frente.

Mesmo Luiz Inácio Lula da Silva, que depois no PT construiria um caminho próprio, apoiou Fernando Henrique Cardoso (MDB) para o Senado em 1978. Sobre aquela época, pode-se argumentar que a aceitação mútua era facilitada por um detalhe: a hegemonia ali estava pré-estabelecida, havia um único partido permitido de oposição e era completamente controlado pelo que hoje se chama de “centro”. Ainda que persistisse no MDB uma disputa entre “autênticos” e “moderados”. Estes últimos dispostos a uma eventual negociação com o regime em torno da transição.

Tem mais. Do emedebismo raiz à esquerda, todos estavam excluídos do poder. E aí certa hora juntaram-se para fazer a passagem. É possível argumentar que o PT não votou em Tancredo Neves. Verdade. Mas talvez tenha sido também porque a vitória do mineiro era garantida. Nunca saberemos - e esta afirmação leva a vantagem de não poder ser derrubada pelos fatos -, mas é possível que se os votos do PT fossem decisivos contra Paulo Maluf a posição do partido teria sido outra.

Mais um detalhe. Havia na oposição razoável consenso sobre a necessidade de uma política econômica à época rotulada de heterodoxa. Foi a era de ouro dos economistas nacionalistas, defensores do papel do Estado. Depois deu errado. José Sarney atravessou sucessivas borrascas econômicas, editou sucessivos planos econômicos, que fracassaram todos, e quase caiu. Até cruzar a linha de chegada com a língua de fora. Mas isso foi depois.

Hoje 1) uma gorda parte da possível frente ampla está aninhada no Estado,  
2) não há acordo básico sobre, por exemplo, os de fora do segundo turno apoiarem quem for à decisão e 
3) o neo-oposicionismo apoia resolutamente a condução da economia pela dupla Bolsonaro-Paulo Guedes. São obstáculos intransponíveis para a formação da frente? Não. Mas indicam que, mesmo com todas as dificuldades, o governo mantém margem de manobra. Resta saber como, e se, vai usar. 
PIB - 2020 - vale a pena ler
 
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político