Revisão do foro vai livrar o Supremo do peso e jogar 90% na primeira instância [se o Toffoli deixar de apresentar 'pedido de vista obstrutivo.]
Vem aí um
grande estouro da boiada com o fim anunciado do foro privilegiado para
deputados e senadores em caso de crimes comuns e anteriores ao mandato. O
Supremo se livra de cerca de 800 privilegiados, a vida dos juízes de primeira
instância vai mudar um bocado e muitos parlamentares vão começar a refletir se
vale mesmo a pena disputar a reeleição. Os
advogados terão muito trabalho e seus honorários polpudos estão garantidos. O
primeiro cálculo é em que casos vale ou não a pena tirar seus clientes
poderosos do Supremo para enfrentar a primeira instância nos Estados. Para
alguns investigados, pode ser o paraíso. Para outros, o inferno. Depende das
relações que tenham na Justiça local e, obviamente, o caráter e compromisso de
cada juiz.
Em tese,
um juiz amigão pode ajudar bastante, mas um que seja amigão do adversário pode
ser tentado a usar sua prerrogativa de autorizar quebra de sigilos telefônicos,
fiscais e bancários. E há muitas dúvidas de ordem prática. Antes de
pedir vista, o ministro Dias Toffoli já antecipou algumas dessas dúvidas em
perguntas ao relator Luís Roberto Barroso que vão virar uma enxurrada de
embargos, petições e questionamentos ao STF. Por exemplo: o que acontece com o
deputado acusado de receber propina como prefeito, mas que continuou recebendo
na Câmara?
Hoje, há
um sobe e desce de instância dependendo de qual mandato o político tem em cada
momento. Mas, apesar do adiamento do resultado final e das dúvidas, o fato é
que o Supremo deu um passo não apenas para acabar com um de tantos privilégios
e tornar a Justiça mais igual, como também um passo de reencontro com a opinião
pública.
Note-se
que o STF é dividido ao meio, mas a decisão é inegavelmente majoritária. Ao
decidir antecipar o seu voto, o decano Celso de Mello teve a evidente intenção
de sedimentar uma decisão praticamente consensual e dar uma resposta, e um
alívio, para a sociedade. Foi um sinal, um símbolo.
A decisão
é comemorada de Norte a Sul por movimentos de combate à corrupção e por
cidadãos e cidadãs exaustos com a extensão e os valores desviados do público
para o privado. Entretanto, a questão não é tão simples assim. Os princípios de
igualdade são inquestionáveis, mas todos sabemos o quanto, entre o discurso e a
prática, vai uma distância enorme. Passada a festa, vai ficar claro que acabar
ou revisar o foro não é uma panaceia para todos os males da Justiça nacional. O que
move a ira da sociedade contra o foro privilegiado é principalmente a lentidão
do Supremo, mas a Corte julgou, condenou e mandou prender rapidamente no
mensalão, enquanto o ex-governador Eduardo Azeredo está sendo julgado até hoje
em Minas, seu Estado, por eventos de 20 anos atrás.
Já era previsto
um placar com margem folgada (considerando o ministro Ricardo Lewandowski, que
está de licença) e o pedido de vista. Se houve uma surpresa foi a força da
argumentação dos vitoriosos e o isolamento de Toffoli e de Gilmar Mendes. Eles
foram acompanhados em parte por Alexandre de Moraes, criando uma situação
curiosa: Gilmar tem relações diretas com o presidente Michel Temer, Toffoli
teve um encontro em particular com Temer às vésperas da votação e Moraes foi
ministro da Justiça do atual governo, que o indicou para o STF.
O
presidente trabalha para manter o foro privilegiado tal como está? E com que
objetivo? A resposta pode estar no Congresso, que vota simultaneamente uma
emenda à Constituição que revisa o foro não só para parlamentares, mas para
quase todas as autoridades, até mesmo juízes. E pode fazer o contrário com
ex-presidentes: hoje, eles não têm foro privilegiado, mas passariam a ter. Já
imaginaram Lula sem Sérgio Moro nos calcanhares?
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