Bolsonaro e seu guia
econômico têm em comum visão apocalíptica da crise
[Bolsonaro presidente, situação irreversível - quanto mais sua candidatura for espancada mais cresce e se consolida.]
No mesmo
dia em que Luciano Huck deixou seus bruxos a pé, o deputado Jair Bolsonaro
anunciou que, eleito, convidaria o economista Paulo Guedes para o Ministério da
Fazenda. Eles tiveram dois encontros, somando seis horas de conversas: “Ainda
não existe um noivado entre nós, mas um namoro”. Um
eventual noivado do economista liberal com Bolsonaro remete à resposta que o
escritor Bernard Shaw deu à atriz Isadora Duncan quando soube que ela queria
que tivessem um filho com sua beleza e a inteligência dele: “Devo recusar sua
oferta, pois a criança poderia ter a minha beleza e a sua inteligência”.
O
deputado, que combateu todas as reformas de Fernando Henrique Cardoso e chegou
a sugerir que fosse fuzilado, disse, na mesma palestra em que se referiu ao
namoro, que “a China não está comprando no Brasil, mas sim o Brasil.” No mesmo
dia, num artigo, Paulo Guedes dizia que “o caminho para a recuperação da
dinâmica de crescimento econômico e a regeneração da classe política passa pelo
aperfeiçoamento das instituições republicanas e pelo aprofundamento das
reformas”.
Guedes e
Bolsonaro têm em comum uma visão apocalíptica da crise nacional. O
deputado arrancou risos de sua plateia perguntando: “Se o Kim Jong-un jogasse
uma bomba H em Brasília, e só atingisse o Parlamento, você acha que alguém ia
chorar? (Ele está lá desde 1991, mas deixa pra lá.) Menos beligerante,
Guedes escreveu há uma semana que “só um reboot mental poderá nos salvar”.
Seria um “reboot liberal-democrata”, mas como se faz isso, não explicou.
A piada
de Shaw não esgota o namoro de Bolsonaro com Guedes. Em
outubro, o deputado teve 33% de preferências numa pesquisa estimulada do
Datafolha para um cenário de disputa de segundo turno com Lula (47%). Os
candidatos da ordem política vigente não chegaram perto disso. Um pedaço
da desordem vigente precisa de um nome que, como uma esponja, absorva suas
ideias. Parece fantasia, mas o temível Lula, que se proclamou uma “metamorfose
ambulante”, entrou no Planalto em 2003 com a planilha de uma “Agenda Perdida”
que originalmente havia sido encomendada a Ciro Gomes.
A ela se
deveu o encanto da banca por Antonio Palocci. Deu no que deu. (Desde seu tempo
como prefeito de Ribeirão Preto, Palocci tinha outros projetos na agenda. Ele
está na cadeia, e Lula foi condenado pelo juiz Sergio Moro por corrupção.) A esponja
é esperta, absorve apenas o que lhe interessa, depois se enxágua. Ideias chegam
ao poder pelo voto, como aconteceu com Fernando Henrique Cardoso.
Paulo
Guedes é um economista com passagem bem-sucedida pela academia e pela banca.
Fez melhor que Roberto Campos, o corifeu do liberalismo nacional, que fracassou
no mercado financeiro. Em 1964, ele foi nomeado ministro do Planejamento pelo
marechal Castelo Branco. A esponja
da ditadura absorveu suas ideias durante três anos. Depois, como laranja
chupada, ele foi para escanteio.
Em
janeiro de 1974, querendo se aproximar do governo, mandou ao poderoso general
Golbery um artigo em que expunha suas ideias a respeito da crise do petróleo.
Ele disse o seguinte ao intermediário: “Para começo de conversa, qualquer coisa
partindo dele será inoportuna. Se ele propõe uma ideia boa, vai pichar a ideia.
A ideia é boa, mas se partir dele vai ser ruim. (...) É uma tristeza, mas é a
verdade”.
Elio Gaspari, jornalista - Folha de S. Paulo
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