Além da discussão própria do tema polêmico, a restrição do foro
privilegiado terá um capítulo especial que certamente ganhará destaque: a
definição sobre o alcance da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF),
se e quando houver um desfecho consequente do caso. Pela visão do
relator, o ministro Luís Roberto Barroso, a decisão abrange todos os
cargos que têm hoje foro privilegiado, que passaria a valer apenas para
crimes acontecidos durante o mandato e em consequência dele.
O ministro Dias Toffoli, que pediu vista do processo, já anunciou que
não devolverá os autos até o início do ano que vem, isto é, depois do
recesso do Judiciário. Como alegou que sua obstrução tem como objetivo
permitir que o Congresso decida sobre o caso, já que entende que cabe a
ele alterar a legislação em vigor, o mais provável é que, enquanto a
Proposta de Emenda Constitucional estiver tramitando na Câmara, o
ministro Toffoli nada fará.
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, já marcou um encontro
com a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, para combinar uma ação
conjunta que não provoque um choque entre Poderes, como explicou Maia.
Tudo leva a crer que o assunto morrerá em alguma gaveta até que o
panorama político esteja desanuviado, pois é impossível antever a Câmara
empenhada em acabar com o foro privilegiado para seus componentes e
também para os senadores.
O que pode acontecer, isso sim, é que na Comissão Especial da Câmara
que analisará a questão sejam feitas tantas alterações quantas sejam
necessárias para acomodar todos os interesses, até mesmo, no limite, a
ampliação do foro privilegiado para os ex-presidentes, que poderiam ser
transformados em senadores vitalícios, como acontece em outros países. Essa seria, inclusive, uma saída para Lula desistir de se candidatar à
Presidência, única instância, no momento, para que ele escape das
consequências de uma condenação definitiva. A decisão do STF que já tem a
maioria, mas foi esterilizada pelo pedido de vista obstrutivo de
Toffoli, não terá, ao que tudo indica, consequência prática, já que ou a
Câmara engavetará o tema, ou fará uma emenda constitucional que a
tornará inócua. [é necessário que o Poder Legislativo lembre aos ministros do STF, especialmente os campeões em legiferar - não gostam do texto constitucional, fecham os olhos, imaginam outro texto e decidem com base no imaginado - que o Supremo tem o DEVER de esperar a mudança constitucional entrar em vigor para decidir sobre o que é válido ou não;
absurdo é abater no nascedouro uma PEC;
o único tipo de PEC que pode ser abatido antes de ser apresentado é a que busque mudar CLÁUSULA PÉTREA.
um absurdo do tipo do praticado pelo ex-ministro Zavascki é inaceitável: 'criar' um dispositivo legal que lhe permita decidir da forma que entende ser correta - caso da suspensão do mandato do ex-deputado Eduardo Cunha.]
Ainda mais que o ministro Luís Roberto Barroso, após a sessão, tomou a
iniciativa de anunciar que a decisão, que já tem a maioria de sete
votos, tem validade para todos os casos de foro privilegiado, e não
apenas para deputados e senadores, como previsto. [outro que precisa ser convencido que ele é ministro do SUPREMO e não um SUPREMO ministro;
tem que deixar o mau hábito de estender decisões:
uma vez foi julgar um HC sobre a manutenção ou libertação de um médico aborteiro e sua SUPREMA excelência decidiu liberar o aborto até o terceiro mês de gravidez;
agora ao participar do julgamento de uma matéria com alcance para deputados e senadores, decide estender geral.]
O próprio Barroso, durante o julgamento, ao ser questionado pelo
ministro Alexandre de Moraes, disse que a decisão que estava sendo
tomada só se referia a parlamentares federais, pois estava em julgamento
o caso de um ex-prefeito que se elegera deputado federal, levando seu
processo para o STF depois de ter passado pela primeira instância e pelo
STJ, no que a Justiça está chamando de gangorra judiciária. Depois da sessão, porém, Barroso alegou que naquele momento não
pensara no assunto, mas que uma análise mais apurada indica que a
decisão deve valer para todos os milhares de servidores que têm foro
privilegiado. Barroso lembrou que o ministro Celso de Mello e a própria
presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, em um aparte ao voto do
decano, falaram sobre a possibilidade de juízes do Supremo serem
julgados pela primeira instância da Justiça.
Cármen Lúcia chegou a dizer que essa seria uma maneira de demonstrar
que o STF valorizava o sistema judiciário brasileiro. [ problema do STF não é valorizar ou desvalorizar o sistema judiciário brasileiro - valoriza e muito, tanto que uma decisão dada por liminar desde 2014, a do auxílio-moradia, continua valendo;
o que o STF não valoriza é a Constituição Federal.] Essa ampliação da
abrangência da decisão do Supremo certamente ajudará a paralisar o
processo, até que a Câmara tome a sua decisão. Ou fará com que ministros
mudem seus votos. Mas tudo só acontecerá, ao que tudo indica, com o novo Congresso, já
que, se a Câmara alterar a PEC, ela terá que retornar ao Senado, onde já
foi aprovada em termos bastante radicais, que acabam com o foro
privilegiado de todos, com exceção do presidente da República e seu
vice, e presidentes da Câmara, Senado e do STF.
Correção
A votação do STF sobre restrição do foro privilegiado na quinta-feira
estava em 6 a 0 quando o ministro Toffoli pediu vista, e não 6 a 1 como
escrevi na coluna de ontem. O ministro Celso de Mello deu seu voto mesmo
depois do pedido de vista, fazendo o placar de 7 a 0. O 7 a 1
metafórico ficou por conta de Toffoli que, embora não tenha votado,
interrompeu o julgamento, fazendo com que sua posição isolada até aquele
momento prevalecesse sobre a maioria de sete votos.
Merval Pereira - O Globo
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