Estamos há três anos e oito meses vivendo diariamente os efeitos da
Lava-Jato. Ela tem números impressionantes e uma coleção de fatos
inéditos, mas o país foi se acostumando com as operações frequentes, as
revelações e as prisões. Esta semana, os procuradores federais em três
estados alertaram que será preciso mais do que o trabalho que eles estão
fazendo para o país ter sucesso no combate à corrupção.
Do encontro das forças-tarefas da Lava-Jato de Curitiba, Rio e São
Paulo surgiu uma carta e manifestações públicas dos procuradores com
vários recados. Um deles é que nenhum integrante da Lava-Jato pensa em
se candidatar a cargo algum. Isso não foi escrito, mas foi dito e serve
para tirar a sombra que de vez em quando é levantada contra eles.
O recado mais importante é que não basta tudo o que aconteceu para
que o país vença o crime que contamina a política brasileira. Não basta
que 416 pessoas tenham sido acusadas pelo crime de corrupção, lavagem de
dinheiro e organização criminosa e que 144 réus tenham sido condenados a
penas que, se forem somadas, dão 2.130 anos. Não basta a investigação
ter atingido pessoas icônicas, ou ter colocado na cadeia líderes
empresariais e políticos. Não basta terem sido deflagradas 64 fases da
Operação. É preciso mudar as leis para prevenir a continuidade do crime. [necessário o entendimento que o combate à corrupção e a outros crimes deve ser contínuo e independente da transformação de uma operação policial - a Lava Jato ou qualquer outra que surja - em uma instituição.
A instituição a quem cabe o combate ao crime - sem restringir ou limitar a participação de outras - é a Polícia, não sendo aceitável que integrantes da operação (especialmente alguns membros do MP) queiram que a operação seja maior que a instituição.]
Em todos os países onde houve avanço no combate à corrupção, leis
foram mudadas. As investigações mostraram as brechas e as maneiras pelas
quais o sistema se corrompia, os culpados foram punidos, e a legislação
foi alterada para se impedir a repetição. No Brasil, por mais
eloquentes que sejam os números, a proposta assinada por dois milhões e
trezentas mil pessoas foi rejeitada pelo Congresso e são frequentes as
tentativas de piorar as leis, em vez de aperfeiçoá-las.
Na entrevista conjunta dada no Rio, as forças-tarefas do Ministério
Público Federal no Rio, São Paulo e Curitiba avisaram que estão unidas e
farão operações conjuntas em 2018. A notícia é auspiciosa. No ano que
vem haverá a “batalha final”, nas palavras do procurador Deltan
Dallagnol. Ele se referia às eleições, porque “lideranças corruptas são
incapazes de fazer reformas anticorrupção”. Mas contra esse inimigo não
existe uma batalha final.
O Rio conhece o resultado dessa união. Foi exatamente da colaboração
entre o MPF em Curitiba e o MPF no Rio que saiu a Operação Calicute,
depois deixada por conta da equipe fluminense. No dia 17 de novembro do
ano passado, a Polícia Federal bateu na porta do ex-governador Sérgio
Cabral com dois mandados de prisão, cada um assinado por um juiz: Sérgio
Moro e Marcelo Bretas. Foi exatamente porque os procuradores souberam
superar o jogo de vaidades, ou de disputa territorial que às vezes
dividem as forças do Estado, que tudo deu tão certo. A Calicute nasceu
da Lava-Jato e se tornou uma força em si. Se tudo dependesse apenas de
um grupo do MP, no caso o de Curitiba, o país não iria muito longe,
porque o crime está disseminado e com focos importantes em alguns
estados, como o Rio.
Essa demonstração de união é importante diante da sequência de
tentativas de enfraquecer a operação. Os procuradores lembraram que
apesar de tudo o que aconteceu, de todas as revelações e denúncias, os
partidos não afastaram os políticos envolvidos. “Pelo contrário, a
perspectiva de responsabilização de políticos influentes uniu grande
parte da classe política contra as investigações e os investigadores”,
diz a Carta. Aliás, esse é o único tema capaz de unir políticos da
oposição e do governo.
O procurador Carlos Fernando falou em “macro” corrupção. Na
hiperinflação aprendemos que ela não era só uma inflação mais alta, era
outro fenômeno. A escala muda a natureza e a resistência do problema.
Por isso faz todo o sentido o chamado do Ministério Público na Carta do
Rio. Eles quiseram dizer que, por mais unidas que estejam as
forças-tarefas, a renovação da política será feita pelo voto e não pelos
próprios políticos ou partidos, que é preciso com normas legais fechar
algumas brechas pelas quais o problema se reproduz, e é fundamental a
sociedade estar atenta a cada movimento que tenta paralisar o processo
de combate à corrupção. A Lava-Jato já fez muito, mas o país terá que
fazer ainda mais se quiser avançar. Esse foi o recado dos procuradores.
Miriam Leitão - O Globo
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