Após a explosão de violência em presídio de Goiás, o foco do chefe da nação estava alhures
Por ter
sobrevivido a 27 anos de encarceramento, o líder antiapartheid Nelson Mandela cuidava
de não jogar palavras fora. Escreveu em sua autobiografia: “Diz-se que ninguém
conhece uma Nação até ter estado nas suas prisões”. Ele foi preciso: “Uma Nação
não deve ser julgada pela forma como lida com os seus privilegiados, mas pela
maneira como trata os mais humildes”. O livro está disponível há anos em
português, baratinho (R$ 26), editado pela Nossa Cultura com o título de “Longa
Caminhada até a Liberdade”. [muitos consideram Nelson Mandela um grande líder; mas, só o comentário de chamar marginais, encarcerados ou não, de 'mais humildes' já o desqualifica como líder ou alguém a ter suas opiniões consideradas como válidas.
Bandido é sempre bandido e na maior parte das vezes por opção própria;
Quando ao mais humilde, especialmente devido posição social, nunca escolheu tal condição.
Por mais que se procure não encontramos um motivo, sequer razoável, para tratar bandido como seres humanos recuperáveis.]
Pena que
não seja leitura recomendada nos gabinetes federais e estaduais do Brasil. Tampouco
parece ter-se alojado na consciência dos brasileiros. Continuamos a tratar
nossos mais humildes, criminosos ou não, sob custódia ou não do Estado, como
lixo.
Um ano
atrás, diante de um país atônito e desconfortável com a matança de 57 detentos
no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus (57 mortos, decapitações a
rodo), e após cinco dias de silêncio sepulcral, o presidente Michael Temer fez
um pronunciamento à nação: “Quero mais uma vez solidarizar-me com as famílias
que tiveram seus presos vitimados nesse acidente pavoroso”, disse. [Temer, apesar de ser um presidente economico e cuidadoso em suas manifestações, vez ou outra fala o que podemos chamar de bobagens.]
Esta
semana, após a explosão de violência entre facções na colônia penal de
Aparecida de Goiânia, nem isso. O foco do chefe da nação estava alhures. “Estou
recuperadíssimo”, “Estou ótimo”, preocupou-se em demonstrar durante uma
caminhada com local e horário agendados para as câmeras, referindo-se à sua
condição física. Amanhã a
togada Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho
Nacional de Justiça, também deve fazer demonstração de musculatura com garantia
de farta cobertura. Está prevista uma visita da ministra ao dilapidado muquifo
prisional de Goiânia. [a ministra Cármen Lúcia que tudo indica desistiu dos seus sonhos de ser presidente da República, ainda que em um mandato tampão e fruto de um golpe contra o presidente Temer, nas rebeliões do inicio de 2017, também tentou usar presos como 'cabos eleitorais'.
Logo desistiu ao ser avisada que bandido preso não vota nem pode ser votado e perceber que suas chances para ser escolhida para um mandato tampão eram iguais ou menores que as de Joaquim Barbosa vencer as eleições 2018 - caso aceite ser candidato estepe do partido PEN.]
Cabe a
pergunta: para ver o quê, além do que já foi inspecionado e relatado em ofício
dias atrás? Para descobrir o quê, além do que já constava de um relatório
produzido em 2015 e que alertava para “a precariedade da situação do sistema de
cumprimento de pena no regime semiaberto” e “fortes indícios de conflito entre
grupos rivais”?
Empenhada
em destravar a falência dos presídios nacionais, Cármen Lúcia visitou 14
prisões de 7 Estados e Distrito Federal nos seus primeiros doze meses à frente
do SFF e do CNJ. Prometeu que até abril de 2018 o Banco Nacional de
Monitoramento de Prisões, uma plataforma com dados processuais de presos,
deverá estar em funcionamento em todos os estados da União. Mas entre avanços e
recuos, o quadro pouco se alterou.
Um ano
atrás, depois que 30 presos foram decapitados em Roraima, o então ministro da
Justiça Alexandre de Moraes proclamara, com empáfia, que no prazo de seis meses
todos os dados sobre presídios, processos criminais e fichas pessoais de 3
detentos estariam informatizados. Já se vão doze meses, mas as prioridades do
hoje juiz do Supremo, migraram. [pessoal, antes de nos preocuparmos com bandidos presos, devemos nos preocupar com os nossos doentes, com as centenas que morrem nas portas de hospitais públicos por falta de assistência;
quando os problemas de Saúde Pública, Educação, Transporte Público e Segurança Pública forem resolvidos, é possível começar a pensar em uma forma de manter mais bandidos presos, por mais tempo e em locais mais isolados onde se tornem realmente inofensivos.]
Entrementes,
o Brasil ultrapassou a Rússia em tamanho de população prisional e pulou de
quarto a terceiro colocado, atrás apenas de Estados Unidos e China. Pelos dados
do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), também alcançamos a terceira
maior taxa de encarceramento por 100 mil habitantes (342). Somos o único país
entre esses top five no qual a população carcerária só faz crescer, enquanto o
número de vagas diminui e o percentual de presos sem condenação (40,2%),
aumenta .
O que
muda o patamar de insegurança nas ruas do Brasil está diretamente ligado ao
sistema carcerário nacional, classificado de “medieval” por outro ex-ocupante
da pasta da Justiça, José Eduardo Cardozo. Em
entrevista à “Folha de S.Paulo” um dos coordenadores da ONG Conectas Direitos
Humanos, Rafael Custódio, faz diagnóstico semelhante ao de Mandela, apenas usa
linguagem diferente: “O Brasil continua insistindo no erro de encarceramento em
massa de pobres, negros e jovens. Um Estado que deixa sua taxa de ocupação
chegar a esse ponto é um Estado omisso e conivente. O resultado do levantamento
é o reflexo de uma opção política”. E da anuência do eleitorado nacional.
Em
janeiro de 2017, em resposta à chacina de 17 horas que matou quase 60 detentos
sob guarda, o então governador do Amazonas, José Melo (Pros) afirmara que “não
tinha nenhum santo” entre os mortos na selvageria. Na
ocasião, Melo também voluntariou “tirar dinheiro do meu estado e colocar em um
fundo” de combate à entrada de drogas no país. Promessa cumprida em parte.
Segundo investigação da Operação Maus Caminhos, ele de fato tirou dinheiro do
seu estado (da verba da saúde), mas não para financiar o trabalho das Forças
Armadas nas fronteiras.
Foi preso
às vésperas do último Natal por suspeita de desvio de R$ 50 milhões.
É em sua
casa que parece não haver nenhum santo. Três dias a esposa Edilene também foi
presa e levada para a carceragem da Polícia Federal. Segundo a juíza Jaiza
Praxe, recaem sobre ela “provas suficientes de materialidade do crime de
peculato, do crime de lavagem, do crime de fraude em licitações, do crime de
corrupção e do crime de formação de organização criminosa”.
Feliz Ano
Novo.
Dorrit
Harazim é jornalista
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