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sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

A letra fria da lei

A defesa do ex-presidente Lula tem todo direito de recorrer aos tribunais superiores para tentar reverter a decisão do TRF-4 e conseguir liberá-lo para disputar a eleição deste ano. Mas os tribunais superiores têm também a obrigação de analisar os recursos em tempo próprio para que a eleição não transcorra em insegurança jurídica, permitindo que um candidato considerado inelegível, enquadrado na Lei da Ficha Limpa, registre seu nome na urna eletrônica sem a garantia de que poderá mesmo competir.

Os eleitores não podem ser burlados pela propaganda enganosa do PT e muito menos levados ao erro ao votar em um candidato que está subjudice, pois anularão seus votos se a decisão final e retardatária da Justiça confirmar a inelegibilidade de Lula.  Muito pior será se a lentidão dos tribunais superiores permitir que o candidato do PT, na eventualidade de sair-se vitorioso nas urnas, eleja-se e tome posse sem que uma decisão final tenha sido proferida. [a Lei da Ficha Limpa prevê a cassação do Diploma do candidato cuja inelegibilidade seja reconhecida na instância máxima, somente após a expedição do Diploma e a legislação eleitoral tem vários precedentes em que candidato eleito e empossado tem o mandato cassado por fato criminoso cujo reconhecimento ocorreu após sua posse - um exemplo recente é o do ex-governador do Maranhão, que foi cassado após estar governando, sendo substituído por Roseana Sarney, que mesmo não tendo sido eleita para o cargo (assumiu por ter ficado em segundo lugar) ganhou o direito de concorrer a 'reeleição' (reeleição só ocorre com quem foi eleito) sem precisar se desincompatibilizar.

Assim, ocorrendo o altamente improvável  do Lula conseguir ser candidato, ser votado, ser eleito, ser diplomado e ser empossado - poderá até o última do seu governo ser expulso do cargo.]  Ficará a sensação para a opinião pública de que a letargia já conhecida dos tribunais superiores, especialmente no Supremo Tribunal Federal (STF), mais uma vez ajudou a impunidade.

A decisão, que parece tomada, de colocar na pauta do Supremo novamente a autorização para a prisão de condenado em segunda instância, já é em si uma insinuação de que quando uma figura política importante está ameaçada por uma decisão severa, mas considerada fundamental para o combate da impunidade, os ministros do STF se movimentam para modificá-la em seu favor.   


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Se é verdade que houve mudanças de pensamento de ministros, como já declarou Gilmar Mendes, que pretende agora que a prisão só seja permitida após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não menos verdade é que o tribunal já deveria ter tratado do assunto antes que um fato político dessa relevância se apresentasse, como era previsível.

Mas mesmo que o Supremo altere seu entendimento, ou que o STJ dê a Lula um efeito suspensivo para evitar a prisão imediata, o fundamental não se altera. E o fundamental não é prender Lula a qualquer custo, mas que a legislação seja cumprida e que a Justiça brasileira demonstre cabalmente que a lei é para todos. Se houver razão para que o STJ ou o STF revejam a decisão da primeira e da segunda instâncias pela condenação de Lula, que a revisão seja feita às claras e com argumentos jurídicos sólidos, que não permitam à opinião pública desconfiar das intenções dos juízes. Não estará em jogo o mérito das decisões, mas questões constitucionais e legais que porventura tenham sido transgredidas, possibilitando invalidar as decisões anteriores. Dificilmente isso acontecerá, pois seria aceitar a esdrúxula tese da conspiração de todo o sistema jurídico brasileiro para prejudicar Lula e o PT. Mas é preciso que todas essas medidas sejam tomadas dentro do prazo legal aceitável para impedir que a eleição presidencial transcorra em tumulto.

E se os tribunais superiores, especialmente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), considerarem, como parece claro pelas decisões já tomadas pelas instâncias anteriores, que Lula é inelegível, essa decisão não pode ser contestada por quem participa do jogo democrático. Da mesma maneira deve ser tratada a provável prisão de Lula, mesmo somente após o trânsito em julgado.  Se os tribunais superiores fizerem seu trabalho tendo em vista o fortalecimento do próprio sistema jurídico e da nossa democracia, os recursos estarão julgados antes de 15 de agosto, quando termina o prazo para o registro de alianças partidárias em torno de candidaturas, que devem ser aprovadas em convenções até o dia 5 de agosto.

A campanha eleitoral oficial começa no dia 16 de agosto, e não é aceitável que àquela altura ainda pairem dúvidas sobre quem poderá ser candidato. Só temos duas opções a partir de agora: ou cumpre-se a legislação em vigor em toda a sua extensão e rigor, ou corremos o risco de eleger um ditador com a conivência dos tribunais superiores, que abdicarão de sua independência em favor de um projeto político que se anuncia autoritário e desrespeitador das instituições.  Nos discursos de ontem do senador Lindbergh Farias e do comandante do MST, João Pedro Stédile, entende-se que essa parte de petistas e aliados já se colocou fora dos parâmetros constitucionais, alegando que não vivemos mais em uma democracia. Consideram-se com direitos de incitarem a militância política contra as instituições, notadamente ao desrespeito às decisões da Justiça em todos os seus níveis.

Ao mesmo tempo, fazem o jogo duplo de recorrer às mesmas instituições, mas só aceitando a absolvição de Lula como resultado correto. Se saírem vitoriosos nessa empreitada, estaremos diante de um quadro institucional desmoralizado, abrindo caminho para um governo autoritário que se considera acima das leis porque tem o apoio popular.


Merval Pereira - O Globo

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