O julgamento do ex-presidente pelo TRF-4 reforça o princípio da igualdade de todos perante a lei, mas é preciso enfrentar os movimentos em prol de retrocessos
A
condenação de Lula, em Porto Alegre, é o ponto mais alto de uma curva de
fortalecimento das instituições republicanas, que começa a subir em 2010, na
aprovação da Lei da Ficha pelo Congresso. Chega ao Supremo em 2012, no início
do julgamento dos mensaleiros, segue rumo a 2014, quando vários foram
condenados, e atinge hoje o píncaro, com a condenação a 12 anos de prisão, por
corrupção e lavagem de dinheiro, de um ex-presidente da República. A
característica comum a cada um desses momentos é envolver assunto contra os
interesses de poderosos na política.
Mensaleiros
petistas e de legendas aliadas ao PT foram julgados e condenados, embora o
partido ocupasse o Planalto. Tratava-se da primeira decisão de impacto do
Judiciário, de que se tinha notícia, contra habitantes do poder — por uma
Justiça cuja imagem é de uma instituição adestrada em punir pobres em geral, e
não enxergar ricos e poderosos em particular.
A
condenação de Lula e a decretação de sua virtual inelegibilidade são parte do
fortalecimento dos músculos republicanos, por meio do Ministério Público
robustecido pela Constituição de 88, e que já tinha demonstrado força no
mensalão. E tem cumprido um papel vital, no desbaratamento da poderosa
quadrilha do petrolão, de que emerge a figura de Lula como chefão, algo
vislumbrado já nos primórdios do mensalão. Não seria
possível, raciocinava-se em 2005/6, aquele trânsito de falcatruas no governo
sem o conhecimento do presidente. Tempos depois, a figura do capo surgiria em
um depoimento do seu ex-braço direito Antonio Palocci. Também na Lava-Jato,
Renato Duque, um diretor da Petrobras que ele nomeara para fazer parte do
petrolão, citou-o como chefe. Condenado
Lula, com a possibilidade real de ele começar a cumprir a pena de prisão por 12
anos e um mês, deflagra-se o que já aconteceu em outros momentos semelhantes:
toda vez que poderosos são ameaçados por algum dispositivo legal, movem-se
forças para, também por ações legais, atenuar o cerco das instituições ao
criminoso de colarinho branco.
Bastou a
força-tarefa da Lava-Jato, merecidamente elogiada pelos três desembargadores de
Porto Alegre que confirmaram a condenação de Lula pelo juiz Sergio Moro,
começar a ter êxito em desbaratar o esquema montado na Petrobras pelo PT, para
surgirem no Congresso e no Judiciário movimentos a fim de eliminar ou tornar
menos eficazes instrumentos básicos responsáveis por este avanço contra a criminalidade
de terno e gravata.
Um
exemplo são as investidas contra a colaboração premiada. [a colaboração premiada sofreu grande desvalorização quando foi usada pelo ex-acusador-geral da República, foi por assim dizer 'janotizada',com a colaboração dos delatores irmãos Batista, para tentar dar um golpe contra o presidente Temer. Desde que usada de forma responsável, impessoal, se evitando homologações apressadas (no caso dos irmãos Batista Fachin homologou com uma rapidez estranha e o resultado é que a própria PGR, agora longe das mãos de Janot, pediu anulação.] Avança-se também para
desidratar a prisão preventiva, e por aí se tem ido. [o aqui chamado desidratar a prisão preventiva, tem sido tentado devido aquela modalidade de prisão estar sendo usado com algum exagero, chegando a ser, devido sua longa duração em alguns casos, a ser considerada uma versão brasileira da prisão perpétua = é sabido quando começa e desconhecido quando finda.] A condenação de Lula em
segunda instância, por sua vez, reaviva os interesses de, por meio de
julgamento no Supremo, mudar o entendimento da própria Corte de que sentença
pode começar a ser cumprida na confirmação do veredicto em segunda instância,
situação de Lula. A
presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, pautaria o assunto. Que a possibilidade
de penas começarem a ser cumpridas depois da segunda instância seja mantida.
Para que o Estado não perca terreno neste embate decisivo contra o velho
patrimonialismo brasileiro, que, como se vê, é praticado também pela esquerda.
Trata-se de algo vital para a regeneração da democracia representativa.
Editorial - O Globo
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