Lula lamentou não poder reencontrar velhos amigos no fim de semana em Adis Abeba, líderes de dinastias cleptocratas que sustentam longevas ditaduras
Horas
depois de ser condenado a mais de 12 anos de prisão por corrupção e lavagem de
dinheiro, estava pronto para atravessar o Atlântico e participar de uma reunião
sobre... a luta contra a corrupção. A viagem
de dez mil quilômetros à Etiópia (14 horas em voo direto) foi abortada pela
Justiça na sexta-feira. “Vejam que absurdo” — contou em vídeo na página do PT.
“Eu estava com a mala pronta, quando recebi um recado em casa: um juiz bloqueou
o meu passaporte.”
Protestou:
“Nós vivemos um momento de ditadura de uma parcela do Poder Judiciário,
sobretudo o Poder Judiciário que cuida de uma coisa chamada Operação Lava-Jato,
que vocês já devem ter ouvido falar aí na África.” Lula iria
à cúpula da União Africana em Adis Abeba, capital de um país onde o “estado de
emergência” é decreto recorrente, e a opinião pública não pode ser expressa nem
em particular. Queixou-se
por não poder estar com “o querido companheiro” Hailemariam Desalegn, primeiro-ministro
etíope, cuja polícia matou mil opositores nos últimos 16 meses e recolheu
outros 21 mil a “campos de reabilitação” — informa a Human Rights Watch em
relatório deste mês.
Organismo
comunitário, a União Africana foi erguida nos anos 90 pelo falecido ditador
líbio Muammar Kadafi, na época isolado porque patrocinava atentados como o da
bomba num avião da Pan Am, que espalhou 270 cadáveres sobre uma vila da
Escócia. Kadafi apoiou Lula na campanha de 2002, segundo o ex-ministro Antonio
Palocci, preso em Curitiba. Eleito, Lula foi a Trípoli.
A visita a Kadafi para “negócios” , como definiu, está contada em livro dos repórteres Leonêncio Nossa e Eduardo Scolese.
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A viagem do ex-presidente à Etiópia foi organizada pelo “companheiro e querido irmão” José Graziano, a quem elegeu diretor da FAO, braço da ONU para a agricultura. Graziano foi ministro do Fome Zero. Bom projeto, o Fome Zero logo virou peça de marketing político no exterior em 2003. Morreu de inanição governamental, estimulada pela má vontade do PT, então focado nos “negócios” do caso Mensalão.
A visita a Kadafi para “negócios” , como definiu, está contada em livro dos repórteres Leonêncio Nossa e Eduardo Scolese.
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A viagem do ex-presidente à Etiópia foi organizada pelo “companheiro e querido irmão” José Graziano, a quem elegeu diretor da FAO, braço da ONU para a agricultura. Graziano foi ministro do Fome Zero. Bom projeto, o Fome Zero logo virou peça de marketing político no exterior em 2003. Morreu de inanição governamental, estimulada pela má vontade do PT, então focado nos “negócios” do caso Mensalão.
Graziano
inscreveu o antigo chefe num debate sobre fome com o “querido Obasanjo”, evento
da cúpula africana sobre a luta contra a corrupção. Presidente da Nigéria (1999
a 2007), Olusegun Obasanjo recentemente foi declarado “avô da corrupção” pela
Câmara de seu país, que constatou o sumiço de parte dos investimentos (US$ 16
bilhões) em projetos de energia. Outros
“companheiros” que Lula pretendia encontrar para “um abraço fraternal” eram
Denis Nguesso (do Congo), Teodoro Obiang (da Guiné Equatorial), e Ali Bongo (do
Gabão). O trio lidera dinastias cleptocratas que sustentam longevas ditaduras
na África.
Os
Nguesso colecionam 66 imóveis de luxo na França, segundo o Tribunal de Paris.
Os Obiang escondiam uma conta bancária em Washington cujo saldo era quatro
vezes e meia superior ao valor do patrimônio imobiliário da rainha Elizabeth
II, da Inglaterra. Os Bongo foram apanhados em transferências diretas de US$
130 milhões do Tesouro do Gabão para suas contas privadas no Citibank, em Nova
York. Sem
passaporte, Lula não pode reencontrar os velhos amigos, no fim de semana em
Adis Abeba, para explicar-lhes a sentença a 12 anos de prisão e porque ainda é
réu em outros seis processos por corrupção.
José Casado, jornalista - O Globo
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