Já
entrou para o anedotário da política brasileira a confissão do
ex-presidente Lula: “Quando a gente é de oposição, pode fazer bravata
porque não vai ter de executar nada mesmo. Agora, quando você é governo,
tem de fazer, tem que ser responsável, e aí não cabe a bravata”. Em
outra ocasião, ele confessou, entre risos de seus entrevistadores
amigos, que quando era oposição viajava o mundo falando mal do Brasil e
ganhava muita atenção no estrangeiro citando dados estatísticos que não
exprimiam a verdade.
Pois foram as bravatas de Lula e seus
seguidores que justificaram a decisão do juiz federal de primeira
instância Ricardo Leite, de Brasília, de apreender o passaporte do
ex-presidente, medida cautelar prevista no Código de Processo Civil para
substituir a prisão preventiva, impedindo-o de viajar à Etiópia, para
um evento sobre o combate à fome no mundo, onde certamente voltaria a
falar mal do Brasil e a contar bravatas sobre si mesmo e seus governos.
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Mas
o juiz não estava preocupado com o que Lula faria no exterior, mas sim
com os indícios de que poderia não retornar, pedindo asilo a “países
simpatizantes”. Essa foi uma das bravatas que os aliados de Lula
espalharam nos últimos dias. Ao impedir Lula de deixar o país, o juiz
Ricardo Leite explicou: “É do conhecimento público a divulgação de
declarações em que aliados políticos do ex-presidente, visando a
politização de processos judiciais, cogitam a solicitação (se
necessário) de asilo político em seu favor para países simpatizantes”.
Também
a reiteração, por Lula e seus aliados, de que não acatariam a decisão
do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4), com incitação aos
militantes para que resistam a uma eventual prisão de Lula, serviram de
base para a decisão do juiz de Brasília. Um dia depois de ter
sido condenado a 12 anos e um mês de prisão, o ex-presidente Lula, em
reunião da Executiva Nacional do PT, disse que não respeitaria a decisão
da Justiça, e conclamou os militantes a uma ofensiva nas ruas para
defendê-lo, pregando o enfrentamento político. “Esse ser humano
simpático que está falando com vocês não tem nenhuma razão para
respeitar a decisão de ontem” (...) “Quando as pessoas se comportam como
juízes, sempre respeitei, mas quando se comportam como dirigentes de
partido político, contando inverdades, realmente não posso respeitar”.
Na
mesma reunião, o líder do Movimento dos Sem Terra, João Pedro Stédile,
afirmou que os movimentos populares não aceitarão e impedirão a prisão
do ex-presidente Lula. Também o líder do PT no Senado, Lindbergh Farias,
que, por sua agressividade, subiu no conceito das lideranças petistas,
defendeu a “desobediência civil”, com ocupação das ruas, contra a
condenação de Lula em segunda instância: “Não nos peçam
passividade nesse momento. Há uma ditadura de toga nesse país. Não
podemos mais dizer que vivemos numa democracia, e agora só temos um
caminho: a rebelião cidadã e a desobediência civil”, afirmou, para
desafiar: “Vão fazer o quê? Prender o Lula? Vão ter de prender milhões
de brasileiros antes.”
O líder do PT foi mais cuidadoso nessa
frase do que fora sua presidente partidária, senadora Gleisi Hoffmann,
que chegou a dizer que para prender Lula teriam que matar “muita gente”
antes. As manifestações a favor de Lula não indicam essa disposição de
“muita gente” para morrer pelo ex-presidente, e as últimas informações
mostram que, principalmente, não estão dispostos a morrer politicamente. Já
começam nos bastidores as negociações para apressar a indicação de um
candidato substituto, sob pena de o partido sofrer uma derrota fragorosa
nas eleições gerais de 2018. Para os membros do partido, uma
candidatura de Lula representava a senha mágica para a recuperação do
partido nas eleições de governadores, 2/3 do Senado e a totalidade da
Câmara, compensando a derrota que o partido sofreu nas eleições
municipais de 2016. Agora, insistir nela pode ser a derrocada final.
Com
uma perda de 60% das prefeituras que governava, o PT ficou em 10º lugar
entre os partidos que mais elegeram prefeitos, deixando que seus
adversários mais fortes, como o PMDB e o PSDB, crescessem e tenham hoje
uma máquina partidária espalhada pelo país, que certamente os ajudará na
campanha deste ano. As bravatas de Lula certamente não ajudarão o
partido, pois dificilmente ele conseguirá superar a Lei da Ficha Limpa,
que torna inelegível os que, como ele, são condenados em segunda
instância. Como só acontece com os bravateiros, na hora do enfrentamento
da realidade eles se curvam a ela. Lula, que incitava à desobediência
civil, levando Lindbergh a acreditar na bravata, entregou seu passaporte
e vai lutar por ele dentro das legislação vigente.
Merval Pereira - O Globo
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