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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Cármen Lúcia fala demais, mesmo falando pouco, sobre decisão do Supremo que pode interferir na prisão de Lula. Melhor calar-se



Não peço, como sempre, que vocês acreditem em mim. Mas acreditem minimamente no que seus olhos veem desde que não estejam sendo vítimas de alguma alucinação. Procurem no Google. Vejam desde quando se noticia que o Supremo iria reexaminar a questão da execução da pena — na verdade, trata-se mesmo é de pôr ou não na cadeia — depois da condenação em segunda instância. Precede em muito o diz-que-diz-que sobre a prisão ou não de Lula. Com efeito, reduzir essa votação à questão que diz respeito ao petista seria, como afirmou a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, num jantar havido nesta segunda, “apequenar” a questão e o tribunal.

Logo, um modo que o tribunal tem de não se “apequenar” é votar o que tem de ser votado, independentemente da personagem que possa ser beneficiada ou prejudicada. Um tribunal, superior ou não, tem de se ater aos “quês”, não aos “quens”, não é mesmo? Quando a presidente da Corte diz que não tem a expectativa de pautar o reexame da questão e dá a entender claramente que, agora, seria esse um tema inoportuno porque ligado a Lula, parece-me evidente que ela faz aquilo que diz que não gostaria de fazer: atrela o tema ao destino de um político. E eu estou lhes fazendo aqui um convite: verifiquem desde quando tal assunto está sendo debatido.

Lembro à doutora Cármen Lúcia que não existem apenas votações “ad hoc”. Também existem as não-votações “ad hoc”. Deixar de votar alguma coisa em razão do interesse desse ou daquele é tão feio como votar alguma coisa em razão do interesse desse.  Antes, uma rápida memória: em outubro de 2016, por seis votos a cinco, o tribunal permitiu a execução de uma pena depois da condenação em segunda instância, ignorando a letra explícita da Constituição.  

Votaram a favor do que foi considerado uma “mudança histórica” os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Opuseram-se Marco Aurélio, Dias Toffoli (este, com ressalvas), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.  Não parece, pois, que a matéria seja muito pacífica. De resto, o Inciso LVII do Artigo 5º da Carta, que é cláusula pétrea, é explícito: ninguém pode ser considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória. Se não pode, como é que um ainda não-culpado cumpre pena? Bem, no país em que a prisão preventiva é uma forma de prisão perpétua até que um juiz decida, olimpicamente, interrompê-la —, tudo é possível. [vamos considerar que a matéria está pendente (uma consideração sem fundamento, haja vista que seis votos a cinco, em um tribunal com onze ministros, o resultado pode ser considerado definitivo, ou não urgente.
Se esse desejo de reexaminar a questão - que surgiu da cabeça de alguns ministros que mudaram de ideia e passaram a cogitar da questão voltar a ser discutida - está esperando desde outubro de 2016, nada impede que espere até depois das próximas eleições.
Não estamos entre os membros do fã clube da ministra Cármen Lúcia, nem pretendemos estar, mas desta vez há coerência na decisão dela de não pautar a questão.
Grave seria se a questão estivesse pautada e após a condenação de Lula ela decidisse adiar 'sine die' o exame da matéria.
Não está pautada e não existe nenhum fato relevante que justifique a entrada da matéria em pauta.
O Supremo Tribunal Federal precisa confiar mais no que decide e uma matéria decide pelo Plenário, em sua composição total, só deve ser revista diante de um fato de grande relevância - o que não ocorre.] 

Só o ministro Marco Aurélio é relator de duas ações que levarão o tribunal a reexaminar a questão. Ao falar o que falou em jantar com jornalistas, a ministra Cármen Lúcia cria, queira ou não, um óbvio constrangimento ao colega. Se ele decide pautar o assunto, parece que está buscando privilegiar Lula. E privilegiar por quê? Porque se especula que uma segunda votação do tema pode levar a resultado diferente.  Só para lembrar: a decisão do STF em curso não obriga a segunda instância a prender. Ela permite que se prenda. No caso, o TRF-4 já afirmou anunciou que, esgotados os recursos, quer o ex-presidente da cadeia. Se Cármen Lúcia quer evitar a politização do tema, deve ser ela a primeira a seguir o próprio conselho. [a decisão de outubro 2016 contraria Cláusula Pétrea da Constituição Federal; mas, o Supremo Tribunal Federal, costuma tomar decisões que contrariam a Constituição escrita, fica a impressão que o Supremo tem acesso a uma Constituição virtual para certas decisões - caso do Teori Zavascki quando criou a pena de SUSPENSÃO DE MANDATO PARLAMENTAR e também a recente decisão retroagindo a Lei da Ficha Limpa - aplicar Lei penal com efeito retroativo prejudicando o réu também viola Cláusula Pétrea.]

Para encerrar: ainda que o STF não reexamine a questão ou que venha a fazê-lo, confirmando o atual entendimento, que fere a Constituição, nada impede um ministro de conceder um habeas corpus a um condenado em segunda instância que esteja preso, em fase de execução da pena. A razão é simples: como a Constituição diz que ele ainda não é culpado, cabe, pois, o habeas corpus. Isso, por si, evidencia quão exótica é aquela decisão.

Blog do Reinaldo Azevedo

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