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segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Poço sem fundo - Valor Econômico

Bruno Carazza 


2020 é o patamar para ainda mais dinheiro em 2022

[O Fundo Eleitoral é uma excrescência, um abuso de autoridade por parte do Congresso em impor ao contribuinte brasileiro, um desperdício bilionário, quando o Governo tenta economizar até no BPC.
Cada candidato que patrocine sua campanha - o presidente Bolsonaro foi eleito com uma campanha 'pobre'.]

Peço desculpas às leitoras e aos leitores pela insistência. Pode parecer falta de assunto, mas nos tempos atuais, analistas políticos não têm do que reclamar - da pressão em favor da prisão em segunda instância à recente investida de Bolsonaro contra a classe artística, desta vez vedando sua participação no regime tributário especial do MEI, há excesso de matéria prima para colunas. Apesar disso, volto ao tema do aumento do fundo eleitoral porque considero não haver nada mais central para a configuração da política brasileira nos próximos anos.

Caso o Congresso venha a ratificar a proposta de elevar a dotação orçamentária do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas para R$ 3,8 bilhões em 2020, os partidos brasileiros conseguirão a façanha de extrair, do Erário, mais recursos do que obtinham das grandes empresas até 2014, quando o STF decidiu acabar com a farra das doações privadas misturadas com propinas do petrolão, do trensalão e de muitos outros esquemas de corrupção.

Projetando recursos do fundo partidário em torno de R$ 1 bilhão ao ano, mais duas parcelas de R$ 3,8 bilhões do fundo eleitoral em 2020 e 2022, serão quase R$ 12 bilhões de dinheiro público distribuído no atual ciclo eleitoral. E como a alocação desse dinheiro segue regras que privilegiam quem foi bem-sucedido nas urnas em 2018, as maiores fatias desse bolo ficarão com PSL (R$ 1,3 bilhão) e PT (R$ 1,2 bilhão). Na sequência, um grupo de nove partidos, do PSDB ao PDT, terão direito a um total que ficará entre R$ 560 milhões e R$ 700 milhões. Não é à toa que é justamente esse grupo de legendas (PSL, PT, PSDB, PSD, PP, MDB, PSB, PL, Republicanos, DEM e PDT, mais PTB e Solidariedade) que lidera o movimento para aumentar o fundão, numa coalizão baseada numa única ideologia: sangrar os cofres públicos para multiplicar suas chances de permanecer no poder.

Para quem acompanha a dinâmica das reformas eleitorais, esse movimento não é surpresa. Se até o início desta década o financiamento público de campanhas - modelo que não é adotado por nenhum país relevante do mundo - era uma quimera defendida exclusivamente pelo PT e seus partidos satélites, logo depois que o STF vetou as contribuições empresariais quase todos os demais partidos mudaram de lado. Sob o argumento de que “a democracia tem um preço e as eleições no Brasil são caras”, siglas de centro e da direita também passaram a defender a destinação de mais e mais dinheiro público para custear suas campanhas.

O primeiro movimento foi a ampliação do fundo partidário, que saltou de um patamar de R$ 100 milhões no final dos anos 2000 para o atual R$ 1 bilhão. Em 2016, quando o Congresso discutia a proposta de Emenda Constitucional para estabelecer o teto de despesas, os parlamentares inseriram um cavalo de Tróia no texto final: estariam de fora da base de cálculo do limite anual “despesas não recorrentes da Justiça Eleitoral com a realização das eleições”. No ano seguinte, a profecia se cumpria: o Congresso aprovou o fundo eleitoral de R$ 1,7 bilhão.

Afora todas as críticas que o aumento do fundo eleitoral tem recebido - de concentrar o poder de distribuição do dinheiro nas mãos dos caciques partidários, de favorecer sobremaneira os candidatos que buscam a reeleição e de elevar as barreiras à entrada e à renovação na política - é bom se preparar para o pior. Se nas eleições municipais do ano que vem eles vão levar R$ 3,8 bilhões, podemos esperar cifras ainda mais altas em 2022.

O interessante nesse processo é que ele se dá à revelia de qualquer evidência empírica sobre a necessidade de alocar mais recursos públicos nas campanhas. Desta vez a fake news se baseia no fato de que as eleições serão realizadas em mais de 5 mil municípios, o que multiplica os gastos. De fato, eleições municipais são um pouco mais caras do que as eleições estaduais e federais, mas nada que justifique a ampliação do fundo eleitoral em mais de 120%. Basta lembrar que, o ministro Paulo Guedes que o diga, a maior parte dos municípios brasileiros tem um eleitorado tão reduzido que as campanhas são realizadas porta a porta, sem a necessidade de aportes milionários.

Não precisamos ir longe para demonstrar como não é necessário elevar o valor do fundo eleitoral no próximo ano. Em 2016, tivemos um experimento bastante interessante. As últimas eleições para prefeitos e vereadores foram realizadas após a decisão do STF de proibir as doações de empresas (2015) e antes da criação do fundo eleitoral (2017). Naquele ano, os gastos totais de todos os candidatos ficaram em torno de R$ 3,1 bilhões - em torno de 60% do custo total das eleições de 2014. E não houve qualquer ameaça ao pleno funcionamento da democracia.

Dada a gravidade da crise fiscal, os parlamentares estão decidindo sacrificar recursos da saúde, da educação e da infraestrutura para inflar o fundo que custeará as campanhas de seus partidos em 2020 e 2022. Trata-se de mais uma evidência de como a lógica dos custos difusos e dos benefícios concentrados impera no Estado brasileiro. Deputados e senadores jogam com a perspectiva de não serem responsabilizados individualmente pelo aumento do fundo eleitoral.  Como a maioria deles não sairá como candidato no ano que vem, eles utilizarão a ampliação do fundão para consolidar alianças nas suas bases eleitorais visando 2022 - e, até lá, ninguém mais se lembrará das listas de quem votou contra ou a favor do aumento do fundo no, então, longínquo dezembro de 2019.

Mais recursos para o fundo eleitoral também significam mais riscos de corrupção; afinal, esse mesmo Congresso acaba de aprovar uma reforma eleitoral que flexibiliza ainda mais a possibilidade de uso desses recursos e está derrubando, um a um, todos os vetos presidenciais dados na direção contrária. Com mais dinheiro e menos controle, os donos dos partidos terão o cenário perfeito para levar adiante esquemas com empresas de parentes e amigos, num enredo que nós brasileiros, infelizmente, já estamos acostumados a assistir.

Bruno Carazza, coluna em Valor Econômico - Política


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