Bruno Carazza
2020 é o patamar para ainda mais dinheiro em 2022
[O Fundo Eleitoral é uma excrescência, um abuso de autoridade por parte do Congresso em impor ao contribuinte brasileiro, um desperdício bilionário, quando o Governo tenta economizar até no BPC.
Cada candidato que patrocine sua campanha - o presidente Bolsonaro foi eleito com uma campanha 'pobre'.]
Peço desculpas às leitoras e aos leitores pela insistência. Pode parecer
falta de assunto, mas nos tempos atuais, analistas políticos não têm do
que reclamar - da pressão em favor da prisão em segunda instância à
recente investida de Bolsonaro contra a classe artística, desta vez
vedando sua participação no regime tributário especial do MEI, há
excesso de matéria prima para colunas. Apesar disso, volto ao tema do
aumento do fundo eleitoral porque considero não haver nada mais central
para a configuração da política brasileira nos próximos anos.
Caso o Congresso venha a ratificar a proposta de elevar a dotação
orçamentária do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas para R$ 3,8
bilhões em 2020, os partidos brasileiros conseguirão a façanha de
extrair, do Erário, mais recursos do que obtinham das grandes empresas
até 2014, quando o STF decidiu acabar com a farra das doações privadas
misturadas com propinas do petrolão, do trensalão e de muitos outros
esquemas de corrupção.
Projetando recursos do fundo partidário em torno de R$ 1 bilhão ao ano,
mais duas parcelas de R$ 3,8 bilhões do fundo eleitoral em 2020 e 2022,
serão quase R$ 12 bilhões de dinheiro público distribuído no atual ciclo
eleitoral. E como a alocação desse dinheiro segue regras que
privilegiam quem foi bem-sucedido nas urnas em 2018, as maiores fatias
desse bolo ficarão com PSL (R$ 1,3 bilhão) e PT (R$ 1,2 bilhão). Na
sequência, um grupo de nove partidos, do PSDB ao PDT, terão direito a um
total que ficará entre R$ 560 milhões e R$ 700 milhões. Não é à toa que
é justamente esse grupo de legendas (PSL, PT, PSDB, PSD, PP, MDB, PSB,
PL, Republicanos, DEM e PDT, mais PTB e Solidariedade) que lidera o
movimento para aumentar o fundão, numa coalizão baseada numa única
ideologia: sangrar os cofres públicos para multiplicar suas chances de
permanecer no poder.
Para quem acompanha a dinâmica das reformas eleitorais, esse movimento
não é surpresa. Se até o início desta década o financiamento público de
campanhas - modelo que não é adotado por nenhum país relevante do mundo -
era uma quimera defendida exclusivamente pelo PT e seus partidos
satélites, logo depois que o STF vetou as contribuições empresariais
quase todos os demais partidos mudaram de lado. Sob o argumento de que
“a democracia tem um preço e as eleições no Brasil são caras”, siglas de
centro e da direita também passaram a defender a destinação de mais e
mais dinheiro público para custear suas campanhas.
O primeiro movimento foi a ampliação do fundo partidário, que saltou de
um patamar de R$ 100 milhões no final dos anos 2000 para o atual R$ 1
bilhão. Em 2016, quando o Congresso discutia a proposta de Emenda
Constitucional para estabelecer o teto de despesas, os parlamentares
inseriram um cavalo de Tróia no texto final: estariam de fora da base de
cálculo do limite anual “despesas não recorrentes da Justiça Eleitoral
com a realização das eleições”. No ano seguinte, a profecia se cumpria: o
Congresso aprovou o fundo eleitoral de R$ 1,7 bilhão.
Afora todas as críticas que o aumento do fundo eleitoral tem recebido -
de concentrar o poder de distribuição do dinheiro nas mãos dos caciques
partidários, de favorecer sobremaneira os candidatos que buscam a
reeleição e de elevar as barreiras à entrada e à renovação na política -
é bom se preparar para o pior. Se nas eleições municipais do ano que
vem eles vão levar R$ 3,8 bilhões, podemos esperar cifras ainda mais
altas em 2022.
O interessante nesse processo é que ele se dá à revelia de qualquer
evidência empírica sobre a necessidade de alocar mais recursos públicos
nas campanhas. Desta vez a fake news se baseia no fato de que as
eleições serão realizadas em mais de 5 mil municípios, o que multiplica
os gastos. De fato, eleições municipais são um pouco mais caras do que
as eleições estaduais e federais, mas nada que justifique a ampliação do
fundo eleitoral em mais de 120%. Basta lembrar que, o ministro Paulo
Guedes que o diga, a maior parte dos municípios brasileiros tem um
eleitorado tão reduzido que as campanhas são realizadas porta a porta,
sem a necessidade de aportes milionários.
Não precisamos ir longe para demonstrar como não é necessário elevar o
valor do fundo eleitoral no próximo ano. Em 2016, tivemos um experimento
bastante interessante. As últimas eleições para prefeitos e vereadores
foram realizadas após a decisão do STF de proibir as doações de empresas
(2015) e antes da criação do fundo eleitoral (2017). Naquele ano, os
gastos totais de todos os candidatos ficaram em torno de R$ 3,1 bilhões -
em torno de 60% do custo total das eleições de 2014. E não houve
qualquer ameaça ao pleno funcionamento da democracia.
Dada a gravidade da crise fiscal, os parlamentares estão decidindo
sacrificar recursos da saúde, da educação e da infraestrutura para
inflar o fundo que custeará as campanhas de seus partidos em 2020 e
2022. Trata-se de mais uma evidência de como a lógica dos custos difusos
e dos benefícios concentrados impera no Estado brasileiro. Deputados e
senadores jogam com a perspectiva de não serem responsabilizados
individualmente pelo aumento do fundo eleitoral. Como a maioria deles não sairá como candidato no ano que vem, eles
utilizarão a ampliação do fundão para consolidar alianças nas suas bases
eleitorais visando 2022 - e, até lá, ninguém mais se lembrará das
listas de quem votou contra ou a favor do aumento do fundo no, então,
longínquo dezembro de 2019.
Mais recursos para o fundo eleitoral também significam mais riscos de
corrupção; afinal, esse mesmo Congresso acaba de aprovar uma reforma
eleitoral que flexibiliza ainda mais a possibilidade de uso desses
recursos e está derrubando, um a um, todos os vetos presidenciais dados
na direção contrária. Com mais dinheiro e menos controle, os donos dos
partidos terão o cenário perfeito para levar adiante esquemas com
empresas de parentes e amigos, num enredo que nós brasileiros,
infelizmente, já estamos acostumados a assistir.
Bruno Carazza, coluna em Valor Econômico - Política
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