O Estado de S. Paulo
STF deve decidir pelo depoimento por escrito, mas se for presencial nada muda
O
presidente Jair Bolsonaro deveria depor à Polícia Federal amanhã, na
terça ou na quarta no inquérito em que é investigado de interferência
política na PF, uma acusação feita pelo seu ex-ministro Sérgio Moro. Mas
Bolsonaro não vai depor ainda, porque ganhou dois presentões do
ministro do STF Marco Aurélio Mello: a prorrogação e a possibilidade de
depor por escrito. Se é que vai precisar depor. [até o momento não há provas contra o presidente Bolsonaro;
o que há de concreto é que um ex-ministro do Governo do capitão o acusa de supostas tentativas de interferências na Polícia Federal - vinculada ao Ministério da Justiça, cujo titular é subordinado ao presidente da República.
Caso depoimentos venham a provar que houve tentativa de interferência do presidente da República no comando da PF, terá que ser provado se o presidente da República substituir o diretor da PF é crime.
Caso seja, estamos diante de uma situação 'esquisita';
- o presidente da República, Jair Bolsonaro pode demitir o ministro da Justiça e demais ministros do seu governo por telefone, sem prestar esclarecimento a quem quer que seja.
Mas, não pode demitir o diretor-geral da Polícia Federal - que pode ser demitido pelo ministro da Justiça que pode ser demitido pelo presidente da República.]
A
questão é complexa, até porque envolve um presidente da República, e dá
dicas preciosas sobre o equilíbrio do Supremo com Luiz Fux na
presidência e Marco Aurélio assumindo em novembro a condição de decano,
hoje ocupada por Celso de Mello. Vai se desenhando uma nova polarização,
agora entre Fux, pró-Lava Jato e independente em relação a Bolsonaro, e
Marco Aurélio, contra a Lava Jato e cada vez mais próximo de
Bolsonaro.
Foi
Joaquim Barbosa contra Ricardo Lewandowski no mensalão, Gilmar Mendes
contra Luís Roberto Barroso no petrolão, a divisão meio a meio na Lava
Jato e a quase unanimidade (fora Dias Toffoli) diante do bolsonarismo.
Mas Marco Aurélio sempre foi um caso à parte, um encrenqueiro ilustrado.
E a nova polarização já tem um marco. Fux declarou à Veja que a decisão
contra a prisão após condenação em segunda instância, por um voto, teve
"baixa densidade jurídica". Pelo Estadão, Marco Aurélio classificou a
manifestação de "desrespeitosa". Subiram no ringue. [Irônico que são sempre supremas declarações que criam atritos entre os supremos ministros do STF.
Não houvesse tais declarações - sempre fora dos autos e sobre temas que poderão exigir o pronunciamento da Corte - e as coisas fluiriam bem melhores.]
Marco
Aurélio jogou para o plenário a decisão de Celso de Mello a favor de um
depoimento presencial sobre as acusações de Moro. Num depoimento
escrito, o risco é mínimo. Num presencial, ainda mais de uma
personalidade como Bolsonaro, há perguntas difíceis, cascas de banana,
nervosismo – principalmente para quem tem culpa no cartório. [o recurso ao silêncio tanto pode ser uma forma de protesto do depoente (Bolsonaro) contra o desrespeito a um dos Poderes da República quanto pode ser o exercício legítimo de um direitos constitucional de quem é investigado.]
Há
tempos Celso de Mello se ausenta de votações por motivos de saúde e,
quanto mais perto chega sua aposentadoria, em novembro, mais confronta
Bolsonaro. Gerou reação por convocar os três generais do Planalto para
depor “debaixo de vara” e por comparar o atual Brasil à Alemanha de
Hitler. Ao decidir pelo depoimento presencial, ele recorreu ao artigo
221 do Código de Processo Penal, que só dá direito a manifestação por
escrito a presidentes dos três poderes quando são testemunhas ou
vítimas, não suspeitos, investigados ou réus. [o inevitável de tudo isto é que haja o que houver com o depoimento (ainda incerto) do presidente Bolsonaro, no máximo em meados de novembro próximo, todos terão esquecido o atual decano da Suprema Corte.]
Bolsonaro
é investigado, logo, a decisão tem apoio jurídico, mas Celso se referiu
a uma decisão de 2016 favorecendo Renan Calheiros, então presidente do
Senado, e não a uma outra de 2018 em relação a Michel Temer, então
presidente da República. A PGR não teve dificuldade para cobrar
"tratamento rigorosamente simétrico" em "circunstâncias absolutamente
idênticas". Como Temer, Bolsonaro é presidente da República investigado.
A decisão final tende a ser pró-Bolsonaro, com votos de Marco Aurélio,
Barroso, que concedeu a vantagem para Temer no inquérito dos Portos, e
Luiz Edson Fachin, no da JBS, além de alguns dos outros oito que já
manifestaram desconforto com a "assimetria".
Mas,
como Celso deu ao presidente o direito de não comparecer para depor ou,
se comparecer, permanecer calado, qualquer forma favorece Bolsonaro,
que assim pode se safar dele mesmo e não repetir a chocante reunião
ministerial de 22 de abril e absurdos do tipo: só há "alguns focos" de
queimada no Pantanal, o Brasil é "um exemplo" de preservação do ambiente
e o isolamento social é "conversinha mole dos fracos". [permanecer calado não foi uma concessão dada pelo decano ao presidente Bolsonaro e sim o reconhecimento de um direito conferido a qualquer cidadão de não fornecer provas contra si mesmo.]
Para
alívio dele, do Planalto e dos bolsonaristas, a chance de um depoimento
real, com consequências, é próxima de zero. Decida o STF por depoimento
escrito ou presencial, não muda nada. Só muda o equilíbrio da corte. De
um lado, Fux. De outro, Marco Aurélio agora e seu substituto
"terrivelmente evangélico" daqui a pouco. [vamos torcer para que o presidente Bolsonaro indique Ives Gandra, um jurista competente e genuinamente Católico Apostólico Romano.]
Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo
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