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domingo, 20 de setembro de 2020

Boca fechada - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo  


STF deve decidir pelo depoimento por escrito, mas se for presencial nada muda 

O presidente Jair Bolsonaro deveria depor à Polícia Federal amanhã, na terça ou na quarta no inquérito em que é investigado de interferência política na PF, uma acusação feita pelo seu ex-ministro Sérgio Moro. Mas Bolsonaro não vai depor ainda, porque ganhou dois presentões do ministro do STF Marco Aurélio Mello: a prorrogação e a possibilidade de depor por escrito. Se é que vai precisar depor. [até o momento não há provas contra o presidente Bolsonaro; 
o que há de concreto é que um ex-ministro do Governo do capitão o acusa de supostas tentativas de interferências na Polícia Federal - vinculada ao Ministério da Justiça, cujo titular é subordinado ao presidente da República.
Caso depoimentos venham a provar que houve tentativa de  interferência do presidente da República no comando da PF, terá que ser provado se o presidente da República substituir o diretor da PF é crime.
Caso seja, estamos diante de uma situação 'esquisita';
- o presidente da República, Jair Bolsonaro pode demitir o ministro da Justiça e demais ministros do seu governo por telefone, sem prestar esclarecimento a quem quer que seja.
Mas, não pode demitir o diretor-geral da Polícia Federal - que pode ser demitido pelo ministro da Justiça que pode ser demitido pelo presidente da República.] 

A questão é complexa, até porque envolve um presidente da República, e dá dicas preciosas sobre o equilíbrio do Supremo com Luiz Fux na presidência e Marco Aurélio assumindo em novembro a condição de decano, hoje ocupada por Celso de Mello. Vai se desenhando uma nova polarização, agora entre Fux, pró-Lava Jato e independente em relação a Bolsonaro, e Marco Aurélio, contra a Lava Jato e cada vez mais próximo de Bolsonaro. 

Foi Joaquim Barbosa contra Ricardo Lewandowski no mensalão, Gilmar Mendes contra Luís Roberto Barroso no petrolão, a divisão meio a meio na Lava Jato e a quase unanimidade (fora Dias Toffoli) diante do bolsonarismo. Mas Marco Aurélio sempre foi um caso à parte, um encrenqueiro ilustrado. E a nova polarização já tem um marco. Fux declarou à Veja que a decisão contra a prisão após condenação em segunda instância, por um voto, teve "baixa densidade jurídica". Pelo Estadão, Marco Aurélio classificou a manifestação de "desrespeitosa". Subiram no ringue. [Irônico que são sempre supremas declarações que criam atritos entre os supremos ministros do STF.
Não houvesse tais declarações  - sempre fora dos autos e sobre temas que poderão exigir o pronunciamento da Corte - e as coisas fluiriam bem melhores.]

 Marco Aurélio jogou para o plenário a decisão de Celso de Mello a favor de um depoimento presencial sobre as acusações de Moro. Num depoimento escrito, o risco é mínimo. Num presencial, ainda mais de uma personalidade como Bolsonaro, há perguntas difíceis, cascas de banana, nervosismo – principalmente para quem tem culpa no cartório. [o recurso ao silêncio tanto pode ser uma forma de protesto do depoente (Bolsonaro)  contra o desrespeito a um dos Poderes da República  quanto pode ser o exercício legítimo de um direitos constitucional de quem é investigado.]

Há tempos Celso de Mello se ausenta de votações por motivos de saúde e, quanto mais perto chega sua aposentadoria, em novembro, mais confronta Bolsonaro. Gerou reação por convocar os três generais do Planalto para depor “debaixo de vara” e por comparar o atual Brasil à Alemanha de Hitler. Ao decidir pelo depoimento presencial, ele recorreu ao artigo 221 do Código de Processo Penal, que só dá direito a manifestação por escrito a presidentes dos três poderes quando são testemunhas ou vítimas, não suspeitos, investigados ou réus. [o inevitável de tudo isto é que haja o que houver com o depoimento (ainda incerto) do presidente Bolsonaro, no máximo em meados de novembro próximo, todos terão esquecido o atual decano da Suprema Corte.]

Bolsonaro é investigado, logo, a decisão tem apoio jurídico, mas Celso se referiu a uma decisão de 2016 favorecendo Renan Calheiros, então presidente do Senado, e não a uma outra de 2018 em relação a Michel Temer, então presidente da República. A PGR não teve dificuldade para cobrar "tratamento rigorosamente simétrico" em "circunstâncias absolutamente idênticas". Como Temer, Bolsonaro é presidente da República investigado. A decisão final tende a ser pró-Bolsonaro, com votos de Marco Aurélio, Barroso, que concedeu a vantagem para Temer no inquérito dos Portos, e Luiz Edson Fachin, no da JBS, além de alguns dos outros oito que já manifestaram desconforto com a "assimetria". 

Mas, como Celso deu ao presidente o direito de não comparecer para depor ou, se comparecer, permanecer calado, qualquer forma favorece Bolsonaro, que assim pode se safar dele mesmo e não repetir a chocante reunião ministerial de 22 de abril e absurdos do tipo: só há "alguns focos" de queimada no Pantanal, o Brasil é "um exemplo" de preservação do ambiente e o isolamento social é "conversinha mole dos fracos". [permanecer calado não foi uma concessão dada pelo decano ao presidente Bolsonaro e sim o reconhecimento de um direito conferido a qualquer cidadão de não fornecer provas contra si mesmo.] 

Para alívio dele, do Planalto e dos bolsonaristas, a chance de um depoimento real, com consequências, é próxima de zero. Decida o STF por depoimento escrito ou presencial, não muda nada. Só muda o equilíbrio da corte. De um lado, Fux. De outro, Marco Aurélio agora e seu substituto "terrivelmente evangélico" daqui a pouco. [vamos torcer para que o presidente Bolsonaro indique Ives Gandra, um jurista competente e genuinamente Católico Apostólico Romano.]

Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo

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