Desde que assumiu o poder, o governo brasileiro é alvo permanente de críticas de artistas, intelectuais, personalidades, empresários e governos engajados na causa ambientalista
[FATO: O presidente Bolsonaro falará hoje na Assembleia Geral da ONU, na condição de Presidente da República Federativa do Brasil.
Muitos não gostam, mas vão ter que engolir - aceitem que dói menos e estarão preparados para a reeleição do capitão em 2022.
Ele representa o Brasil e tudo que disser será a posição oficial do Brasil - não só dos quase 60.000.000 de eleitores que votaram no presidente e sim dos mais de 210.000.000 de brasileiros.
O resto, bem o resto é o resto.]
Qualquer que seja a narrativa do presidente Jair Bolsonaro na
abertura da Assembleia-Geral da ONU, hoje, em Nova York, a política
externa brasileira será sempre um prolongamento da nossa política
interna. Por isso mesmo, pode ser que a sua narrativa caia completamente
no vazio, se insistir na retórica de que somos o país que melhor cuida
do meio ambiente no mundo, ou provocar mais ojeriza internacional ao
governo atual, caso adote o discurso do general Augusto Heleno,
ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da
Presidência da República.
Ontem, em audiência pública no Supremo Tribunal Federal(STF) sobre a
aplicação dos recursos do Fundo do Clima, paralisado desde 2019,
Augusto Heleno fez um discurso alarmista: “Não podemos admitir e
incentivar que nações, entidades e personalidades estrangeiras, sem
passado que lhes dê autoridade moral para nos criticar, tenham sucesso
no seu objetivo principal, obviamente oculto, mas evidente para os não
inocentes, que é prejudicar o Brasil e derrubar o governo Bolsonaro”,
disse.
Bolsonaro falará por videoconferência, numa oportunidade
privilegiada, que existe desde 1947, sem que nenhuma norma escrita nos
estatutos da ONU, criada em 1945, no imediato pós-guerra, assim
determine. Há três versões para que isso ocorra: a primeira é de que
resultou de o Brasil se inscrever primeiro nas sessões de 1949, 1950 e
1951; a segunda, de que teria sido o reconhecimento pelo papel do
chanceler Oswaldo Aranha, que presidiu a Assembleia Geral Especial que
criou o Estado de Israel, em 1947; a terceira, de que seria um prêmio de
consolação, por termos ficado de fora do Conselho de Segurança da ONU.
Somente nos anos de 1984 e 1985 a regra foi quebrada, pelo
presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan. O general João Batista
Figueiredo, durante o regime militar, foi o primeiro presidente
brasileiro a falar na ONU, em 1982, para anunciar a abertura política
que resultou na perda do poder pelos militares; até então, a tarefa
cabia ao chanceler. A presidente Dilma Rousseff, em 2011, foi a primeira
mulher a abrir a Assembleia-Geral.
Amazônia
A Amazônia deverá ser um dos temas da fala de Bolsonaro. Esse
discurso de defesa da Amazônia pode ser bom para coesionar sua base
ideológica e mobilizar o espírito patriótico militares brasileiros,
porque o nacionalismo sempre sensibiliza esses segmentos; porém, para a
imagem do Brasil no mundo e, principalmente, a captação de
investimentos, será um fiasco. A retórica chauvinista em relação à
Amazônia sensibiliza a opinião pública mundial com sinal trocado: a
ideia-força é de que a região é o pulmão do mundo, e de que a humanidade
corre perigo por causa do aquecimento global.
Negacionista ao extremo, Bolsonaro é visto no mundo como um
governante exótico, que se equipara aos governantes mais reacionários e
folclóricos do planeta. Desde que assumiu o poder, por causa de sua
política ambiental, é alvo permanente de críticas de artistas,
intelectuais, personalidades, empresários e governos engajados na causa
ambientalista. Surpreenderia a todos se fizesse uma autocrítica,
demitisse o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e resgatasse o
prestígio dos órgãos de pesquisa, controle e fiscalização ambiental. Mas
essa não é a sua política.
Por causa das queimadas na Amazônia e no Pantanal, uma tragédia
ecológica, as críticas dentro e fora do país se intensificaram. Foi
fatal para a credibilidade do discurso do governo a declaração do
ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que aproveitaria a
pandemia da covid-19 para “passar a boiada”, em plena reunião
ministerial, cujo vídeo foi divulgado por ordem judicial. Desde então, a
pressão de países europeus e grupos empresariais sobre o governo
brasileiro tem aumentado. O pouco compromisso do governo brasileiro com o
meio ambiente é um entrave à efetivação do acordo comercial entre o
Mercosul e a União Europeia.
Nesse aspecto, o depoimento de Augusto Heleno no Supremo não
ajudou. Quem se posicionou corretamente foi o presidente da Câmara,
Rodrigo Maia (DEM-RJ): “O artigo 225 do texto constitucional não deixa
espaço para dúvidas: todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida. Portanto, aqueles que ocupam mandatos ou cargos públicos não têm a
opção de negligenciar essa obrigação, extensivamente detalhada na
própria Constituição, imposta ao poder público e à sociedade. Ela se
traduz em verbos como preservar, proteger, restaurar e educar.”
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense
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