Tudo o que Bolsonaro não quer é ser ouvido presencialmente, isso permitiria aos delegados buscar contradições entre suas declarações e os fatos já apurados. O depoimento foi suspenso
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello suspendeu, ontem, a tramitação do inquérito que apura se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal. O decano da Corte, ministro Celso de Mello, licenciado por motivos de saúde, havia decidido que Bolsonaro faria um depoimento presencial, sendo inquirido pelos delegados que investigam o caso, mas a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu da decisão, solicitando que o depoimento fosse por escrito, como aconteceu com o ex-presidente Michel Temer. O ministro Marco Aurélio decidiu que caberá ao plenário do STF apreciar a questão. [um lembrete: a decisão do decano do STF foi oficializada quando da interrupção - suspensão - da licença para tratamento de saúde do decano = suspendeu a licença, oficializou a decisão afrontosa a um dos Poderes da República e, na sequência, suspendeu a suspensão de licença, voltando à condição de licenciado.]
A decisão mexe com o espírito de corpo da Corte, porque a reversão da decisão de Celso de Mello empana a saída do decano do Supremo. [Existe apenas duas alternativas atender eventual 'espírito de corpo' da Corte:
Alternativa um - não se empana a saída do decano do STF e se mancha à democracia e à Justiça - Bolsonaro é tão presidente da República quanto Temer foi (diferença, caso exista, é que o presidente Bolsonaro foi eleito para presidente da República, com votação maciça;
Temer foi eleito presidente, assumindo em substituição a impichada Dilma.
Alternativa dois - se empana a saída do decano, levando ao triunfo da democracia e da Justiça.]
Na sua decisão, Marco Aurélio, que será o novo decano, antecipou seu voto como relator, que faculta ao presidente da República enviar um depoimento por escrito ou, se preferir, escolher o melhor dia para ser ouvido. Tudo o que Bolsonaro não quer é ser ouvido, porque isso permitiria aos delegados buscar contradições entre suas declarações e os fatos já apurados. Caberá ao presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, pôr na pauta do plenário a apreciação do caso. Até lá, o inquérito fica paralisado.
O maior constrangimento do presidente Bolsonaro, acusado pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro de tentar interferir na atuação da Polícia Federal, é o caso Fabrício Queiroz, o ex-assessor parlamentar de seu filho Flávio Bolsonaro (Republicano-RJ), senador eleito pelo Rio de Janeiro, investigado no escândalo das rachadinhas da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O empresário Paulo Marinho, que participou da coordenação da campanha de Bolsonaro e é o primeiro suplente de Flávio, denunciou à Polícia Federal o vazamento de informações sobre o caso Queiroz e seu envolvimento com as milícias fluminenses, às vésperas da sucessão presidencial. [denúncia sobre supostos vazamentos, até agora não provados e que, caso tenham ocorrido, ainda não foram tipificados como crimes.]
Celso de Mello, em licença médica até o dia 26 de setembro, havia negado pedido para que as respostas ao depoimento fossem dadas por escrito. Bolsonaro teria que comparecer à Polícia Federal como investigado, porém, com direito a permanecer em silêncio. O decano também decidiu que os advogados de Moro poderiam acompanhar o depoimento. Entendeu que os chefes dos Três Poderes, constitucionalmente, só podem depor por escrito como testemunhas ou vítimas, não quando são investigados ou réus por atos cometidos no exército do mandato.
Essa decisão esticou a corda das tensões entre o Executivo e o Supremo. Entretanto, a liminar de Marco Aurélio desanuviou a situação, ao invocar o precedente do ex-presidente Michel Temer, em decisões dos ministros Edson Fachin, que é o relator da Lava-Jato, e Luís Roberto Barros, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Seriam três votos favoráveis ao pleito de Bolsonaro, supõe-se. O ex-presidente da Corte, Dias Toffoli, sempre foi um conciliador, e o ministro Luiz Fux, que acabou de assumir, devem acompanhar Marco Aurélio. Outro que pode atuar para distensionar as relações do Supremo com o presidente da República é o ministro Gilmar Mendes, que já deu liminares favoráveis ao senador Flávio Bolsonaro no caso Fabrício Queiroz. O único constrangimento é a revisão da liminar do decano Celso de Mello, na sua despedida do Supremo.
Posse radioativa
Tudo indica que a cerimônia de posse do ministro Luiz Fux na Presidência
do Supremo, de caráter presencial, mesmo com todas as cautelas, foi um
fator disseminador da covid-19 na cúpula dos Poderes, embora os
organizadores do evento tenham observado o protocolo de segurança
sanitária estabelecido pelo Departamento de Saúde do STF. Além do
ministro Fux, que contraiu a doença, o procurador-geral da República,
Augusto Aras, anunciou que está com o vírus. Antes, já haviam comunicado
que se contaminaram a presidente do Tribunal Superior do Trabalho
(TST), Maria Cristina Peduzzi, e os ministros do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) Luís Felipe Salomão e Antônio Saldanha Palheiro, além do
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Todos estavam na posse de
Fux, que ofereceu uma espécie de coquetel aos convidados.
Em nota divulgada ontem, o STF recomendou a todos os convidados do evento que fizessem o teste de coronavírus. O mesmo procedimento foi adotado em relação aos servidores do tribunal. O Brasil registrou, ontem, 134 mil mortes e 4, 4 milhões de casos. A média móvel nas últimas duas semanas, porém, continua em queda, com 789 mortes, uma redução de 8%. No mundo, a aceleração do número de casos na Europa, que registrou novos 54 mil contaminados nas últimas 24 horas, provocou um alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS), que teme uma segunda onda à medida que, nas cidades, volta-se à vida normal. [a credibilidade do alerta da OMS, após várias escorregadas comprometedoras de algumas manifestações daquela Organização, deve ser considerada com reservas, visto que a existência da 'entidade' emissora do alerta depende, e muito, de tragédias globais na saúde.]
Nas Entrelinhas - Luiza Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense
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