Josias de Souza
Forma de depoimento de Bolsonaro é irrelevante
"Processo não tem capa, tem conteúdo", escreveu o ministro Marco Aurélio Mello, no voto em que acolheu o pedido de Jair Bolsonaro para depor por escrito no inquérito em que é acusado de tramar o aparelhamento político da Polícia Federal.
"É
inadmissível o critério de dois pesos e duas medidas", disse o ministro,
ao recordar que o Supremo permitiu ao investigado Michel Temer prestar
depoimento por escrito, em 2018. Para Marco Aurélio, deve-se aplicar "a
mesma regra processual", não importa o presidente envolvido.
Ao divergir de Celso de Mello, que ordenara a inquirição presencial de
Bolsonaro, Marco Aurélio deu ao julgamento uma aparência de Fla-Flu,
convidando, por assim dizer, os outros nove ministros do Supremo a escolherem
um lado. Mesmo que a maioria negasse a Bolsonaro o que Luís Roberto Barroso
permitiu a Temer, isso seria uma irrelevância. Como investigado, Bolsonaro pode
exercer o seu direito ao silêncio. Portanto, não há como obrigá-lo a falar.
O que
importa saber no momento é se a Polícia Federal conseguiu reunir provas capazes
de incriminar o presidente. Bolsonaro e a cúpula da Procuradoria-Geral da
República avaliam que não. [detalhe: provas do que não ocorreu, do não fato, costumam ser impossíveis, por mais supremo que seja o capricho acusatório.] Se estiverem certos, o debate sobre a forma do
depoimento é apenas um exercício de perda de tempo. Numa investigação
consistente, a diferença entre um depoimento oral ou por escrito é comparável à
diferença entre a forca e o violino. Os dois têm corda. Mas um pode produzir a
morte. O outro, apenas música. Num processo sem provas, tudo é música para o
investigado.
Blog do Josias - Josias de Souza, jornalista - UOL
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