O coronel Lima,
amigo do presidente, recebeu 1 milhão de reais. Há um documento
justificando o pagamento. VEJA teve acesso ao papel
O primeiro ato é conhecido. Em sua fracassada tentativa de fechar um
acordo de delação, o empresário José Antunes Sobrinho, dono da Engevix,
disse ter repassado 1 milhão de reais a Michel Temer, em 2014, em troca
do apoio do então vice-presidente à aprovação de um aditivo contratual
na obra da Usina de Angra 3. Aos procuradores, Antunes informou que
pediu à Alúmi, empresa que andava interessada em parcerias comerciais
com a Engevix, que contratasse uma empresa do coronel João Baptista Lima
Filho, suspeito de ser laranja de Temer, como forma de lavar o dinheiro
dado ao peemedebista.
O segundo ato também é público: a Alúmi, atendendo ao pedido
de Antunes, contratou a PDA Projeto, de propriedade do coronel Lima, a
fim de realizar um estudo técnico para a implantação de painéis
publicitários. O tal estudo, de 196 páginas, foi devidamente entregue.
A
Alúmi pagou pelo trabalho e, por isso mesmo, alega que não houve
propina, mas efetiva prestação de serviço.
ENTREPOSTO - Lima: suspeito de simular serviço para ocultar propina (Jefferson Coppola/VEJA)
Aqui começa o terceiro ato —
até então inédito. A peça de 196 páginas
produzida pela empresa do coronel Lima, à qua
l VEJA teve acesso, é um
estudo de fancaria, destinado apenas a dar ares de legalidade ao que não
passa de uma tramóia: o pagamento de propina em troca de vantagem
indevida.
VEJA submeteu o estudo à análise de especialistas de
diferentes áreas. Eles foram unânimes em dizer que o valor pago à
empresa do coronel Lima —
1 milhão de reais — está inteiramente fora da
realidade de mercado.
Segundo o engenheiro civil Pedro Wellington
Gonçalves do Nascimento Teixeira, professor da Universidade de São Paulo
(USP),
o estudo valeria no máximo 180 000 reais — isso superavaliando
variáveis de custo, como transporte de profissionais de um estado a
outro e pagamento de honorários diferenciados.
“Trata-se de um trabalho
de engenharia estrutural, de complexidade mediana, que tem metodologia
usual”, diz ele. Para Teixeira, o projeto, além de superfaturado, é
incompleto:
“Não foi feita a sondagem do terreno, a única forma de
definir com precisão a fundação”.
O arquiteto Sergio Leal Ferreira, também professor da USP, garante
que o estudo nem tem relação com a área da arquitetura.
“É um trabalho
de engenharia, um projeto relativamente padronizado. Não tenho nenhuma
dúvida de que seria descartável a contratação de uma empresa de
arquitetura”, diz. Tudo faz crer, por isso mesmo, que a contratação do
estudo era apenas uma forma de ocultar o rastreamento de um pagamento de
propina.
VEJA também procurou empresários do ramo de painéis publicitários. De
acordo com eles, o estudo da PDA é pouco usual no mercado e contém
informações conceituais que poderiam ser descartadas.
“Esse trabalho tem
perfil de memorial descritivo. No mercado privado, isso não existe.
Ninguém faz projeto de 200 páginas. Pode parecer bacana, bonito, mas não
é prático. Uma vez, contratei um estudo complexo, que tinha, no máximo,
oitenta páginas e custou 15 000 reais”, diz Tiago Brito, presidente da
LedWave, uma das principais fornecedoras de painéis de LED do país. A
LedWave chegou a disputar o contrato no aeroporto de Brasília, mas
acabou perdendo o negócio para a Alúmi,
que topou pagar 1 milhão de
reais à PDA.
A pedido de
VEJA, o arquiteto e engenheiro Jacson Paulo Tessaro, diretor
do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícia de Engenharia (Ibape),
analisou o estudo produzido pela PDA e
fez três constatações: não se
trata de um estudo complexo;
não há a assinatura do responsável técnico;
e o custo de mercado de um trabalho similar varia entre 10 000 e 15 000
reais. A presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia
(Crea) do Distrito Federal, Fátima Có, que também examinou o estudo,
mostrou-se surpresa com a informação de que o material custou 1 milhão
de reais.
“Verdade? Me chama a atenção. Não consigo nem imaginar como
fizeram a composição desse custo. Não vejo complexidade nesse estudo”,
diz ela, rindo.
O caso é revelador de como a corrupção, onipresente em contratos
públicos, permeia também as relações privadas. Na época da negociata, a
Alúmi tentava conquistar um contrato com a Inframerica, administradora
do aeroporto de Brasília, da qual a Engevix era sócia. O objetivo da
Alúmi era arrendar um espaço para instalar painéis publicitários.
Antunes, da Engevix, envolvido em tratativas financeiras com o MDB,
exigiu da Alúmi que contratasse a PDA Projeto, em regime de urgência,
por 1 milhão de reais, exatamente o valor destinado a Temer. O
presidente nega ter recebido propina.
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