“A grande imprensa e o Ministério Público emulam com o Supremo como “contrapeso” aos poderes Executivo e Legislativo”
Quando tentou revogar por liminar a jurisprudência do plenário do
Supremo Tribunal Federal (STF) que determina a execução imediata de pena
após condenação em segunda instância,
o ministro Marco Aurélio Mello,
com toda a sua experiência, colocou em xeque o presidente da Corte, Dias
Toffoli, que se viu obrigado a sustar a liminar tão logo isso foi
solicitado pelo Ministério Público Federal (MPF). A decisão
representaria a libertação imediata do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e de mais 169 mil presos, entre os quais outros notórios autores
de crimes de colarinho branco e alguns milhares de
estupradores e
assassinos.
Era meio óbvio que a liminar monocrática, no último dia antes do
recesso do judiciário, iria provocar uma comoção popular e grande
estresse político. A repercussão foi tanta que
a questão chegou a entrar
na pauta da reunião do Alto Comando do Exército, que já estava
agendada. Esse não é um assunto sobre o qual cabe aos militares
deliberar, mas os desdobramentos políticos e sociais possíveis, ao se
imaginar o circo que seria armado em torno da libertação de Lula e seu
deslocamento até São Bernardo do Campo, em São Paulo, não poderiam ser
subestimados. Seria o primeiro ato da campanha eleitoral de 2022,
iniciada antes mesmo de o presidente eleito tomar posse. Fora do poder,
Lula não sabe fazer outra coisa.
Digamos que o papel de
“poder moderador” que o
STF avocou para si, a
partir do princípio de que é o guardião da Constituição de 1988,
provavelmente entraria em colapso, tamanha a escalada da tensão entre os
poderes, ainda mais às vésperas da posse do novo presidente da
República, Jair Bolsonaro, e diante do fato de que
Marco Aurélio, em
outra decisão, também invadiu as atribuições do Senado. O ministro do
STF determinou que eleição do presidente do Senado seja feita com voto
aberto, quando o regimento daquela Casa diz que o voto deve ser secreto,
exatamente para impedir a interferência de outros poderes.
No Brasil, com suas peculiaridades políticas, o
“poder moderador” é
uma herança do Império. Foi incorporado à
Constituição de 1824 por Dom
Pedro I, inspirado no esquema clássico de separação de poderes.
Montesquieu, que os dividiu em
Executivo, Legislativo e Judiciário, mas
acrescentou mais um: o poder real. Na França, o modelo parlamentarista
inglês, no qual o rei não governa, nunca foi adotado. Nas monarquias
constitucionais, em tese, o soberano deveria moderar as disputas entre
os poderes, buscando a conciliação; na prática, o que acontecia era
exatamente o contrário.
“Quarto Poder” m 1889, com a proclamação da República,
o Poder Moderador foi
extinto no Brasil, mas na prática seu papel passou a ser exercido pelos
militares, o que provocou uma sucessão infindável de crises políticas.
Desde a questão militar, após a Guerra do Paraguai, na década de 1890,
até 1988, quando foi promulgada a atual Constituição, militares e
políticos se digladiaram em vários momentos (1889, 1920, 1930, 1935,
1937, 1845, 1954, 1958, 1962, 1964, 1968, 1985), com episódios
dramáticos.
Os militares sempre se acharam moralmente superiores aos
políticos civis, porque se consideram os
“salvadores da pátria”; e os
políticos sempre temeram os militares, porque atuaram na política com a
força das armas na maioria das vezes.
As exceções foram as eleições de
Floriano Peixoto (1891),
Hermes da Fonseca (1910) e Eurico Gaspar Dutra
(1946), que chegaram ao poder pelo voto e, depois, passaram a
Presidência para civis igualmente eleitos: Prudente de Moraes (1898),
Venceslau Brás (1914) e Getúlio Vargas (1951), respectivamente. No Estado democrático de direito, o papel das Forças Armadas como
garantidor da lei e da ordem é subordinado inteiramente aos demais
poderes. É o que acontece nas democracias ocidentais.
Nos Estados
Unidos, a Suprema Corte funciona como guardiã dos direitos dos cidadãos,
tendo por base o
“Bill of Rights” (Carta de Direitos), como são
chamadas as dez primeiras emendas da Constituição, que oferecem
proteções específicas de liberdade individual, religiosa e de justiça,
além de restringir os poderes do governo,
com a grande imprensa
americana no papel de “Quarto Poder”. Essa expressão tem origem na
tradição liberal britânica, na qual o papel da imprensa é servir aos
propósitos dos cidadãos contra os abusos de poder. Para cumprir esse
papel, é necessário que a imprensa adote uma postura independente em
relação aos grupos dominantes.
Aqui no nosso país,
após a redemocratização, a grande imprensa e o
Ministério Público, muitas vezes em dobradinha, passaram a reivindicar e
disputar esse papel de “Quarto Poder”, emulando com o Supremo Tribunal
Federal como “contrapeso” aos poderes Executivo e Legislativo,
principalmente em relação aos costumes políticos e à gestão dos recursos
públicos. Essa tensão, própria dos regimes democráticos, porém, com o
novo protagonismo das redes sociais, chegou ao ápice com a Operação
Lava-Jato e a crise dos partidos políticos tradicionais no país.
A
eleição de Jair Bolsonaro, de certa forma, vira uma página desse
processo, mas abre outra: a volta dos militares ao poder político, pelo
voto. De quem será o papel de
“poder moderador”? [inaceitável é que um ministro do Supremo, de forma monocrática, mande mais que o presidente da República e absurdo dos absurdos, consiga suspender uma decisão do Supremo, adotada em Plenário, com o placar de 6 a 5 - caso da proibição do presidente da República conceder.
Adiante um excerto - Clique e veja a matéria na íntegra:
O STF, por maioria, reconheceu que não cabe a interferência praticada por Barroso;
só
que a emenda está sendo pior do que o soneto, ao pedir vista o ministro
Fux - ministro do STF, portanto membro do Poder Judiciário - conseguiu:
a - manter a interferência indevida de um colega, ministro Barroso, na competência do Poder Executivo;
- paralisando o processo com o pedido de vista, o mesmo ministro suspendeu uma decisão de seis colegas do STF.
Pode?]
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense